Maria e João - Conto das Bruxas, de Osgood Perkins


Os contos de fadas europeus, tendo os Irmãos Grimm como grandes expoentes, têm uma profícua história na cultura popular do século XIX até aqui. A fome e as doenças que acometiam grande parte das famílias, e que se instalavam nas crianças com mais facilidade, eram material fértil para histórias mágicas com personagens sombrios e encantados. Walt Disney teve um grande papel na reestruturação desses contos para o imaginário infantil, mas a riqueza de elementos fantásticos e a ausência de direitos sobre as obras originais facilitaram todo tipo de reencenação dessas histórias. O terror, com razão, soube se aproveitar desses universos que acolhiam elementos sobrenaturais tão bem.

Na versão de Osgood Perkins, a primeira mudança vem logo no título. A troca de ordem dos nomes, "Maria e João", deixa claro o protagonismo da garota em relação ao irmão. No filme de 2020, Maria (Sophia Lillis, a Beverly da franquia It) é uma adolescente que precisa cuidar do irmão João (o ótimo Samuel Leakey em seu primeiro papel no cinema), ainda uma criança, pela jornada na floresta. Depois da morte do pai, Maria precisa encontrar trabalho para ajudar em casa, mas logo percebe que ser criada em casa de nobres é um sinônimo de vulnerabilidade sexual. Sua mãe decide expulsá-los ao perceber que não haveria comida para todos nessa situação. Depois de alguns percalços e encontros com zumbis (isso mesmo), cogumelos mágicos e o Caçador (Charles Babalola), eles encontram a casa da bruxa Holda (Alice Krige) e a invadem quando percebem o banquete servido à mesa.

Ao contrário do perigo que se espera logo de cara do encontro entre Holda e as crianças, os três criam um sentimento de cumplicidade. O filme, então, foca-se na criação de uma aura de estranheza e mistério. Mais do que sustos, Perkins tenta trabalhar com a investigação de Maria sobre os acontecimentos estranhos na casa a partir de sua intuição afiada e desconfiança constantes.


Mas, infelizmente, o roteiro não acompanha as pretensões do diretor. Apesar de Maria ser uma personagem construída com firmeza e precisão desde o início do filme, sua jornada e os perigos que passa não fazem jus a tudo isso. Ao tentar desvendar os mistérios, o terror fica de lado. Mas os mistérios não são bons: são sempre óbvios e, mesmo assim, confusos por exigirem reações contraditórias de Maria para que a trama siga. Desse modo, sem o clima de descoberta que nos empolgue, a sensação de medo é forçada de volta à trama, mas sem muito sucesso — justamente por soar como tapa-buraco.

Perkins, então, joga suas fichas numa fotografia bem trabalhada e em enquadramentos requintados. A tentativa, aqui, parece ser a de uma ambientação visual para uma história já conhecida. Uma modernização temática — por reestruturar a bruxaria em filmes desse tipo e para esse público — e visual também ao se colocar como deleite visual "chic" para uma narrativa que não se sustenta sozinha. Tal performance é válida (Drive, de Nicolas Winding Refn, é um bom exemplo), mas apenas quando o visual possui algum pensamento sobre o cinema ou sobre o objeto retratado que se sobressaia, que funcione perto da perfeição. O filme de Perkins não consegue ir até o fim nessa missão. Assim como no roteiro que fica em cima do muro quanto ao terror e ao suspense, as imagens vão só até onde o público do tumblr as reconheceria. Talvez a culpa nem seja apenas dele, já que todos esses remendos soam como intromissões de estúdio em um filme adolescente, mas a realidade é que este é o filme que foi finalizado.


Maria e João - Conto das Bruxas é um filme que até diverte, de vez em quando assusta, e tem alguns momentos de deleite visual. Mas às vezes também aparenta uma falta de criatividade (de referências, na verdade) que enfraquece a pretensão de recontar a famosa história dos Irmãos Grimm. Ao tentar modernizá-la sem ir até o fim, tudo o que recebemos são boas atuações, enquadramentos com algumas sacadinhas e uma fotografia de papel de parede saído do Pinterest (ou seja, não é feio, mas também acaba sendo meio vazio).

Trailer

Ficha Técnica

Titulo original e ano: Gretel & Hansel, 2020. DireçãoOz Perkins. Elenco: Sophia LillisAlice KrigeJessica De GouwIan KennyCharles BabalolaSamuel LeakeyAbdul AlshareefBeatrix Perkins e Manuel Pombo. Nacionalidade: Canada, IrlandaEUA e Africa do Sul. Gênero:Terror, Fantasia, Adaptação. Fotografia: Galo Olivares. Trilha Sonora Original: Robin Coudert. Edição: Josh Ethier and Julia Wong. Distribuição: Imagem Filmes. Duração: 88 minutos

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Escrito por Marisa Arraes

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