O humor no Brasil tem inúmeras fases e talvez a estrutura que hoje vemos ai montada e celebrada foi idealizada por aqueles que foram corajosos o suficiente para trabalharem e fazerem rir em uma época em que vigorava a ditadura militar, ou seja, a tensão e o medo. Diante disso, comediantes, atores e a própria imprensa passou por um enfrentamento não só por parte da censura como também correu riscos inimagináveis de não sobreviver àqueles árduos anos apenas por resistirem a opressão e continuarem a levar consciência e cultura ao povo brasileiro.
Assim, no documentário 'Tá Rindo De Quê? - Humor e Ditadura'' Cláudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga, se unem para seguir 'a trajetória' ou até 'a escalada' do gênero e dos vários profissionais que ascenderam dele, entre 64 e 85, em tais obscuros tempos em que a criatividade era obrigatória para que o riso não saísse de cena. Vemos então o papel claro e crítico dos jornalistas e cartunistas como Millôr Fernandes e de humoristas hoje consagrados como Chico Anysio, Golias, Os Trapalhões e Jô Soares. Sem esquecer, claro, de trupes de teatro como a 'Asdrubal Trouxe O Trombone' da qual Evandro Mesquita, Regina Casé, Patrycia Travassos e muitos outros saíram.
O filme documental que remonta todo este cenário e conta com dezenas de depoimentos da classe artística brasileira passou pelo Festival do Rio e chega agora ao circuito comercial com previsão de passagem por Rio de Janeiro, São Paulo,
Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e Belo Horizonte.
O documentário traz um recorte interessante ao revelar entrevistas diversas com humoristas, apresentadores, atores e diretores da tevê Brasileira. Aparecem aqui Fafy Siqueira, Bruno Mazzeo, Carlos Alberto de Nobrega, Daniel Filho, Silvio de Abreu, Paulo César Pereio, Agildo Ribeiro e muitos outros. Todos relembrando como tudo começou e como os cortes da censura se deram.
A principio, os comentários são basicamente sobre 'o golpe de 64', logo se fala da censura aos programas e a como a classe reagiu a isso - fazendo 'n' versões do seu próprio trabalho para tê-lo aprovado. Há então a ilustração de como a mídia, até mesmo a 'poderosa' rede de Roberto Marinho, passou por tal opressão. Logo então, retrata-se como cada humorista foi se evidenciando antes ou depois do golpe: o sucesso de Chico Anysio, de Jô Soares e Golias, na família Trapo, os Trapalhões e etc, são exemplos.
O grupo de entrevistados também é perspicaz ao falar como sofriam por tomarem ou não lados políticos e ai vemos o apresentador da 'Praça É Nossa', Carlos Alberto de Nóbrega revelar como 'ele não se encaixava' as ideologias comunistas por ter uma vida mais branda. Ou ainda pelo tipo de humor que ele ou outro grupo possa ter vindo a realizar. Esta ótica que se apresenta também toma tempo para falar do papel da
mulher humorista na época e destaca, óbvio, o talento de Dercy
Gonçalves.
Comenta-se as ainda as prisões de jornalistas do Pasquim e como Millôr Fernandes conseguiu ser crítico mesmoe correndo risco de ir a cárcere. Para falar da juventude e de um teatro que se dizia 'alienado', porém trazia sim representatividade, entram em cena Patrycia Travassos, Evandro Mesquita, Regina Casé e Luis Fernando Guimarães. Ambos relembrando a força de uma trupe que rodou o país com uma fala desligada e com o tom lhes agradava.
Trailer
Tá Rindo De Quê? é altamente ilustrativo e chega em tempo de calar quem não lembra da história do país. Não há aqui 'bandeira política', mas sim falas que se atentam a buscar o passado e mostra-lo sem muita firula, por mais dolorido que ele tenha sido. E seu desfecho exalta quem mesmo passando por uma leva de dificuldades conseguiu trazer leveza a alma de uma nação tão necessitada.
A montagem do filme vem no ponto certo e com o tamanho certo. As colocações de cada entrevistado ficam bem encaixadas e o que pode parece um papo descontraído com os diretores joga na tela a verdade escrachada de um tempo que não devemos esquecer.
Cláudio, Alvaro e Alê são ambos diretores e produtores. Cláudio tem um perfil notável. Participou ativamente de programas humorísticos como TV Pirata, Casseta & Planeta Urgente!, além de dirigir quadros e filmes sobre lendas brasileiras como Simonal e Chacrinha. Alvaro dirigiu 'Altas Expectativas', em 2017, e tem no currículo atividades em diversos programas da MTV, Multishow e na tevê Record. Alê também esteve na tevê a cabo dirigindo o program 'Chegadas e Partidas' com Astrid Fontenelle e realizou dois documentários. Um trio que realmente sabe do que fala e se mantem consistente aqui.
Ficha Técnica
Título original: Tá Rindo de Quê, 2019. Direção: Claudio Manoel, Álvaro Campos, Alê Braga. Entrevistados: Agildo Ribeiro, Alcione Mazzeo, Ary Toledo, Bem Vindo Sequeira, Boni, Bruno Mazzeo, Carlos Alberto de Nobrega, Carmem Veronica, Chico Caruso, Daniel Filho, Evandro Mesquita, Fafy Siqueira, Hamilton Vaz Pereira, Jaguar, Juca Chaves, Kate Lyra, Lucio Mauro Filho, Patrycia Travassos, Paulo Cesar Pereio, Regina Case, Roberto Guilherme, Silvio de Abreu. Produção e coprodução: Emoções Baratas, Homem de Lata, 2Moleques, Globo Filmes, Globo News e Canal Brasil. Produtores: Álvaro Campos, Alê Braga, Claudio Manoel e Manfredo G. Barretto. Dir. Fotografia: Marcela Bourseau. Montagem: Gabi Paschoal, edt. Arte: Luva. Trilha sonora: Eugenio Dale. Edição e finalização de som: Bernardo Uzeda. Distribuidor: Bretz Filmes. Duração: 01h26min.
Ao fim do filme, percebe-se que há uma iniciativa para falar da próxima década, a dos anos 80 em 'Rindo Atoa - Humor Sem Limites'.
Avaliação: Quatro aulas sérias de história sem perder a graça (4/5 ).
28 de Fevereiro nos cinemas
28 de Fevereiro nos cinemas
See Ya!
B-