— Em tempos de disputas politicas, acirramentos ideológicos e desilusões sobre o mundo que construímos e a maneira como o fazemos, é comum um embate no campo narrativo. A ficção se mostra terreno de batalha em conjunto com a ''realidade'' dos jornais e relatos vividos por indivíduos de ambos - ou melhor dizendo, todos — os lados do espectro político.
A direita, até o início desta década que vemos terminar, se organizava num ambiente capitalista liberal pautada pelo avanço tecnológico e observando o levante de debates sobre opressões a grupos socialmente excluídos. Afinal, com a industrialização de países periféricos em alguns anos de calmaria econômica, o acesso de novos grupos sociais aos bens de consumo faz o mercado se moldar ao debate público mais recente.
A argumentação da direita liberal, portanto, funciona a partir do esvaziamento dos conceitos para a assimilação enquanto produto. Voltamos aos bens culturais: a Disney, dona de 80% das receitas nos cinemas norte-americanos em 2019 (link referencial), trabalha a representatividade em produções enormes como Pantera Negra e Frozen em territórios que cobram tal atitude, mas corta cenas de beijos entre pessoas do mesmo gênero em países intolerantes institucionalmente (link referencial).
Por outro lado, a extrema direita, agora já com os nomes e atitudes de grupos fascistas (link referencial), preocupa-se mais com a conservação de estruturas sociais do que com a manutenção de um sistema financeiro eficaz e que se molda aos hábitos de consumo. Se a estrutura é excludente, poucos se beneficiam dela e é necessária a força dos populares para que soe justa e verdadeira. Por isso, o fascismo trabalha com a desinformação para a criação de inimigos, aqueles que colocam em risco o establishment racista baseado no nacionalismo e nos privilégios.
Desse modo, nossa ''realidade'' de desmancha. Entre acusações contra a manipulação midiática - muitas vezes oriunda do processo de mercantilização liberal - fake, news gigantes e a desconfiança de descobertas científicas centenárias como o formato do planeta, nossa realidade se dá cada vez mais num mundo de disputas de narrativas. Guerras ideológicas sobre como o mundo deve ser entendido e experenciado.
Se Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é a busca clara e objetiva de uma esquerda intelectual brasileira em expurgar o ódio vingativo contra representações de um vilão estrangeiro, a personificação do mal colonial, O Caso de Richard Jewell, de Clint Eastwood, é sobre o herói norte-americano. Assim como Bacurau, não existe costrução de heróis ou vilões em Richard Jewell.
Eles nascem nessas condições, frutos das relações entre hegemônicos e periféricos em Bacurau, e da vontade pura em Richard Jewell. Apeasar da dicotomia entre sociabilidade e individualidade para a elaboração dos mocinhos entre os filmes, o brasileiro e o norte-americano convidam ao mesmo exercício de apego aos protagonistas. Os cidadãos de Bacurau são heróis em repouso e o vilão exige que entrem em atividade. Jewell já nasce herói e o vilão quer dizer que não: seu percalço é provar que o é.
Desse modo, nossa ''realidade'' de desmancha. Entre acusações contra a manipulação midiática - muitas vezes oriunda do processo de mercantilização liberal - fake, news gigantes e a desconfiança de descobertas científicas centenárias como o formato do planeta, nossa realidade se dá cada vez mais num mundo de disputas de narrativas. Guerras ideológicas sobre como o mundo deve ser entendido e experenciado.
Se Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é a busca clara e objetiva de uma esquerda intelectual brasileira em expurgar o ódio vingativo contra representações de um vilão estrangeiro, a personificação do mal colonial, O Caso de Richard Jewell, de Clint Eastwood, é sobre o herói norte-americano. Assim como Bacurau, não existe costrução de heróis ou vilões em Richard Jewell.
Eles nascem nessas condições, frutos das relações entre hegemônicos e periféricos em Bacurau, e da vontade pura em Richard Jewell. Apeasar da dicotomia entre sociabilidade e individualidade para a elaboração dos mocinhos entre os filmes, o brasileiro e o norte-americano convidam ao mesmo exercício de apego aos protagonistas. Os cidadãos de Bacurau são heróis em repouso e o vilão exige que entrem em atividade. Jewell já nasce herói e o vilão quer dizer que não: seu percalço é provar que o é.
Trailer
Baseado num evento real, o longa conta a história do segurança que encontra uma mochila estranha em um evento das Olímpiadas de Atlanta, em 1996. Aochamar a polícia e confirmar que eram explosivos, a equipe de segurança consegue iniciar o processo de evacuação, diminuindo o tamanho da tragédia e o número de mortos para apenas dois. Mas, ao analisar a postura e os traços de personalidade do homem, papel de Paul Walter House, o FBI passa a ter suspeitas sobre a autenticidade do chamado e ele passa a ser o principal suspeito do atentado.
Ao se voltar para uma história real, Eastwood deixa clara a intenção de apresentar uma verdade. Desde o inicio, a película deixa evidente a condição de vitima de Jewell e assume um papel de passar a limpo todo o acontecimento, fazendo justiça aos que sofreram no processo. O movimento do cineasta ao escolher um evento real para trabalhar essa disputa de narrativas aponta um caminhode combate às fake news, deixando clara a crença numa verdade objetiva que os heróis populares sentem necessidade de expor a todos.
O Caso de Richard Jewell é, portanto, um conto sobre a moral que guia aqueles de bom coração (por ser tão bom moço e ingênuo, Jewell é alvo de chacota pelo FBI e pela imprensa, os antagonistas do filme). Que tipo de ética está atrelada às atitudes perante as injustiças dos poderosos? Enquanto Bacurau funciona partir dos discursos que compõem nosso mundo - como quando compara o discurso dos estrangeiros com o da polícia ''Eu atirei porque podia ser uma arma'' - o filme de Eastwood acredita numa verdade a ser buscada apesar do mundo.E para guardar as verdades objetivas, possuímos apenas os heróis. Apenas aqueles que têm em sua moral o ímpeto de trazer tudo à tona.
O triunfo da vontade de Jewell de proteger sobre a manipulação da opinião públicas nos convida a reconhecermos a existência de um heroísmo estado-unidense. Mais que isso, nos clama para que não deixemos essas figuras morrerem. O personalismo da batalha de Jewell contra as injustiças deixa clara a ideologia do diretor, sem rodeios.
E este é um filme tão político quanto o nosso Bacurau, por exemplo. Ao escolher o drama, Eastwood entra na ficção pelo poder da história sobre todos nós, mas trabalha com seu material da maneira mais sóbria possível para que seu discurso esteja transparente. Em tempos em que a esquerda cobra uma postura combativa aos bens culturais e seus produtores, soa artificial criticar Clint por fazer o mesmo pelo partido republicano. Só precisamos partir do pressuposto de que ambas as obras citadas aqui são peças de propaganda: a simplicidade e clareza (de Richard e Clint, Kleber e Juliano) sendo a maior prova disso.
HOJE NOS CINEMAS
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