Eu tinha esse amigo que sempre me contava boas histórias de um jeito ótimo. Sabe qual era a tática dele? conseguia me dar perspectivas diferentes de uma mesma situação. Ele me fazia girar dentro do enredo, me dava pistas que eu nem sabia o porquê e ainda me deixava constrangida em algumas partes, pois me provocava e me instigava a prestar a atenção. Isso não só deixava a jornada daqueles personagens interessantes como, muitas vezes, me fazia odiar a história (até certo ponto) e depois começar a idolatrá-la solenemente.
Na adaptação que o diretor Tate Taylor (Histórias Cruzadas) faz do livro homônimo de Paula Hawkins, encontrei os mesmos trejeitos de narração que aquele amigo de outrora possuia. Aliás, Tate trabalha o roteiro, super embasado de Erin Cressida Wilson (Homens Mulheres e Filhos), de uma forma que eleva a essência do livro e diria até que o melhora.
Ali, somos apresentados a personagens que vivem na Inglaterra. No filme, acompanhamos o mesmo enredo, mas situado em Nova York. E a trama segue os acontecimentos da vida de Rachel (Emily Blunt), após o seu divórcio do executivo Tom (Justin Theroux), e vai se dividindo em camadas. A primeira delas diz respeito a Rachel. As outras envolvem as vidas dos
personagens que esta começa a acompanhar da janela do trem.
Todo dia Rachel embarca para Manhattan. Durante aquele período ali sentada, vê sempre os mesmos rostos e está sempre com seu caderno de anotações. Sua separação do marido a deixou cheia de marcas profundas e ela não aceitou bem o novo rumo que tem de tomar sozinha. Assim, altamente transtornada e alterada pelo uso abusivo de álcool, só o que faz a moça é perseguir o ex-companheiro e sua nova família.
Tom se casou novamente e gerou uma filha com agente imobiliária Anna (Rebbeca Ferguson). Aliás, o acontecimento impacta muito o psicológico de Rachel, pois ela é, aparentemente, estéril e aquela nova vida de Tom era exatamente o que ela desejava para eles. Vemos então pedaços do que fora a vida dos dois juntos ( a trama é narrada com nuances do presente e retornos contínuos ao passado, o que pode confundir em caso de distração). Com tais imagens somos levados a crer que há um culpado no fim daquele casamento. E é Rachel. No que saímos da perspectiva da jornada dela, a própria nos guia pela vida de seus ex-vizinhos. Afinal, a mulher está tão desesperada em saber o que acontece na vida alheia que começa a projetar nos outros o que ela acha ser uma vida ideal. E da janela do trem ela vê isto no casal Megan (Haley Bennett) e Scott (Luke Evans). Jovens, belos e, evidentemente, muito apaixonados. Contudo, a protagonista feminina dos contos de fada de Rachel, Megan, desaparece e ela vai em busca de uma solução para esse mistério.Nessa caminhada, faz uma autoanálise que desconstrói o rumo tomado pela película até então.
A principio, é possível que grande parte do público estranhe a trama. Afinal, ela é daquelas que pode levar ao engano. já que prefere revelar perspectivas diferentes somente quando chegamos a reviravolta do enredo. Revelações que os realizadores não dão de graça ao espectador. Ou seja, por algum tempo do filme, caminhamos com um pensamento e isto pode ser que se alterne do meio para o fim da película. De qualquer forma, a trajetória de Rachel se liga a de outras mulheres, o que nos permite refletir analiticamente em como a mensagem da trama se trata dos diversos tipos de abuso emocional sofrido por aquelas personagens.
Algo que: ou você se identifica ou você prefere deixar passar em branco. O que não recomendo. Pois o tema levanta tantos maravilhosos debates e só isso já vale o ingresso para ''A Garota no Trem''. Sim, pode ser que agonia e ódio te acompanhem por grande parte daquelas horas na sala de cinema, contudo, a reflexão que ela traz é muito gratificante. Vai por mim. (E se você não leu o livro, que tem ainda mais detalhes, leia).
O roteiro de Erin Cressida Wilson conseguiu caminhar bem e como adaptação traz elementos que são melhores explicados do que no livro e suas alterações não estragam em nada o que fora imaginado. Pelo contrário, complementa.
Tate Taylor é um diretor que adora emocionar. Fez isto muito bem em seus últimos filmes como no empolgante ''Get on Up: A História de James Brown'', porém a liderança dele aqui não nos afeta tanto. Sua proposta, todavia, instiga os atores a serem ambíguos e empregarem interpretações altamente complexas. E isto o elenco entrega com paixão e vigor.
Emily é sim o grande destaque, pois consegue nos confundir e nos fazer com que odiemos sua Rachel desequilibrada, mas também nos faz perceber o quanto ela consegue ser camaleoa dentro de uma mesma trama. Alisson Janney também ganha um bom tempo em tela e suas cenas mostram seu talento anormal de um jeito magnifico. Sua interpretação da detetive Riley traz muito bem o aspecto ético e moral e é através disto que começamos a julgar alguns dos atos de Rachel. Rebecca Ferguson e Haley Bennett interpretam personagens que só conhecendo a fundo para sentir compaixão por elas. Justin Theroux é um rei durante suas cenas. Cremos nele sempre e em Rachel quase nunca. Edgar Ramirez tem cara de bom moço e vai fazer você se perguntar se ele é realmente um bom moço. Luke Evans não cresce em tela e soa mais do mesmo. Laura Prepon, que interpreta a colega de quarto de Rachel, têm pouquíssimas cenas e é super adequada ao que lhe foi pedido. Tanto quanto Lisa Kudrow.
A edição da dupla Andrew Buckland e Michael McCusker faz cortes propositais que afirmam o tom de suspense da trama. O que se afirma ainda mais com a trilha no compasso certo de Danny Elfman. A fotografia do longa abrilhanta dias frios e melancólicos e empodera o mistério empregado.
Trailer
Ficha Técnica: The Girl on the Train, 2016. Direção: Tate Taylor. Roteiro: Erin Cressida Wilson. Elenco: Emily Blunt, Luke Evans, Alisson Janney, Laura Prepon, Rebbeca Ferguson, Haley Bennett, Edgar Ramirez, Liza Kudrow. Nacionalidade: EUA. Gênero: Suspense, Drama. Trilha Sonora Original: Danny Elfman. Fotografia: Charolotte Bruus Christensen. Edição: Andrew Buckland e Michael McCusker. Distribuidor: Universal Pictures do Brasil. Duração: 01h52min.
Pode ser muito melhor do que você imagina.
Avaliação: Três tickets de trem com direito a café, bom papo e terapia (3/5).
Hoje nos Cinemas!
See Ya!
B-