Sabe aquele meme que teve origem no twitter quando Roberta Miranda afirmou que “olhava para o teclado e não sabia o que dizer, apenas sentir”? É assim que me sinto após terminar a leitura de “Kindred – Laços de Sangue” de Octavia Butler (ver aqui), publicado no Brasil pela editora Morro Branco.
Octavia Estelle Butler nasceu em Junho de 1947 em Pasadena, na California. Sua mãe trabalhava como doméstica e ver a hostilidade com que ela era tratada por seus patrões brancos, despertou em Butler consciência da forte segregação racial que assola a sociedade. Octavia era tímida e sofria de dislexia, o que fazia dela um alvo fácil para bullies. Foi então que a jovem começou a se refugiar na biblioteca da cidade e se apaixonou por revistas de ficção cientifica. Butler vendeu suas primeiras histórias nos anos 70, quebrando barreiras em um gênero tão dominado por homens. Vencedora de diversos prêmios importantes, em 1995 ela se tornou a primeira escritora de ficção científica a ganhar o prestigiado “MacArthur Grant”.
Kindred não é um livro tão grande. Sua linguagem não é rebuscada e os olhos saltam de uma página para outra com facilidade. Porém, apesar de ser, em termos práticos, uma leitura fácil é, paradoxalmente, extremamente angustiante. E doloroso.
A história nos apresenta a Dana, uma escritora negra do ano de 1976. Um dia, ela sente uma tontura muito forte e se vê transportada para um rio, onde uma criança se afoga. Ela consegue salvar o menino, mas a atitude dos pais da criança para com ela não é nada menos que hostil. Assustada, ela volta para casa, onde encontra o marido confuso com o fato de que ela estava em um cômodo da casa e segundos depois apareceu em outro canto e toda molhada. Pouco tempo depois, acontece de novo. Não demora muito para que Dana perceba que não está mais no século XX, mas nos Estados Unidos pré- guerra civil. Dana vê seu destino entrelaçado a do filho de um senhor de escravos e precisa agora de alguma forma tentar sobreviver aos horrores do regime escravocrata.
Meu conhecimento sobre história é limitado, porém a descrição de Butler dos costumes da época soam bastante realistas. Fica clara a extensa pesquisa que a autora fez para trazer autenticidade à história. A exposição da condição sub-humana dos negros na época, seus anseios por liberdade em meio aos maus tratos que vivenciam é de revirar o estomago. Dói ser lembrado que a história foi construída com o derramar de sangue e o flagelo de tantas pessoas. Dói ainda mais a realização de que as marcas da escravidão perduram; é uma ferida que continua aberta. A escravidão acabou, mas o racismo permanece vivo e pulsante, ainda subjugando milhões de pessoas. Usando o elemento de viagem no tempo apenas como pano de fundo, o livro escancara a violência de nossa história e clama para que aprendamos com os erros do passado.
Alguns outros temas permeiam a narrativa de Kindred. É uma história muito rica, cheia de nuances. As dinâmicas entre os personagens se mostram extremamente complexas. Principalmente a relação entre os protagonistas. É algo tóxico, que acaba se tornando mais uma forma de prisão para Dana. Quanto mais Rufus cresce, mas um senhor de escravos cruel e inescrupuloso ele se torna. Porém, ainda existe nele um amor por aqueles com quem ele cresceu. Mas é um amor codependente, que permeia o controle. Assim, sendo destinada a ser a salvadora de Rufus, Dana passa a nutrir sentimentos conflitantes ao jovem. São sentimentos que transpõem da personagem ao leitor. É fácil odiar Rufus, porém Butler não permite que ele se torne um arquétipo de vilão, nos desafiando a sentir algum tipo de empatia. Mas ela também não perdoa as atitudes daquele, se recusando a justificá-las. Seria possível para Dana salvar sua alma? Até que ponto alguém é fruto do seu meio, ou apensas genuinamente mal? As provocações que os livro trás são inúmeras.
“Kindred” é uma leitura marcante e necessária. Principalmente em uma época onde o racismo, neonazismo, fascismo, misoginia etc. se levantam como “questão de opinião”; “eu sou conservador”, eles argumentam e nos arrastam de volta a opressão do passado. Basta! A obra de Octavia E Butler nos adverte da necessidade de lutar para que a história não se repita.
Ficha Técnica
ISBN: 9788592795207
Páginas: 448 páginas
Peso: 590 gramas
País: Estados Unidos
Autor: Octavia E. Butler
Gêneros: Ficção Científica
Tradução: Carolina Caires Coelho
Ficha Técnica
ISBN: 9788592795207
Páginas: 448 páginas
Peso: 590 gramas
País: Estados Unidos
Autor: Octavia E. Butler
Gêneros: Ficção Científica
Tradução: Carolina Caires Coelho
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