It - Capítulo 2 vem pra consolidar e expandir a mitologia em volta do palhaço Pennyise (Skargard). A ameaça da Coisa está de volta depois de 27 anos, assim como Ben (Jeremy Ray Taylor aos 13, Jay Ryan aos 40) havia descoberto, nos anos 80, que acontecia com os casos misteriosos na região de Derry. Mike (Chosen Jacobs/Isaiah Mustafa) é o único que continuou na cidade e se dedicou a lembrar e estudar o palhaço que aterrorizou sua infância. Assim, ele reúne o Clube dos Perdedores pra cumprir a promessa de destruir a ameaça que os traumatizou. Tudo isso é prometido no primeiro filme (leia resenha aqui) e passamos quase meia hora para ver esse encontro e suas motivações acontecerem.
Depois do grupo reunido, o filme começa a brincar com seus verdadeiros temas: o terror do cotidiano, o poder de um trauma, a tendência a continuar um ciclo vicioso de violências. O filme em si funciona como ciclo repetindo a ameaça do primeiro que se alimenta de seus medos e os usa para atingir os personagens onde mais dói. Todos voltam para Derry mudados e bem-sucedidos, mas a base de suas personalidades segue os mesmos vícios – a ansiedade, as máscaras, os mecanismos de defesa social –, como pode ser visto em Beverly (Sophia Lillis/Jessica Chastain) e seu histórico de abuso e até mesmo em Eddie (Jack Dylan Grazer/James Ransone), dessa vez por um lado cômico.
Mas uma vez que essa violência perpetuada e intensificada pela Coisa exige que todos os personagens encarem seus traumas, o filme precisa construí-los. Para isso, usa de dois artifícios, sendo o primeiro a memória que bloqueia os momentos ruins; e o segundo o preconceito da interiorana Derry. O Clube dos Perdedores, como o nome já diz, é a união dos que sofriam bullying na escola. A franquia coloca tudo no mesmo balaio e iguala vários tipos de discriminação que acontecem com cada um deles. Enquanto Beverly apanha do pai e a casa de Mike é incendiada por um crime de ódio, Bill (Jaeden Martell/James McAvoy) é apenas um garoto gago.
Claramente, a mensagem do filme se dá numa tentativa de apontar como prejudicial qualquer tipo de discriminação e a comparação de 'quem sofreu mais' não leva a lugar nenhum. Mas para isso, a sequência de It precisaria arquitetar cada um de seus personagens a partir de suas características próprias e também elaborar cenas que ecoassem a natureza de seus traumas. Em vez disso, assistimos a cada um deles revivendo cenas da infância que até nos dão informações adicionais para trama, mas funcionam da mesma maneira. Sustos pré-programados, jump scares, uma música que te leva aonde precisa chegar.
Mike é o último a ter sua cena de retrospectiva, a mais grave e mesmo assim a mais curta. O longa começa com um crime de ódio homofóbico, mas trata o incêndio cometido por racistas que o deixou órfão como apenas como proposta imagética em volta do fogo para os pesadelos dele. Fica por isso mesmo. Tanto no primeiro filme quanto nesse, Mike se torna apenas um motor para a trama, sendo um anexo até mesmo dentro dos Perdedores. Nesse filme, no entanto, ele acaba sendo a pessoa que traz todos de volta e estuda tudo em volta do palhaço. É um personagem quase místico que pouco cresce sozinho, mais um mecanismo do roteiro do que personagem independente. Não é que Mike não apresente anseios ou traços de personalidade, mas eles não funcionam por si mesmos como com os outros personagens.
Richie (Finn Wolfhard/Bill Hader), mesmo sendo um dos que possui mais destaque, também não é levado até o fim, funcionando quase que exclusivamente como alívio cômico. É apresentada uma indicação de homossexualidade do personagem que nunca é mais do que sugerida. Acontece que em It capítulo 2, nada se concebe como palpite e uma sugestão é suficiente para informar o expectador. Andy Muschietti não constrói sensações ou ambiências que te levam ao susto e ao medo através do ritmo ou significado de suas imagens para nós ou para as personagens, ele usa apenas o que está sendo visto como indicações para que entendamos que aquilo daria medo caso estivéssemos ali. Mas não estamos. Um exemplo de tentativa do diretor é a cena no manicômio em que Bowers (Nicholas Hamilton/Teach Grant) está preso. Vemos o balão de Pennywise que guia a cena, mas quando ele aparece debaixo da cama não tem outra coisa a se pensar a não ser que ele vai estourar para revelar um monstro.
A dificuldade de elaboração de sensações palpáveis por parte do diretor não seria tanto problema caso o roteiro funcionasse melhor. No primeiro filme, é divertido ver as aventuras das crianças e sentimos uma angústia maior talvez por sentir que alguém daquela idade não conseguiria se defender. Estamos conhecendo os personagens e existe um clima adolescente com direito a romance e amadurecimento. No entanto. a estrutura do roteiro na continuação não é tão bem elaborada, perdendo tempo com as cenas das memórias de cada um para logo pular para a ameaça final. Apesar de longo, assistimos muito rápido os personagens arquitetarem seus planos e, quando isto se dá, os diálogos quebram as pausas e aparecem de forma explicita.
Apesar de tudo, o final é empolgante e deixa clara uma tentativa de analogia de Pennywise como medo em sua forma pura. Não é apenas um vilão que gosta de atrocidades, mas uma personificação de nossos piores lados. O fato de parecer uma paródia em alguns momentos, principalmente nos cômicos, talvez indique que It Capítulo 2 não se leva tão a sério, mas não dá pra negar que reproduz e incentiva os mesmos vícios de linguagem da última década hollywoodiana.
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Ficha Técnica
Título original e ano: It: Chapter II, 2019. Direção: Andres Muschietti. Roteiro: Gary Dauberman - baseado na obra de Stephen King. Elenco: Jessica Chastain, Bill Hader, James McAvoy,, Isaiah Mustafa, Jay Ryan, James Ransone, Andy Bean, Bill Skarsgård, Jaeden Martell, Chosen Jacobs, David Katzenberg, Edie Inksetter, Finn Wolfhard, Geoffrey Pounsett, Jack Dylan Grazer, Jackson Robert Scott, Javier Botet, Jeremy Ray Taylor, Logan Thompson, Megan Charpentier, Nicholas Hamilton, Owen Teague, Sophia Lillis, Stephen Bogaert, Wyatt Oleff, Teach Grant, Xavier Dolan, Stephen King. Nacionalidade: Eua. Gênero: Terror, suspense. Trilha Sonora Original: Benjamin Wallfisch. Fotografia: Checco Varese. Edição: Jason Ballantine. Direção de arte: Nigel Churcher. Distribuição: Warner Bros Pictures. Duração: 02h50min.
Hoje nos cinemas.
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