Existe no Brasil um nicho espírita no mercado cinematográfico que produziu filmes como Nosso Lar, as biografias Chico Xavier e Kardec, O Filme dos Espíritos (ler comentários aqui), entre muitos outros. Divaldo – O Mensageiro da Paz é mais uma biografia de uma figura importante para o meio kardecista brasileiro, Divaldo Pereira Franco, médium, escritor e filantropo com status de celebridade.
O filme nasce, então, com uma responsabilidade. Não só a de retratar a história de um homem ainda vivo, mas de um homem de fé. Desafio este que conta a trajetória de alguém com uma obra impressionante girando em torno de ensinamentos religiosos onde as nuances e falhas se estendem não só ao personagem representado, mas também à própria fé e sua profissão. Desse modo, filmes sobre figuras religiosas, míticas ou de carne e osso, tendem a seguir dois caminhos rígidos: Ou o de beatificação do retratado, ou o de escárnio herético (ou pelo menos visto como heresia por quem segue a religião).
Por todo o filme, Divaldo (é interpretado por três atores em diferentes fases da vida: João Bravo, Ghilherme Lobo e Bruno Garcia) é orientado pelo espírito de Joanna de Ângelis (Regiane Alves), então qualquer possibilidade de desvio do personagem é logo podado por sua guia espiritual. Assim, as contradições humanas que dariam mais profundidade aos personagens são pouco exploradas. Os maiores conflitos da trama se dão no campo espiritual. Os espíritos pontuam toda a narrativa, desde de Joanna até o grande vilão – o espírito de um padre (Marcos Veras) que cobra uma dívida de outras vidas de Divaldo e tenta destruí-lo por isso –, passando por provas de amadurecimento do médium e alívios cômicos.
O humor, aliás, é o ponto alto do filme. Sem a possibilidade de humanizar alguém que fala em nome dos espíritos, e, em consequência, repassa ensinamentos do próprio Cristo, o diretor e roteirista Clovis Mello humaniza sua obra ao deixá-la menos pomposa e mais leve. Divaldo tem momentos de humor muito mais bem encaixados do que muitos blockbuster e abraça a simplicidade para repassar os princípios do espiritismo de maneira clara e direta. O filme nunca finge ser imparcial sobre sua missão, mas também sabe que não possui a verdade absoluta. No início, critica-se a rigidez com que a Igreja Católica trata seus fiéis (um dos motivos para Divaldo encontrar o espiritismo), mas redime o padre algumas cenas depois. O braço-direito de Divaldo, Nilson (que é vivido na primeira fase por Bruno Suzano), comenta com algum preconceito que achava que o espiritismo era “bater tambor” numa clara alusão a religião de matrizes africanas e o próprio médium diz que não haveria nenhum problema com isso, caso fosse.
Tudo acaba sendo dito em Divaldo. A palavra falada é o meio de transmissão do conhecimento espírita. Uma das primeiras professoras de Divaldo na doutrina espírita é analfabeta. O filme, então, abraça a transmissão oral e descobrimos os personagens, seus passados e desejos, por meio dos diálogos. Joanna de Ângelis explica ao protagonista quais serão seus próximos passos, Divaldo explica aos encarnados o poder do amor. Isso não deixa de ser uma fraqueza na construção do roteiro, mas deixa mais evidentes e honestas as intenções do filme.
A honestidade que transparece é mais um ponto que o distancia da pompa religiosa citada anteriormente. Apesar do início corrido e ilustrativo, o filme vai fincando pés no chão para contar sua história, é quase como se amadurecesse junto com seu protagonista.
Divaldo – O Mensageiro da Paz é um filme que sofre com os perigos das cinebiografias, especialmente as religiosas, mas desperta um afeto muito particular com sua sinceridade, humor e ótimo desempenho do elenco.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Divaldo - O Mensageiro da Paz, 2019. Direção e Roteiro: Clovis Mello. Roteiro de desenvolvimento: Rosália Figueirêdo, Glauber Paiva Filho e Osiel Neto. Elenco: Bruno Garcia, Regiane Alves, Ghilherme Lobo, Laila Garin, Marcos Veras, Caco Monteiro, Bruno Suzano, Ana Cecília Costa, Osvaldo Mil, Álamo Facó, Divaldo Franco, Alice Guêga, Caio Brandão, Nayana Rodrigues, Talita Coling, Vittor Fernando, Gabriela Nery. Gênero: Biografia, Drama. Nacionalidade: Brasil. Música original: Hilton Raw. Supervisão de som e mixagem: Rodrigo Ferrante. Som direto: Ricardo Cadilla. Direção de fotografia: Jean Benoît Crepon. Direção de arte: Claudia Terçarolli. Figurinos: Karla Monteiro. Caracterização: Rose Verçosa. Montagem: João Branco. Produção de elenco: Marcela Altberg. Produção: Raul Doria e Sidney Girão. Produção executiva: Isabela Veras e Luciane Toffoli. Distribuição: Fox Film do Brasil.
12 de Setembro nos Cinemas
Um comentário:
Muito legal, com certeza vou assistir!
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