Guillermo del Toro traz na fala sua latinidade e na arte que apronta sua universalidade. Seus projetos, quase sempre autorais, são marcantes e nos fazem refletir e conhecer a fundo nossos próprios monstros imaginários. Mas ele vai além e não expõe somente as batalhas que travamos com estes seres. Desbrava mundos que jamais poderíamos crer existir nessa relação de medo: o da empatia, da amizade e por quê não do amor.
Em 'A Forma Da Água', ele quebra as próprias barreiras e colabora pela primeira vez com uma roteirista mulher (Vanessa Taylor), algo feito apenas em projetos alheios como ''O Hobbit: Uma Jornada Inesperada'' e suas sequências. Sua condução aqui é magistral e nos transporta para tempos difíceis onde somente a arte embelezava a vida real - não tão diferente dos dias atuais, infelizmente.
A produção, ganhadora do Festival de Veneza de 2017, indicada aos BAFTA's e ao Oscar 2018, é estrelada por Sally Hawkings, Doug Jones, Octavia Spencer, Michael Shannon, Richard Jenkings e Michael Stuhlbarg.
Trailer
Elisa Esposito (Hawkings) é órfã e muda. Zelda Fuller (Spencer) é uma mulher negra casada e de opinião. Ambas são zeladoras em um laboratório experimental secreto do governo norte-americano, durante os anos 60, época em que o cenário político, social e econômico passa por transformações sociais e os países todos querem estar a frente no poder das informações e conhecimento. Estadunidenses e Russos, por exemplo, correm contra o tempo para chegarem a lua.
Um belo dia, o agente Richard Strickland (Shannon), chega ao ao laboratório com uma criatura (Jones) presa em um tanque. A anomalia fora capturada nos rios da selva Amazônica e está ali para experiências a serem conduzidas pelo Doutor Robert Roffstetler (Stuhlbarg). Elisa e Zelda são então chamadas para limpar o lugar e daquele momento em diante Elisa se afeiçoa do ser mantido em sigilo. A moça tem como vizinho e melhor amigo Giles
(Richard Jenkins), um pintor gay e artista decadente que adora programas de tevê e musicais. Assim que tem chance, ela 'conta' sobre seu 'novo amigo' à Giles, pois acredita que a criatura está correndo risco de morte e precisa de ajuda. Giles, a principio, diz não, mas depois compreende que deve ajudá-la e juntos eles bolam um plano para resgatar 'A Forma'.
Giles (Jenkings) e Elisa (Hawkings) retratam os excluídos e não amados |
A trama é inspirada no longa ''O Monstro da Lagoa Negra'' (1954) e traz um mundaréu de referências de filmes, desde ''A História de Ruth'' (1960), a ''O Fabuloso Destino de Amelie Poulain'' (2001), e também o óbvio ''A Bela e A Fera''. Ou seja, vemos um del Toro ainda mais lírico do que em ''O Labirinto do Fauno''.
Temos um roteiro bem costuradinho e com cenas lindas e atos no ponto. Há razão, há loucura, há sentido e emoção de sobra. Ao mesmo tempo que os conflitos aparecem e se resolvem a trama ganha sub-camadas e seus detalhes a preenchem de um jeito único. O que parecia ir para o lado da tragédia ganha um toque de romance e dá cor a alma de quem assiste. Para os que já não sentem o próprio coração a produção pode ser um ótimo desfibrilador e fazer com que o órgão volte a pulsar e ganhe até uma corzinha agradável.
Elisa (Hawkins) e seu encontro com 'A Forma' |
O elenco é do tamanho que a produção pede. E cada um dos atores esbalda talento e diversidade ao seu modo. Por termos uma protagonista 'muda', temos uma atriz que se expressa lindamente de inúmeras outras formas que não a fala (aliás, este é o segundo papel de Sally, em 2017, onde a atriz é uma mulher especial, pois apareceu também no drama ''Maudie'') e seu jogo com o resto do elenco flui maravilhosamente bem. Com o amigo gay e artista, interpretado por Jenkings, vemos um encontro de almas, identificação - os dramas deste personagem com amores e amigos o fazem crescer e o valorizam. Suas horas com Elisa assistindo tevê também são lindíssimas. Com a amiga de trabalho falante, papel de Spencer, vemos o lado feminino, romântico e espevitado de Elisa desabrochar. Mas é o vilão de Michael Shannon, Richard, que supre o filme de movimento. De dor, de medo. Um homem norte-americano 'típico'. Republicano, machista e sem escrúpulos. Seu único desafio ali é não desapontar o chefe e ainda assim acha agressivo quando é visto como imperfeito.
As atuações da Forma (Jones) e do Doutor Roffstetler (Stuhlbarg) são complementares e ganham destaques sim. Jones não foi lembrado como Spencer e Hawkings nas premiações, mas deveria. O mesmo para Stuhlbarg. Inclusive, o ator está em cerca de três filmes que estão com tudo na temporada de ouro, mas nada de indicações à ele e sua maestria em atuar. Até repito a frase dos 'interneteiros' aqui : - Daniel Day-Lewis irá se aposentar, mas ainda temos Michael Stuhlbarg. Então está tudo bem.
Inception em 'The Shape Of The Water', afinal, a 7º arte é muito homenageada |
A técnica do filme é espetacular. É impressionante. É sensacional.
Figurino, ambientações, design e todo e qualquer detalhe que você acha que pode passar despercebido, não passa. É tudo milimetricamente lembrado e jogado em tela para o deslumbre dos seus olhos - momento 'explodi minha cabeça'.
Fotografia então vem naquele tom escuro esverdeado magnifico e alterna os sentimentos de um jeito que não vemos muito hoje em dia.
Trilha sonora vem assinada pelo renomado compositor Alexandre Desplat (ouça aqui) e nos leva ao fundo do mar com uma docilidade poucas vezes vista. Também nos faz recordar da era de ouro do cinema, dos musicais, dos programas de tevê (se prepare para ver e ouvir a linda e estonteante Carmem Miranda). Aparecem em cenas emblemáticas as canções ''La Javaneise'', interpretada por Madeleine Perouix, e ''Babalu'', de Caterine Valente e Silvio Francesco.
del Toro conversa com as atrizes Octavia Spencer e Sally Hawkings durante a filmagem de uma das cenas mais energizantes do longa |
Ficha técnica: The Shape of The Water, 2017. Direção: Guillermo del Toro. Roteiro: Guillermo del Toro, Vanessa Taylor. Elenco: Sally Hawkings,Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Doug Jones, David Hewlett, Nick Searcy, Alegra Fulton, Morgan Kelly. Trilha Sonora Original: Alexandre Desplat. Fotografia: Dan Laustsen. Figurino: Luis Sequeira. Edição: Sidney Wolinsky. Distribuidor: 20th Century Fox. Nacionalidade: Estados Unidos. Duração: 01h55min.
Não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: Cinco banhos de amor (5/5).
01 de Fevereiro, nos cinemas!
See Ya!
B-
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