quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Carcereiros - O Filme l Entrevista com os atores Jackson Antunes e Rainer Cadete e o roteirista Fernando Bonassi



Famosa série da Rede Globo livremente baseada no livro homônimo de Dráuzio Varela, Carcereiros leva o sucesso da TV para as telas de cinema. Seguindo com a direção de José Eduardo Belmonte e alguns dos personagens como o agente penitenciário Adriano (Rodrigo Lombardi), protagonista dessa história paralela à trama principal da série. 

No filme, a chegada de um acusado de terrorismo internacional, Abdel (Kaysar Dadour), para um pernoite no presídio gera tensões que os carcereiros precisam enfrentar como podem antes que saiam do controle. Na última quinta-feira(21), conversamos com os atores Jackson Antunes e Rainer Cadete e com o roteirista Fernando Bonassi sobre o filme (leia crítica aqui).

O diretor Jose Eduardo Belmonte e o ator Rodrigo Lombardi durante as filmagens

Wanna Be Nerd: Fernando Bonassi, como é a relação dos roteiristas com a obra original do Drauzio Varella? Existiu diferença no método de criar uma narrativa ficcional na série e no filme?


Fernando Bonassi: Bom, a minha relação com o Drauzio Varella é muito antiga, eu adaptei o Carandiru pro cinema com a direção do Hector Babenco. Eu sou um dos co-roteiristas do filme do Hector. Eu conheço o Drauzio há mais de 20 anos, a gente mora um de frente pro outro. A literatura do Drauzio é como se fosse um grande mosaico. Você só entende como é feita quando chega perto, um pedacinho de cada cor. Não há um Adriano, esse personagem não existe no livro; o que existe no livro é um monte de coisinha de vários carcereiros com as quais a gente fez o Adriano. O personagem do Drauzio é sempre coletivo, são várias pessoas pra você entender como é aquela profissão. Então o que a gente fez foi um “Frankeinstein” de pedacinhos do material que o Drauzio traz. 


Quanto à série e ao filme, escrevemos à quatro mãos. Marçal Aquino, Dennison Ramalho, Marcelo Starobinas – além de mim, Fernando Bonassi. O que acontece num seriado de TV com 40 minutos de dramaturgia: você não consegue fazer muitas voltas. Você apresenta o personagem e a situação, e a gente gosta de enganar o espectador, então eu vou apresentar uma coisa até os 20 minutos e depois romper com a sua expectativa. Faz bem na série, que tem um caso do dia e os personagens. No caso do longa a gente tinha a condição de botar mais uma virada. Haviam histórias que só num longa-metragem pra contar. Queríamos falar de um crime mais moderno, coisas que não cabiam no tempo da série.


WBN: Jackson Antunes e Rainer Cadete, vocês acompanhavam a série? Qual foi a reação com o convite de integrar esse universo?


Jackson Antunes: Eu acompanhei a série toda e adorava. Estava sonhando com o dia que alguém fosse me chamar para fazer uma participação. Lembro da chamada, com a narração do Rodrigo, achava impactante. E então aconteceu e me chamaram para participar do filme.


Rainer Cadete: Muito feliz também. Eu quero trabalhar com o Zé (José Eduardo Belmonte) desde 2006 quando eu vi A Concepção no Festival de Cinema de Brasília. Um filmaço. E que não tem nada a ver com Carcereiros, pra você ver a extensão desse diretor. E é meu conterrâneo, já fiz cursos de cinema com ele. Já tava querendo trabalhar com ele até que surgiu esse convite. Eu também era fã da série, já tinha lido o livro, e é um tema que eu acho interessante falar sobre. Além de entreter e levantar esse debate saudável sobre essas pessoas que estão tão à margem. Que têm seu discurso sequestrado e que está ali num “depósito humano”, porque a cadeia não funciona pra “restaurar” as pessoas. Então valem essas perguntas. A gente não está aqui pra responder nada, mas pra levantar questões. E eu fico muito feliz de estar fazendo cinema no Brasil, acho que isso é uma resistência nesse momento político, social, econômico.

Os personagens de Lombardi e Kaisar interagem em cena do fime


WBN: Fernando, existiu algum processo de pesquisa específico pro filme ou vocês trabalharam com o que já tinha pronto para série?


FB: No início, há vinte anos [na produção de Carandiru], eu visitei muito a cadeia e continuei visitando, então tenho algum contato com o assunto. E o Marçal Aquino foi repórter policial no Estadão. Então, esse caldo de cultura a gente conhecia, a gente frequentou muito a cadeia, falamos muito com o Drazio, com detentos, policiais com quem a gente troca sempre. Então, no caso do filme, foi mais um tesão em fazer um filme de ação que incluísse uma criminalidade mais contemporânea, por exemplo, o terrorismo. A gente tinha a necessidade de tocar em assuntos que não tinham na série que estão tocando o Brasil.


WBN: E como vocês acham que o filme dialoga com questões de violência pública no Brasil? Ou é um filme que foca mais na questão do gênero cinematográfico? 


JA: Eu conheço uma pessoa que foi agredida pelo marido por 40 anos. Ia na delegacia, prestava queixa, fazia aquela medida protetiva... os trâmites legais. No dia que essa pessoa filmou com o celular, o homem foi preso. Olha o poder da imagem, o poder do cinema. Tudo fica mais forte com imagens.


WBN: Elenco, existe alguma diferença na preparação para a cena num filme de ação ou num drama, por exemplo? Como o diretor José Eduardo Belmonte trabalhou com vocês na pré e durante o filme?


RC: Pra mim, a preparação não depende de gênero nem de plataforma. Depende da história do personagem e como ela me atravessa. De que forma eu vou contar aquela história. Então independente de teatro, cinema, série eu quero entender a psicologia daquele personagem, qual mensagem ele quer passar, em nome de quantas pessoas eu tô falando. Será que eu consigo encontrar esse personagem no mundo? Eu vou atrás dele e acabo encontrando, nem que sejam fragmentos. E com o Zé, a gente fez o filme em duas semanas, foi uma coisa bem atípica. Mas apesar de muita bomba, tiroteio, confusão que o filme mostra, foi com muito afeto, muito respeito. Todo mundo com muita vontade de fazer aquilo ali. Foi um processo natural. Por exemplo, com o meu personagem, o Príncipe, eu imaginei como se não tivesse ido às aulas de teatro na Samambaia e fosse para a frente da minha casa e me envolvesse com o tráfico.


WBN: O filme possui muitos personagens que se dividem em vários grupos de interesses (um pouco como funciona a cadeia segundo a descrição de Adriano no início do filme). Como foi a construção desses vários núcleos no roteiro e pro elenco? O elenco se encontrou para discutir essas relações antes do filme ou cada um criou seu universo com o diretor?


RC: A gente [apontando para JA] não se encontrou em cena nem na preparação. Eu tive um dia de leitura e um dia de preparação com o núcleo dos bandidos. Tinha o Kaysar, as duas facções, então a gente criou uma série de jogos de improviso para se conhecer, criar intimidade e entender qual era a hierarquia dos personagens, o que motivava cada um. Então ficamos algumas horas mergulhando no tema, ganhando horas de voo, para quando chegar no “ação” a gente vivenciar. Teve um momento muito interessante em que o Belmonte me jogou dentro da cela superlotada e mandou a galera que tava lá ficar me desafiando. Então ele me falou: “quando você se sentir pronto, você vem aqui pra grade e faz a sua cena”. Eu fiquei transtornado, fui e fiz e ele disse que gostou.


FB: Eu só queria complementar, do ponto de vista do roteiro, que qualquer filme honesto sobre cadeia deveria contemplar essas coisas. A cadeia é um reflexo da sociedade. Tem o miserável, tem o racista, tem a elite, tem o corrupto, tem o terrorista. A sociedade brasileira está refletida, de um modo meio deformado, na cadeia. Da burguesia que come lagosta ao cara que lambe a bota pra poder subir. O Brasil tá retratado ali.

Kaysar Dadour faz sua estrela na telona e em grande estilo

WBN: Esse foi um ano muito forte para o cinema de gênero no Brasil. A gente teve Bacurau, um faroeste; A Vida Invisível, um melodrama; o Dennison [co-roteirista de Carcereiros] dirigiu um terror, Morto Não Fala. Como vocês encaram o levante do filme de gênero no cinema brasileiro em 2019? E qual a relação de vocês com o cinema de gênero?


JA: É importante pra mim porque já fiz terror, fiz suspense. Teve ano que fiz oito longas, mas também fiz filme com o celular. O filme que fiz com o celular ganhou prêmio em Paris. Era sobre um pescador que se afogava o tempo inteiro, ele tentava conseguir sua comida e se afogava. Uma asfixia terrível. Então acho o cinema de gênero maravilhoso. E acho que o gênero tem a ver com o enquadramento. No filme Carcereiros, o momento mais tranquilo é o encontro do meu personagem com o personagem do Dan Stulbach. Mas o que tranquiliza é o enquadramento, é um perfil deles se olhando. E [no resto do filme] a câmera não tem tripé, ela acompanha tudo. Sempre se movimentando, alguns pontos de vista.


Durante muito tempo eu sofri porque o cara chegava e falava: “Jackson você vai entrar e vai sofrer um infarto”. “Mas você vai me filmar em um quadro aberto? Eu vou morrer num quadro aberto? Ninguém vai acreditar em você, nem em mim”. Então o enquadramento muda o gênero de um filme. E o Belmonte usa isso muito bem.


FB: Para falar de gênero, a mesma coisa se aplica ao que eu falei sobre como a cadeia reflete a sociedade. Há muitas pessoas diferentes convivendo ao mesmo tempo, não dá pra fazer um filme só pra todo mundo. Isso é uma ilusão hollywoodiana que não existe. E é uma ilusão do Cinema Novo de certa maneira. A gente ficou preso a certos vícios, uma certa demonização do gênero, como se os filmes de gênero fossem menos inteligentes. Isso é uma tolice. Assim como a literatura tem uma série de recursos que você pode utilizar, o cinema também tem uma paisagem que é um recurso visual, por exemplo. 
Tema do filme '' Justiça e Liberdade'' por Felipe Ret

Essa coisa do gênero na verdade é resultado de uma complexidade maior da sociedade brasileira, na minha opinião. E que não tinha atingido o cinema [brasileiro] antes; que ficava preso num cinema de esquerda de arte pessoal, ou na tolice para ganhar dinheiro. E tem um monte de coisa no meio do caminho. Eu acho que a gente chegou num resultado muito bom de uma trama inteligente com um acabamento incrível. Isso é muito raro no cinema brasileiro. 


A gente não tá defendendo nenhuma ideia, a gente tá falando da sociedade brasileira num filme de ação. Não tem mais do que isso. Agora fazer isso competentemente… eu gosto muito do resultado. O filme conversa com as pessoas. E o mais legal que me acontece nas sessões é que o cara que vem falar com a gente depois das sessões não é o jornalista, é o câmera. Isso quer dizer que o filme é popular, atinge as pessoas independente das concepções intelectuais de cada um.


Com Rodrigo Lombardi, Kaysar Dadour e Rafael Portugal, #CarcereirosOFilme estreia dia 28 de novembro somente nos cinemas.

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