O novo filme do cultuado diretor dinamarquês Lars von Trier, “A Casa Que Jack Construiu’’, segue a jornada violenta de um assassino em série, interpretado pelo ator Matt Dillon, em longa com quase três horas de duração. A produção se fez presente em uma exibição lotada na 6º edição do Brasilia International Film Festival, o BIFF, no último sábado, e conseguiu explodir a cabeça de muitos presentes na plateia do Cine Brasília.
A Casa Que Jack Construiu já está em cartaz em quase todo o país, mas estreia na capital federal e também no Rio de Janeiro somente nesta quinta-feira (15), após ter passado pela Mostra SP, em outubro, e também pelo Festival do Rio, no inicio de novembro.
Em fevereiro deste ano, o cineasta revelou ao The Guardian que o longa “celebra a ideia de que a vida é perversa e sem alma e que este fato tristemente se comprovou com a ascensão do Homo Trumpus — o rato rei’’, referência clara ao presidente de uma das nações mais poderosas do mundo e continente que o diretor pouco visitou em sua vida.
Pontos de vista políticos a parte, Lars, felizmente, mais uma vez, destrói na telona com um grande trabalho que é, sem dúvidas, outra obra prima para a sua já extensa filmografia. Volta a trabalhar com duas atrizes, Uma Thurman, que esteve no polêmico e ótimo ‘Ninfomaníaca’, e também com Siobhan Fallon Hogan que aparece no tocante ‘Dançando no Escuro’ e em ‘Dogville’.
Ainda no elenco, Riley Keough, Bruno Ganz e Jeremy Davies.
Ainda no elenco, Riley Keough, Bruno Ganz e Jeremy Davies.
Trailer
Na trama, conhecemos o arquiteto Jack (Dillon), um assassino em série que faz uma auto análise de quais crimes cometeu em sua assombrosa jornada e o transformaram no homem que é. Para tanto, ele conta a Virgílio (Ganz), um senhor misterioso de voz aterrorizante, detalhes de quatro desses crimes.
Três desses crimes, as vitimas foram mulheres: uma senhora ( Thurma) que o enfeza na estrada do vilarejo onde reside, outra que se tornou viúva há pouco tempo (Hogan) e ainda sua namorada bonitona (Keough).
Durante todo o processo, Jack conta detalhes não só dos crimes, mas também de sua infância e de sua casa dos sonhos. Aquela que ele sempre começa a construir, mas nunca consegue terminar.
“- O que foi um erro? — Jack. / Entrar no carro com você. Você pode ser muito bem um assassino em série. Desculpa, você realmente parece um. Primeira vítima”
O roteiro de Lars e Jenle é forte. Argumenta claramente da possibilidade de uma vida praticando maldades sem que se seja punido, ao menos não nesse plano. Os diálogos são muitos e são ultra inteligentes. O texto apresenta um personagem cruel com muita comédia - uma das marcas do diretor e roteirista. Há metáforas também por toda a escrita e muitas explicações técnicas que ajudam a assimilar de forma simples não só os métodos de Jack como também o que ele quer com tudo aquilo: construir uma casa sem igual.
As analogias também são outra grande tática dos roteiristas para preencher a tela e as imagens conseguem captar cada mensagem que eles quiseram transmitir sem qualquer fala durante as cenas. E novamente as técnicas de slowmotion que o diretor usa se fazem valer.
Nas cenas finais do longa, há uma representação para a pintura 'Inferno' de 'Dante alighieri'.
Jack tem uma construção tão poderosa que para isso usa-se de muita violência. Mas se o espectador consegue captar a visão por trás de tudo entende que há sentido - em certa cena, por exemplo, um animal é ferido (de mentirinha) e até a PETA saiu em defesa da produção publicando uma nota onde compreende o uso de tal imagem para esmiuçar o porquê do comportamento psicopata do personagem. E é basicamente isto mesmo. Ela se costura ao filme e tem razão em estar ali. Mas grande parte dos crimes cometidos são contra mulheres e Virgilio é quem atormenta Jack sobre o porquê, ainda que àquele já saiba tudo da vida do assassino e não precise de suas respostas.
O filme passou pelo Festival de Cannes deste ano. O evento Baniu o diretor após piadas nazistas em 2011 e foi considerada 'Persona Non Grata'. Este ano Lars assumiu a culpa e vestiu essa camisa. |
Os elencos nos filmes de von Trier são sempre redondinhos. Se preenchem com alguns atores que já trabalharam com ele ou alguns que estão começando. E sempre todos arrasam em cena. Dillon já fez muitos vilões na telona, mas interpreta aqui talvez o seu melhor. É bobo, inteligente, galã, sarcástico e feroz. Tudo ao mesmo tempo e misturado. Uma, Siobhan e Riley dão características graciosas as suas personagens e até fazem referência a filmes onde 'as presas sabem o caminho que estão levando e continuam caindo do precipício' como 'Elemento de Um Crime' (1984) e a franquia 'Pânico' (1996). A voz de Bruno Ganz, o Virgílio, será ouvida por quase duas horas, mas é no ato final que conhecemos a quem pertence. Jeremy Davis (que você deve lembrar da série de tevê LOST) faz uma pequena participação e enaltece os caipiras que vendem armas pelo interior dos Estados Unidos.
As tomadas com câmera na mão ou mais intimistas também são comuns nos filmes de von Trier e mesmo que para alguns elas deêm agonia, a desorientação que elas provocam fazem as situações serem engraçadas e até usuais. Outro fator peculiar para quem é fã do diretor é ouvir ou associar Bowie as suas produções e aqui a canção FAME (escute aqui a trilha) soa em alguns muitos minutos evidenciando um Jack sedento de sangue e sendo bem sucedido nisto. Há uma referência óbvia também ao vídeo clássico de Bob Dylan, "Subterranean Homesick Blues", quando Jack fica ao lado de sua Van segurando placas contendo palavras. Ali, ele conversa cara a cara com o público e é genial.
Ficha Técnica:
Título Original: Gueule D’Ange, 2018. Direção: Lars von Trier. Roteiro: Lars von Trier e Jenle Hallund. Elenco: Matt Dillon, Uma Thurman, Bruno Ganz, Riley Keough, Sofie Gråbøl, Siobhan Fallon Hogan, Jeremy Davies, David Bailie, Cohen Day, Osy Ikhile. Fotografia: Manuel Alberto Claro. Edição: Jacob Secher Schulsinger e Molly Malene Stensgaard. Departamento Musical: Kristian Eidnes Andersen. Direção de Arte: Cecilia Hellner com concepção da 'Casa de Corpos' por Lars Von Trier. Gênero: Suspense, drama. País: Dinamarca, frança, Suécia e Alemanha. Design de Produção: Simone Grau Roney. Distribuidora: Califórnia Filmes. Duração: 02h35min. Classificação: 18 anos
Para quem não conhece os filmes do diretor e tem mais de 18 anos, esta é uma ótima oportunidade de sair do cinema extasiado.
Avaliação: Quatro viagens sangrentas com bilhete apenas de ida (4/5)!
O filme já está em cartaz no Brasil e chega aos cinemas do Rio de Janeiro e Brasília em 15 de novembro.
B-
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