quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Homem Ideal?


O diretor Carles Alberola traz sua vasta experiência teatral de mais de 30 anos para o cinema estreando na direção de "O Homem Ideal" (M'Esperarás). A trama, que originalmente era uma peça e foi ganhadora do prêmio do Teatre Palanca/Roca Civitat d'Alzira 2013, acerta em cheio e se prova uma comédia leve e inteligente.

Carles também faz o papel principal. Interpreta  Rubén, um professor de Filosofia, separado, na faixa dos 50 anos, meio estranho, sem jeito, neurótico, sem grandes atrativos físicos, cheio de manias, depressivo e com questões de autoestima, mas não se engane, ainda que tenha essas características, ele vai te conquistar! 

Rubén está a procura de uma namorada. Precisa desesperadamente de amor e carinho. E para isso conta com a ajuda de seus fiéis amigos Raquel (Cristina García) e Jaume (Alfredo Picó). O casal de amigos aparenta viver um casamento tranquilo, mas você verá o lado B da relação ao decorrer da trama.

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Ficha Técnica

Título original e ano: M'Esperarás, 2017. Direção e Roteiro: Carles Alberola. Elenco: Carlos Alberola, Alfred Picó, Cristina Garcia, Reveca Valls. Gênero: Comédia. Nacionalidade: Espanha. Direção de Fotografia: VÍCTOR ENTRECANALES. Direção de arte: JOSÉ LUIS COMPANY (TOTO). Direção de atores: CARLES SANJAIME. Montagem: VICENTE IBÁÑEZ e RAFA PIQUERAS. Figurino: ROSA GARRIGA. Maquiagem e cabelo: MERCEDES LUJÁN. Trilha Sonora Original: ARNAU BATALLER. Efeitos digitais: VICTOR SUÑER. Som: JOSÉ M. SOSPEDRA AGUADO e IVÁN MARTÍNEZ-RUFAT. Design de pôster: ASSAD KASSAB. Produção: ALBENA PRODUCCIONS. Em colaboração com IVAC/ CULTURARTS À PUNT MÈDIA. Produção executiva: TONI BENAVENT e CÉSAR MARTÍ. Gerente de produção: GLORIA GUILLOT. Assistente de Direção: XAVIER MACHANCOSES. Realização: RAFA PIQUERAS. Distribuição: Fênix Filmes. Duração: 01h29mim.

Aliás, a história é bem simples e como numa peça de teatro tudo transcorre em uma única noite e quase que totalmente no apartamento, que por sinal é parte importante da história. A pequena sala com seus objetos e a cozinha tem vida própria. A louça vermelha faz parte da vida de Rubén e ficamos nos perguntando "por quê, ao se sujar, ele não troca de roupa se está em casa?"

Mas voltando a narrativa, um jantar preparado com esmero pelo homem é o ponto de partida para um encontro às cegas com as convidadas de seus melhores amigos (e os melhores do mundo para ele). A ideia da noite, aliás, é desencalhar o cinquentão!

Enquanto as futuras pretendentes furam uma a uma e são substituídas às pressas - e o assado não fica pronto - vamos descobrindo o que está por trás de cada personagem, pois suas verdades vem à tona e vamos nos divertindo com isso.


Quando finalmente uma das pretendentes aparece saímos de um conflito para entrar em outro. Esta é Pillar, a irmã de Raquel que está atrelada a um segredo com Jaume. Insinuante e com um quê de loucura e distúrbios psicológicos, ela no fundo têm muitos gostos similares ao de Rubén. E assim está formada a confusão onde sentimentos saltaram de nossos personagens e ficarão escancarados.

A narrativa é divertida e dinâmica envolvendo o público o tempo todo. Por ser de fácil assimilação com takes e cortes precisos como no teatro, há uma interação perfeita entre público e atores. Um jantar de emoções e segredos, risos e lágrimas.

Nem mesmo o idioma original, o Espanhol da região da Valência, se torna um problema, muito pelo contrário, cria um certo charme envolvente nos personagens. A trilha sonora e as citações literárias completam a obra.

No fim, temos nas mãos uma comédia leve que aborda temas profundos como a aceitação da idade, a insatisfação com o casamento que é mantido apenas para não encarar a solidão, traição, mentiras e a necessidade de um par. Nosso protagonista também deixa claro que saberá que está apaixonado quando alguém provocar nele uma sensação que vem em forma de descarga elétrica.

O título original "M'Esperarás" define melhor esta comédia romântica, pois Rubén está longe de ser o Homem Ideal, se é que tal pessoa existe!

Super indicado!!!

03 DE OUTUBRO NOS CINEMAS

Hebe - A Estrela do Brasil, de Mauricio Farias


A apresentadora Hebe Camargo esteve no ar por quarenta anos e sempre atingiu um público fiel. Passou por quase todas os canais de televisão (Band, Record, SBT, TV Tupi, Rede TV) e entrevistou milhares de celebridades e artistas internacionais e nacionais. Dentre eles, o primeiro homem a chegar na lua, Neil Armstrong, e também a cantora francesa Edith Piaf, mas antes disso tudo, ela também foi protagonista no rádio e, iniciando sua carreira nele, fez sucesso como cantora. 

Falecida desde 2012, ela deixou um vazio não só na programação das segundas-feiras de muita gente como também em seus corações. E agora Hebe ganha uma homenagem sucinta nos cinemas com o novo longa de Maurício Farias "Hebe - A Estrela Do Brasil"

O filme traz um pequeno recorte da trajetória da rainha da tevê brasileira e mostra algumas das suas dificuldades pessoais e profissionais. No longa, Hebe Camargo é vívida pela atriz Andréa Beltrão que chama a atenção pela ótima performance.

Com distribuição da Warner Bros Pictures, o longa chega hoje aos cinemas. 

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Ficha Técnica

Título Original e ano: Hebe - A Estrela do Brasil, 2019.  . Direção: Mauricio Farias. Roteiro: Carolina Kotscho. Elenco: Andrea Beltrão, Marco Ricca, Danton Mello, Otávio Augusto, Caio Horowics, Gabriel Braga Nunes, Cláudia Missura, Karine Telles, Ivo Müller, Daniel Boaventura, Stella Miranda. Gênero: Biografia, Drama. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Branco Mello e  Emerson Villani. Som Direto: Gabriela Cunha. Direção de Arte: Luciane Nicolino. Figurino: Antônio Medeiros. Fotografia: Inti Briones. Montagem: Joana Kollier e Fernanda Franke Krumel. Distribuição: Warner Bros Pictures Br. Duração: 02h00min.
O roteiro consiste em trazer um texto que evidencia Hebe já como apresentadora e seu início e ascensão não são o tema aqui. Ao espectador é mostrado um pouco dos dilemas que a apresentadora vivia ao ter que se condicionar ao que poderia ou não dizer frente ao controle televisivo que sofria de produtores e também da famosa "censura", ou ainda os órgãos que regulam a concessão de sinal no país. Também visitamos os momentos em que a homenageada troca de emissoras, fato que aconteceu ao fim dos anos 70 e meados dos 80, onde Hebe sai da Bandeirantes e vai para o SBT. 

No mais, a narrativa escolhe também tratar a forte amizade que ela nutria pelas amigas Nair Bello (Cláudia Missura) e Pepita Rodrigues (Karine Telles) ou ainda pelo amigo e maquiador Luiz Carlos, o Carluxo (Ivo Müller), que acabou falecendo vítima da AIDS. O filho Marcelo (Caio Horowics) e o segundo marido, Lélio (Marco Ricca), também aparecem e têm seus arcos construídos na trama. O primeiro sofre com a ausência do pai Décio (Gabriel Braga Nunes) e o último é atormentado por um ciúmes doentio e briga diversas vezes com a artista e esposa. O sobrinho Cláudio (Danton Mello) entra em cena como assistente dela e tem sua valia.


Assistimos com nostalgia Hebe (Beltrão) receber em seu famoso sofá não só Dercy Gonçalves (Stella Miranda) e Roberta Close, mas também convidados musicais desde Menudos, a Chacrinha (Otávio Augusto), Titãs e também o seu grande ídolo, Roberto Carlos (Felipe Rocha).

E todas essas participações vem com sutileza e não caem no caricato. Até mesmo a de Daniel Boaventura que tem a função de interpretar Silvio Santos. Aliás, nem Andréa caiu nessa e entrega uma Hebe com trejeitos, tiques e um 'eerrree" na medida. Quem vez ou outra se repete é Ricca, mas acredita-se que a direção tem com isso a vontade de explorar as fraquezas do marido que não se contenta com a atenção que a mulher recebe. 

A relação de Hebe com os amigos e o filho toca fundo. Com Carluxo, seu também maquiador, se mostra preocupada e intensamente triste pelo seu falecimento quando este ocorre. Defensora dos LGBTs, que no passado eram identificados pelo termo 'bixa', ela mostra sensibilidade e amor. Também empodera as mulheres e outras minorias. Ao filho, dedica tudo que tem e não passa um dia sem o mimar e dizer que o ama. Um carinho que cerca o garoto e o deixa ainda mais próximo da mãe, já que o pai não o procura tanto quanto deveria. Algo que o filme também explora aqui é o gosto da apresentadora pela bebida e como isso a fazia a sentir constrangimento visto que perdeu brincos caríssimos e deixar todo alarmados sobre a possível chance de roubo quando na verdade eles estavam dentro de um pote na sala postos ali por ela mesma.

A questão política e social no país também tem tempo em tela. Hebe que sempre mandou seus recados aos telespectadores deixa claro o que pensa e em quem vota e se diz sem partido. Como parte da elite, fica do lado de políticos que hoje já não são mais considerados "ficha limpa" e temos essa dualidade da luta contra o errado na qual tanto dizia ser uma de suas causas.

Portanto, quando o filme chega ao seu fim percebe-se que ele apresenta uma ambiguidade de valores e não quer exatamente julgar ou analisar a figura pública que ela foi, o que condena a direção e a deixa dormir pelo tom episódico que a produção têm. 


Em suma, o longa não vem com uma intenção maior do que homenagear e com essa meta chega onde pode. O destaque é todo da produção técnica que vangloria o figurino e traz todos os looks clássicos da apresentadora (maquiagem e cabelo também são enaltecidos). Ademais, a direção de arte e a fotografia também brilham.

Avaliação: Dois amores intensos e 50 pontos na audiência (2,5/5)

HOJE NOS CINEMAS

See ya!

B-

Abominável


A mais nova animação da DreamWorks, dirigida por Jill Cutton e Todd WildermanAbominável, e direcionada ao público infanto-juvenil e deve-se dizer que a produção é uma bela surpresa!

Yéti, também conhecido como Abominável Homem das Neves,  é uma criatura mítica que supostamente habita a região do Himalaia. Desde 1961 o governo do Nepal declarou oficialmente que o Yéti existe. Ainda mais depois de um famoso explorador, lá em 1986, ter avistado um deles - o que depois foi desmentido. 

Aqui, esta criatura, aparentemente agressiva e feroz, vai ganhar seu coração e levá-lo às lágrimas, pois a lenda sempre rende uma boa história. Desta vez, um feroz exemplar foi aprisionado em Xangai por um ricaço dono de empresas, o Sr. Burnish (Eddie Izzard), super ganancioso este quer provar ao mundo que o bichinho existe. Ele conta com a ajuda da cientista Dra Zara (Sarah Paulson) e a equipe de segurança da empresa.


Logo no começo vemos a criatura ameaçadora e agressiva fugindo misteriosamente, mesmo com a cerca de força elétrica. Ela está desesperada e a gente entra no clima e se identifica com seu sofrimento.

Sozinho, ferido e assustado, o gigante peludo procura abrigo no telhado de uma casa, próximo a algo conhecido e familiar para ele - uma imagem em um outdoor escrito ''Visite o Everest!''. Ali mora a jovem Yi (Chloe Bennet), uma adolescente solitária e arredia que vive com a mãe e a avó, depois que seu pai querido faleceu. Yi sonha em juntar dinheiro e viajar o mundo como o pai havia planejado e para isso trabalha muito - essa também é uma maneira que a jovem pode se ausentar de casa e não se ligar à família.

Yi e o pequeno Yeti se encontram e juntamente com o amigo Jin (Tenzing Norgay Trainor), um rapaz vaidoso e ligado nas redes sociais, e seu priminho Peng (Albert Tsay), um aspirante a esportista, partem para uma jornada desafiadora a fim de levar a criatura para casa.

A aventura começa e muito trabalho em equipe é requisitado para enfrentar os vilões que querem recuperar o bichinho que passou a ser chamado de Everest. Ah, e tem mais fofura à caminho. Isto porque Everest é uma criatura mágica e faz coisas incríveis para ajudar na fuga. 


A animação tem algumas referências que o público mais adulto irá reconhecer, como filmes sobre a criatura mítica ou ainda King Kong e Missão Impossível, porém para o público alvo o que vai pesar mesmo é que esta Everest não tem nada de abominável, mas sim de adorável! Seus grandes e expressivos olhos azuis são cativantes e pedem atenção.

Na sessão de exibição do filme para a imprensa haviam crianças e estas se mostraram bem receptivas e ligadas na história. Uma boa sacada da distribuidora ao medir as reação de quem realmente vai se interessar pelo produto. 

As dublagens são muito boas e as vozes de Arthur Salermo, Carmem Sheila, Charles Emmanuele a principiante Mharessa ficaram perfeitas para os personagens. 

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Ficha Técnica

Titulo original e ano: Abominable, 2019. Direção: Jill Cutton e Todd Wilderman. Roteiro: Jill Cutton. Dublagem Nacional: Arthur Salermo, Carmem Sheila, Charles Emmanuel e Mharessa. Dublagem Original: Sarah Paulson, Eddie Izzard, Chloe Bennet, Tenzing Norgay Trainor, Tsai Chin e James Hong. Gênero: Animação, Aventura, Comédia. Nacionalidade: Eua. Trilha Sonora Original: Rupert Gregson-Williams. Fotografia: Robert Edward Crawford. Edição: Suzan Fitzer. Direção de Arte: Paul Duncan. Distribuição: Universal Pictures do Braisl. Duração: 01h37min.

A produção é repleta de simbologias como a perseverança das carpas e mensagens que reforçam o valor da amizade, da união e do trabalho em equipe. Também não esquece de mencionar a importância da família, seja ela como for. Tudo com muita cor e a fofura dos grandes olhos orientais  que os personagens ganham na tela. Ademais, as belas paisagens asiáticas ficam ainda mais encantadoras. 

Outra ótima dica é que: o mundo pode vir a ser muito belo e atraente e o desejo de conhecê-lo, imenso, mas nada melhor que os bolinhos da vovó na sua casa acolhedora!


HOJE NOS CINEMAS

O Menino Que Fazia Rir, de Caroline Link


“O Menino Que Fazia Rir”, no original Der Junge muss an die frische Luft, é um drama biográfico baseado na história real do comediante, ator e apresentador alemão Hans-Peter Kerkeling, interpretado por Julius Weckauf que conta com direção de Caroline Link.

Desde criança, Hans-Peter dava vida a seus papéis sem muito esforço, como se tivesse nascido com um dom e um destino traçados. Costumava observar outras pessoas e imitá-las com maestria, satirizando suas características mais evidentes e parodiando suas maneiras de agir e falar. Também gostava de dançar e cantar em festas familiares, mostrando sempre sua peculiaridade de ser. Em uma das cenas, Hans-Peter passa por uma situação embaraçosa por não saber montar num cavalo e, então, sob os olhares e risos, decide aproveitar-se da situação à sua maneira. Ele diz que deve se “escolher se quer ser engraçado sem querer ou propositalmente usar de uma situação embaraçosa para o ser” e, claro, escolheu a segunda opção.


A história se passa durante os anos 60 e 70, durante a infância de Hans-Peter. E, apesar de ser o retrato de sua juventude e do florescimento de seus dons, um dos aspectos que mais chama atenção é a relação com sua família, a mega influência que cada uma dessas pessoas teve sobre ele. Como uma de suas avós, por exemplo, que o estimulava a não ter medo de ser autêntico pensando no que as outras pessoas achariam. 

A relação que Hans-Peter tinha com a mãe é a mais evidente e essa parece funcionar como uma linha que amarra a história toda. Ao longo da trama, a mulher de risada fácil, começa a transformar-se e, aos poucos, revela-se que ela sofria de depressão. O tema, tal como o suicídio, é retratado de maneira sensível e, ainda assim, com intensidade. Aliás, o longa pode ser resumido por essas duas palavras: é sensível, leve e, ao mesmo tempo, intenso. É um filme sobre família, sobre situações cotidianas, sobre como encarar as decepções e mudanças súbitas da vida e é, principalmente, uma reflexão sobre como levantar-se, de onde quer que nossas tristezas tenham nos deixado cair, e continuar caminhando sorrindo.

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Ficha Técnica

Titulo original e ano: Der Junge muss an die frische Luft,2018. Direção: Caroline Link. Roteiro: Ruth Toma, baseado no livro de Hape Kerkeling. Elenco: Diana Amft, Luise Heyer, Sönke Möhring, Joachim Król, Martina Eitner-Acheampong, Maren Kroymann, Elena Uhlig e Ursula Werner. Gênero: Biografia, Comédia, Drama. Nacionalidade: Alemanha. Música: Niki Reiser. Som: Philipp Baur, Tschangis Chahrokh, Christof Ebhardt, Magda Habernickel, Bernhard Maurer, Max-Thomas Meindl, Laura Plock e Michael Stancyk. Direção de Fotografia: Judith Kaufmann, bfk. Figurino: Barbara Grupp. Montagem: Simon Gstöttmayr, bvs. Produção: Nico Hofmann, Sebastian Werninger, Hermann Florin. Direção de Produção: Oliver Lüer . Empresas produtoras: Gesellschaft für feine Filme, UFA Fiction e Warner Bros. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 01h40min.  
Hoje Nos Cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, João Pessoa, Curitiba, Vitória, Natal, Teresina, São Luis, Cuiabá, Manaus, Belém, Olinda, Santos, Jundiaí, Barueri, Bauru, Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Sorocaba.

Ad Astra - Rumo às Estrelas, de James Gray


Depois que a marinha dos Estados Unidos confirmou a veracidade de um vídeo vazado com ovnis, definitivamente me animei para assistir um filme com ambientação no espaço. Mas Ad Astra - Rumo às Estrelas, de James Gray, está longe de ser um A Chegada (Denis Villeneuve) da vida. 

Na verdade, a trama se passa em um futuro “plausível” em que a tecnologia de viagens espaciais está mais avançada. As pessoas já até voam à lua em foguetes comerciais como se fosse uma viagem para as Ilhas Maldivas. Mas o foco central aqui está na relação entre pai e filho. Assim, o engenheiro espacial Roy McBride (Brad Pitt) inicia uma jornada para reencontrar o pai  H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones), que desapareceu há anos em uma missão secreta. 

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Ficha Técnica

Título Original e Ano: Ad Astra, 2019. Direção:  James Gray. Roteiro: James Gray e Ethan Gross. Elenco: Brad Pitt, Ruth Negga, Tommy Lee Jones, Donald Sutherland, John Ortiz, Kayla Adams, Bobby Nish,  John Finn, Loren Dean e Kimberly Elise. Gênero: Aventura, Drama, Mistério. Nacionalidade: Eua, Brasil. Trilha Sonora Original: Max Richter. Fotografia: Hoyte Van Hoytema. Edição: John Axelrad e Lee Haugen. Figurino: Albert Wolsky. Distribuição: Fox Film Br. Duração: 02h3min.
Desde o princípio percebe-se como Roy está deprimido, apesar deste constantemente se lembrar de sorrir e agir normalmente com as outras pessoas. Ele é solitário e não consegue se conectar com ninguém devido ao trauma do sumiço do pai. Apesar disso, o protagonista sempre passa nos testes psicológicos. A atuação de Pitt está impecável nesse sentido. O filme se desenrola a partir do olhar do personagem e o espectador quase sente a dor e angústia que este enfrenta através da tela.

O universo criado por James Gray é um ponto alto do filme, pois mostra um futuro não tão distante. A história questiona possíveis problemas de uma realidade em que viagens espaciais são mais viáveis e o sistema solar é mais explorado. A tecnologia é melhor e as distâncias se tornaram “mais curtas”. Em um momento do longa, Roy critica o viés turístico comercial que a lua se tornou. São reflexões importantes que não devem estar tão longe de serem debatidas.

Apesar de ser uma película surpreendente e contar com bons momentos de tensão e suspense, Ad Astra tem, na maior parte do tempo, um ritmo lento. E até ganharia um selo de filme espacial bem realista, não fosse um o final que “viaja” além da conta. No entanto, a atuação de Brad Pitt realmente destaque e merece reconhecimento.

Nota da edição
A produção ganharia exibição durante o Festival de Cannes, deste ano, mas teve a premiere cancelada devido a junção entre Fox e Disney e ela chega ao Brasil com diferença de uma semana do lançamento prévio nos Estados Unidos. 

HOJE NOS CINEMAS

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Predadores Assassinos


Existem vários temas clássicos dentro do gênero de terror: slashers, torture porn, filmes com zumbis, espíritos e etc. Para os amantes da categoria, há tipos suficientes para bons momentos de diversão.

Dentro dessa tribo há  uma tipologia que tradicionalmente é associada a produções toscas e estas são as que trazem animais gigantes e aterrorizadores as telas. Desde Tubarão, inúmeros realizadores tentam ser tão inventivos quanto Spielberg, mas falham arduamente. A maioria acaba adentrando o universo da definição “chega ser tão ruim que se torna bom” e até divertem mais do que assustam. Gemas assim surgem de quando em vez e incrivelmente agradam público e até críticos menos ranzinzas. O mais recente lançamento da Paramount Pictures no Brasil, Predadores Assassinos, pode certamente entrar nesta listinha, isto porque seu resultado surpreende. 

Dirigido por Alexandre Aja (Piranha 1, Viagem Maldita) e produzido pelo rei dos filmes B de terror, Sam Raimi, o longa mescla alguns dos elementos comuns as produções mais singulares por ai (arcos usuais, violência gratuita e exacerbada e efeitos surreais), não excluindo a possibilidade de uma distinção ou outra que acaba por se tornar a chave quando formos ressaltá-lo em conversas cinéfilas. 

Obviamente, no quesito 'desenrolar da história' percebe-se que os realizadores fazem de um tudo para que ela não seja previsível para quem está familiarizado com este gênero e vez ou outra conseguem.

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Talvez a grande vantagem que Predadores Assassinos possua contra os outros filmes do gênero é o seu “vilão”. Afinal, ele se vale dessa força animalesca e que tentará a todo momento eliminar os protagonistas, mas é sempre único. Em Piranhas (1978), precisou-se esbravejar exagero e dar motivações até racionais do porquê aqueles 'peixes' estavam tão agressivos, em Anaconda (1997) uma cobra gigantesca tocou o terror na nossa amada Amazônia e não podemos esquecer de Serpentes a Bordo (2006) onde, de longe, uma produção entrega uma das situações mais ridículas na história do cinema e o título já diz tudo. Mais recentemente, o mundo teve a fanfarrice de conhecer Megatubarão (2018), filme com um tubarão primitivo e de enorme porte.


Bem, todos esses filmes são divertidos, a sua maneira, mas nenhum deles chega a ser tenso e aterrorizante demais (não como um Alien da vida). Ainda assim, o filme cria um grande clímax e revela jacarés que parecem reais e que não fogem ao que já conhecemos. Portanto, os personagens, Haley, papel de Kaya Scodelario, e seu pai Dave, vivido por Barry Peper, passam por um momento surreal onde ficam presos no meio de uma tempestade tenebrosa na Flórida, região comum da espécie, mas o jeito que os bichos são postos em cena auxiliam na concepção de uma sensação de perigo real durante a trama e os sustos serão diversos.

Por fim, se a pegada ‘família em perigo, cercada de predadores alfas em uma casa inundada tentando sobreviver não só à eles, mas também a uma tempestade este aqui certamente é para você. Aliás, há um meticuloso trabalho para que os elementos técnicos façam a trama funcionar. Trilha, direção, o próprio efeito especial nos animais. Tudo ali aparece coordenado para criar uma experiência agoniante e divertida. Ademais, apresenta neste segundo semestre do ano um dos melhores filmes do gênero já vistos. 

26 DE SETEMBRO NOS CINEMAS

Depois do Casamento (2019)



Apenas 12 anos depois do filme original (o dinamarquês Efter Brylluppet), esta adaptação de Susanne Bier, realizada por Bart Freundlich, traz as personagens centrais com o gênero feminino, ao invés dos homens vividos por Mads Mikkelsen e Rolf Lassgard. Mas será essa mudança o suficiente para justificar uma nova versão?

Isabel (Michelle Williams) vive em um orfanato na Índia. Aliás, ela vive para o orfanato, doando todo o seu tempo e energia para cuidar das crianças sob sua tutela. A muito contragosto, ela viaja para Nova Iorque para receber uma doação da empresa milionária de Theresa (Julianne Moore). Esta, uma publicitária e empresária de renome, vive uma vida atribulada mas extremamente luxuosa. O choque entre os dois mundos é evidente. Mas o que começa como uma antipatia à personagem de Moore no início da interação entre as duas - já que ela parece alheia à falsa simetria entre seus problemas e os de Isabel - se transforma em uma antipatia à personagem de Michelle e sua constante expressão de quem comeu e não gostou, o que claramente não era a intenção do filme.

Ao rolar dos créditos, é compreensível ver o nome de Julianne Moore creditado também como produtora da obra. Depois de ver sua performance, fica óbvio que este é mais um caso em que um ator compra os direitos de um filme por puro narcisismo de querer viver aquele papel. Julianne entrega uma atuação louvável. Tão grandiosa que engole a da colega e até a própria narrativa como um todo.



Isabel deveria ser a protagonista. Mas Michelle não desperta carisma o bastante para sua personagem. E o roteiro não colabora para que isso aconteça. Vê-se muito mais o cotidiano de Theresa, sua motivação, sua energia. A devoção de Isabel à caridade (ou a redimir seu passado) fica relegada a cenas no início e no fim do longa. Nesse meio tempo, vemos a personagem meditando e usando roupas com estampas indianas como se tais símbolos clichês dessem profundidade às suas questões.

O tempo se arrasta ao longo de duas horas sem ritmo. Funciona como espetáculo para mais uma vez nos embasbacarmos com o trabalho de Julianne Moore - e também para conhecermos um pouco mais o de Abby Quinn, que vive uma Grace doce e cativante. Como cinema, no entanto, está longe de agradar.


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Ficha Técnica

Título Original e Ano: After The Wedding, 2019. Direção e Roteiro: Bart Freundlich - baseado no roteiro original de Susanne Bier e Anders Thomas Jensen. Elenco: Julianne Moore, Michelle Williams, Billy Crudup, Will Chase, Abby Quinn, Doris McCarthy, Azhy Robertson, Alex Esola. Gênero: Drama. Nacionalidade: Estados Unidos. Trilha Sonora Original: Mychael Danna. Fotografia: Julio Macat. Edição: Joseph Krings. Figurino: Arjun Bhasin. Distribuição: Diamond Films Br. Duração: 01h52min.

HOJE NOS CINEMAS

A Música da Minha Vida, de Gurinder Chadha


Na Inglaterra de 1987, o jovem de origem paquistanesa Javed (Viveik Kalra) descobre as músicas do cantor norte-americano Bruce Springsteen e encontra a sua própria voz. Junto ao amigo Roops (Aaron Phagura), cria forças para lutar contra um destino programado desde o seu nascimento por sua cultura. Ademais, o contexto sócio-político em Bury Park, na região de Lutton, é igual a todo o resto do país e passa por uma crise econômica ferrenha que anda não só deixando imigrantes, mas também ingleses desempregados.

A trama é baseada em fatos reais e também advêm da obra de Sarfraz Manzoor "Greetings from Bury Park — Race, Religion and Rock and Roll", fã declarado de Springsteen. Inclusive, o longa tem total aprovação do músico e foi selecionado para o Festival de Sundance, no início do ano, onde recebeu uma recepção calorosa.

A Warner Bros Pictures lança o filme hoje em telas nacionais e vale muito a pena conferir.

Trailer

Ficha Técnica

Título original e ano: Blinded By The Light, 2019. Direção: Gurinder Chadha. Roteiro: Paul Mayeda Berges, Gurinder Chadha e Sarfraz Manzoor - Inspirado pelas canções de Bruce Springsteen e baseado no livro de Manzoor 'Greentings From Bury Park: A Memoir'. Elenco: Viveik Kalra, Rob Bryddon, Nell Williams, Nikita Shazia, Frankie Fox, Tara Divina, Dean-Charles Chapman, Aaron Phagura, Meera Ganatra, Kulvinder Ghir, Hayley Atwell, Sally Phillips. Gênero: Música, Comédia,Drama. Nacionalidade: Estados Unidos e Reino Unido. Trilha Sonora Original: A.R. Rhaman. Fotografia: Ben Smithard. Edição: Justin Krish. Design de Produção: Nick Ellis. Direção de Arte: Grant Bailey. Figurino: Annie Hardinge. Distribuição: Warner Bros Pictures BR. Duração: 01h58min.
Viver em uma região hostil meio a skinheads liderando marchas pela supremacia nacional e a rejeição de imigrantes por si só, não é fácil, mas Javed também está chegando a fase adulta e precisa decidir se seguirá o futuro que o seu pai Malik (Kulvinder Ghir) quer para ele ou se deixará as palavras darem rumo à sua vida. O jovem sonha ser escritor e desde criança escreve poemas em seu pequeno diário. Naqueles primeiros momentos, encontrou compreensão e afeto no vizinho Matt (Dean Charles Chapman - que você deve ter visto na série Game of Thrones) e o dois viviam muito grudados, apesar das inúmeras diferenças. 

Único filho homem, em um família onde não só ele como as irmãs terão que se casar a partir da escolha do patriarca, Javed se vê frustrado frente ao que lhe espera. Na escola, encontra na professora de literatura (Hayley Atwell) incentivo para persistir lutando por seus sonhos e através do novo amigo Roops a inspiração que lhe faltava: as músicas de Bruce Springsteen. 


E quando estas chegam aos seus ouvidos: tudo se transforma. Ele se sente acolhido, incluso, forte e não mais um qualquer que os ingleses podem botar para correr. Ao se esforçar na escrita, chama atenção não só da senhorita Clay, professora de literatura, como também da jovem ativista Eliza (Nell Williams) e percebe que terá que fazer o dobro de trabalho para que alguém além delas o note como escritor. 


O que chama atenção na construção da narrativa, em especial, é como as amarrações são feitas. A apresentação da família, das origens e das obrigações que o jovem terá de seguir. Tudo isso dosado a emoção que ele sente quando não pode deixar que sua vida seja consumida por um conservadorismo exacerbado e até mesmo uma perseguição horrenda dos skinheads neonazistas da vizinhança e também de colegas de escola. Seu encontro amoroso em tela com a versão inglesa de Cindy Lauper é outra boa entrega do enredo já que o jovem precisa encarar a família inglesa tradicional da moça e se desprender da ideia de que nunca conseguiria uma namorada como o vizinho garanhão Matt. O roteiro também não esquece de trabalhar as diferenças daquele com este último e a possibilidade da quebra dessa amizade. 

A trama também se pauta no contexto histórico da época, mostrando a dura realidade vivida por todos no Reino Unido enquanto o governo conservador da Primeira-Ministra Margaret Thatcher defendia a economia a partir do pensamento do liberalismo clássico e desempregava milhões. Alinha isso ao final da administração Reagan, nos Estados Unidos, que também não foi lá essas maravilhas todas, e traz para dentro do filme um peso politico enorme no plano de fundo.

Para os não adeptos ao rock empolgante de Bruce Springsteen, basta saber que ao final dos anos 80 ele já era considerado 'coisa de velho' para os cabeças fechadas, pois iniciou sua carreira em 1969. Contudo, o músico de espirito livre e fala intrigante, sempre deixou clara suas posições frente ao que a classe trabalhadora tem de passar no seu dia a dia (até assistimos a uma entrevista curta durante o filme onde isto fica explicito). Os dilemas pessoais de Bruce são então transmitidos em suas canções e, como acontece com inúmeros cantores ao redor do mundo, a mensagem chega forte no peito dos angustiados que se identificam. Ainda assim, não é algo depressivo ou exagerado, mas sim um mega empurrão para atiçar a força interior de cada um e é por tal conexão que os conflitos vividos pelo protagonista conseguem ter resoluções mais consistentes.


O filme não anda exatamente como um musical, mas insere as músicas nas cenas e com isso dá um sentido completo para cada um desses takes. Mas há sim aquele momento alegre e engraçado onde veremos os personagens dançarem e cantarem como em outros típicos musicais, todavia apenas dublando o cantor homenageado. O tom cômico aqui é ótimo, aliás, e vem em muitos momentos pela distinta família de Javed, seu pai, sua mãe e até sua irmã Shazia (Nikita Mehta). Este só sai de cena para dar espaço aos dramas da família frente a crise e o desemprego de Malik. 

Assistimos as transformações do personagem central ao passo que ele vai se aprofundando na obra de Springsteen. O figurino de todos em cena (cabelos cheios de laquê, cortes malucos e calças largas), não se altera, apenas o de Javed. Este que aliás fica cada vez mais fã de jeans, blusa branca e camiseta flanela. A direção de arte também é ótima em criar um 'final dos anos 80' com muita precisão.
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O destaque no filme fica para todos do elenco familiar do protagonista, e na certa os atores Kulvinder Ghir e Viveik Kalra são os que têm os melhores bate-bolas. A mãe do garoto, vivida por Meera Ganatra, também agrada bastante. Rob Brydon, ator que vive o pai de Matt, é outro que faz excelente perfomance.

A diretora,  Gurinder Chadha, foi a realizadora do também divertido Driblando O Destino, um dos longas de destaque do inicio de carreira da atriz Keira Knightley que exalta a força das meninas que gostam de futebol na Inglaterra, independente se são de famílias imigrantes ou inglesas. Aqui ela explora ao máximo todas as camadas da história e no faz repensar a complexidade que é crescer meio a tantas imposições e limitações.


Vá assistir de alma e peito aberto e pode ser que o filme lhe toque bastante. *A cópia assistida não trazia legendagem as canções e há um claro equivoco da distribuidora em não o fazer, pois a compreensão por completa da trama que trabalha com música depende muito dessas traduções. 

#Imperdível !

Avaliação: Quatro canções rumo a maturidade (4/5).

HOJE NOS CINEMAS

See Ya!

B-

Midsommar – O Mal não Espera a Noite, de Ari Aster


O Mal não Espera a Noite é um título brasileiro que lembra como chegavam ao país grandes filmes da fase clássica de Hollywood, especialmente os faroestes e as tramas policiais. O faroste The Wild Bunch, de Sam Peckinpah realmente é sobre um “bando (de) selvagen(s)” e I Confess, de Alfred Hitchcock, aproveita um ótimo trocadilho para um padre que é pressionado a confessar um crime que não cometeu. Mas convenhamos que O Ódio Será Tua Herança traduz muito bem a violência e descrença que Peckinpah leva para o gênero que já vinha sendo revisado; e A Tortura do Silêncio traz o peso da escolha do padre e a retidão de sua moral. Às vezes um título não é apenas um resumo da trama do filme, mas uma chave de entendimento do que está dentro da tela.

O mal não espera a noite. É o solstício de verão no hemisfério norte e o sol na Suécia brilha por quase 20 horas por dia. É curioso que este ano outro filme tenha escolhido mostrar o fim do mundo na claridade solar. Em Os Mortos não Morrem, de Jim Jarmush, a Terra parou de rodar em seu eixo e grande parte do filme acontece sob uma luz crepuscular muito bonita, mas a anomalia acaba despertando os mortos e uma horda de zumbis ataca a pacata cidade no interior dos Estados Unidos. Já não há mais necessidade da escuridão que nos engole para mostrar seus horrores. Está tudo por aqui mesmo.

Se escolhermos acreditar num inconsciente coletivo – e sempre escolho, quase que encarando a vida como uma fanfic de nós mesmos porque às vezes é o que parece –, surge uma metáfora fácil, mas convincente. Há 10 anos, acreditava serem preguiçosos os filmes que usavam vilões nazistas porque, bom, o mais vilão que alguém pode ser é usar uma suástica. Mas hoje em dia, não só dividimos o espaço público com nazistas de verdade que fazem o que querem sem sentir vergonha alguma como ainda precisamos aprender todas as novas vertentes e subdivisões dessa palhaçada. Não precisamos entrar nas sarjetas sujas pra arranjar confusão. Tá tudo aí.


O novo filme de Ari Aster usa duas cenas para estabelecer toda a trama: um relacionamento em seu fim e uma viagem para a Suécia, incentivo de toda a ansiedade. Dani (Florence Pugh) consegue notar em cada resposta pelo telefone que Chris (Jack Reynor) já não a ama mais. Ele reclama há um ano com os amigos de como tudo está péssimo, mas sabe que ainda gosta dela e sente que precisa dar o apoio que ela precisa para seguir. Afinal, a irmã de Dani é bipolar, ela mesma lida com suas questões de saúde mental e, sinceramente, às vezes é difícil levar mesmo. Um trauma familiar deixa Dani ainda mais vulnerável, mas Chris já tinha comprado a passagem pra Suécia. Os primeiros 20 minutos de filme te fazem revirar na cadeira porque existe um clima em cada compartimento, há também um desconforto palpável, mas não o exorcismo que exclua aquilo dali. Afinal não tem Satã na sala, como era em Hereditário. O Inferno são os outros.






Dani, Chris e seus amigos antropólogos desembarcam na Suécia para conhecer a vila onde Pelle (Vilhelm Blomgren) nasceu: uma comunidade isolada que mantém seus próprios ritos, sendo o principal uma festa de nove dias a partir do solstício de verão. É um misto de visita amistosa e etnografia, afinal Josh (William Jackson Harper, excepcionável em seu papel de Chidi Anagonye dramático) vai com a intenção de escrever sua tese sobre o povo de Pelle. Assim como os personagens, somos recebidos na vila através de um portal, material e metafórico, onde nada externo consegue interferir. Se Dani tem uma bad trip com os cogumelos que ganharam ao chegar no destino, a câmera de Aster faz o que pode para demarcar que também está adentrando a magia. Começando com esta de cabeça pra baixo pela estrada até a tentativa de deformar os espaços para mimetizar o efeito dos psicoativos (meio Medo e Delírio em Las Vegas). É tanta coisa acontecendo que às vezes Aster pesa a mão. Mas deixa muito clara a tentativa de construir um mundo particular que funcione a seu próprio modo. 

Acompanhamos toda a festa da tribo sueca sem que nada além do estabelecido nas cenas nos EUA seja material narrativo. Com exceção do casal protagonista, com seu drama particular, não sabemos muito sobre os personagens. Pelle acaba performando o papel de guia para seus amigos – e para o espectador – enquanto Josh toma notas para seu estudo e Mark (Will Poulter) age como o garoto mal-educado por onde passa. Os conflitos entre personagens apresentados a partir dali são mais pistas falsas e tentativas de criar um clima que sustente nossa jornada pelos nove dias de festa e mais de duas horas de filme.

Fica evidente, portanto, que o diretor tem um plano visual para pôr em prática. Aster cria um povo e uma mitologia para conseguir mostrar como quiser e achar conveniente. A câmera transita pelo espaço, mostra de longe, mostra por muito tempo, elabora ligações, faz escolhas e muitas vezes tudo parece lindo na tela, mas talvez fosse feio na vida real, ou só muito pouco prático. Ele se põe quase como um etnógrafo: não apenas registra, mas faz acontecer na carne de sua imagem. Dá vida mesmo. E dá vida porque sabe que é uma ficção. O personagem de Josh é um trunfo do filme ao inverter essa relação antropológica. Aqui, o negro é o cientista que chega com o olhar analítico. Cansados de ver “holocaustos canibais” e afins sobre os povos indígenas das Américas ou as caricaturas de povos ingênuos em África, O Mal Não Espera a Noite traz um ritual tão absurdo quanto e branco como nunca. Não só branco, sueco!


Mesmo com essas subversões de significados estabelecido, a película se isenta de dar alguma das partes como certa. Se em Hereditário, Toni Collette tem seus defeitos, ela tem todo o direito de surtar, afinal seu trauma é literalmente um dos maiores que alguém precisa carregar. Mas aqui Josh tem seu olhar mesquinho neocolonizador com o maior respeito do mundo. Chris vacila com Dani, mas ela tá contando cada um desses vacilos num caderninho mental. E quando os suecos começam a mostrar que sua festa é perigosa, a gente compra que “é cultural”.






Ari Aster sabia onde gostaria de chegar e usa seu trabalho para esculpir as imagens que precisa. Claro que nem tudo funciona tão bem quanto o conceito pede, e o ritmo é o que mais sofre nesse processo. A segunda metade da festa se arrasta e precisa recorrer às armadilhas do gênero para dar um novo fôlego. O terror acaba servindo como justificativa para a trama que se compõe de bizarrices e rituais, mas Aster brilha mesmo é ao nos torturar de ansiedade com sua câmera cínica. 

O Mal Não Espera a Noite pode ser visto como um filme ansioso e, por isso, funciona muito melhor na primeira metade. O clímax final é trabalhado com esmero e vê-se que o longa existe para ser belo em sua violência. Quando não estamos em um desses polos, não funciona tão bem. Mas a tentativa coesa de criar um mundo próprio através de suas imagens é válida e muito bem-sucedida. Ari Aster tem um futuro brilhante pela frente, mesmo que para isso precise abandonar a trama de horror, encontrando, desse modo, uma coesão entre seus próprios talentos e interesses e as necessidades de sua câmera.
Trailer

Ficha Técnica

Título Original e Ano: Midsommar, 2019. Direção e Roteiro: Ari Aster. Elenco: Florence Pucg, Jack Raynor, William Jackson Harper, Vilhelm Blomgren, Will Poulter, Ellora Torchia, Archie Madkwe, Henrik Norlén, Gunnel Fred, Isabelle Grill, Agnes Westerland Rase, Julian Ragnarsson. Gênero: Drama, Terror, Mistério. Nacionalidade: Eua, Suécia e Hungria. Trilha Sonora Original: The Haxan Cload. Fotografia: Parwel Pogorzelski. Edição: Lucian Johnston. Direção de Arte: Csaba Lodi, Richard T. Olson, Nille Svensson e Eszter Takács. Figurino: Andrea Flesch. Distribuidora: Paris Filmes. Duração: 02h27min.

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