Ao final de abril a rede de TV britânica BBC, em parceria com a plataforma estadounidense Hulu, lançaram a série 'Normal People' em seus players e não demorou sequer dois dias inteiros para a produção chegar ao topo dos trending topics de assuntos mais comentados nas redes sociais. Adaptada do livro homônimo da irlandesa Sally Rooney, obra lançada no Brasil ano passado pela editora Companhia das Letras (ver aqui), a série narra o encontro entre dois jovens irlandeses e a paixão que aflora desse encontro. Ela é Marianne Sheridan (Daisy Edgar-Jones), a menina inteligente e solitária que vive em uma baita mansão, e ele é Connell Waldron (Paul Mescal), o rapaz tímido que joga futebol, tira boas notas e é uma baita paisagem aos olhos. Os dois estão chegando ao fim do ensino médio e se conectam exatamente quando os dilemas da vida adulta estão por vir para tirá-los de suas zonas de conforto ou darem à eles a chance de se encontrarem.
A direção do show fica por conta de Lenny Abrahamson (O Quarto de Jack e Frank) e Hettie Macdonald (Doctor Who) e o roteiro vem a três canetas, a própria Sally, que é uma das produtoras da série, e também Mark O'Rowe e Alice Birch. Trazendo à tona dramas pessoais, romance, amizade, comunicação e n outros assuntos, Normal People merece muito o seu tempo. Ah, e prepare um caixa de lencinhos, okay?!
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e ano: Normal People, 2020. Direção: Lenny Abrahansom e Hettie Macdonald. Roteiro: Sally Rooney, Mark O'Rowe e Alice Birch. Elenco: Daisy Edgar-Jones, Paul Mescal, Desmond Eastwood, Sarah Greene, Aislín McGuckin, Frank Blake, India Mullen, Eliot Salt, Eanna Hardwicke, Sean Doyle, Fionn O'Shea, Niamh Lynch, Meadhbh Maxwell, Lean McNamara, Liz Fitzgibbon, Sebastian de Souza, Muiris Crowley, Lauryn Canny, Lancelot NCube. Gênero: Drama, Romance. Nacionalidade: Reino Unido. Fotografia: Suze Lavelle e Kate McCullough. Edição: Nathan Nugent e Stephen O'Connell. Direção de Arte: Irene O'Brien. Design de Produção: Lucy van Lonkhuyzen. Figurino: Lorna Marie Mugan. Cabelo e Maquiagem: Sonia Dolan, Sharon Doyle e Emma Moffat. Trilha Sorona: Stephen Rennicks. Produção: Element Pictures. Duração: 12 Episódios/30min. Streaming: BBC (Reino Unido), HULU (Estados Unidos), STARZPLAY (América Latina).
Este texto pode conter spoilers
As séries britânicas são conhecidas por serem curtas e não entregam tantos episódios, assim, Normal People (que em tradução literal significa 'Pessoas Normais') não se distancia muito dessa realidade e vem bem editadinha nos seus 12 episódios com duração de 30 minutinhos pelas mãos da dupla Nathan Nugent e Stephen O'Connell. Há uma clara mudança de tom pelo andar da produção e isso faz toda a diferença. Ela se inicia com a introdução da vida escolar dos protagonistas em seus últimos meses de 'ensino médio', digamos assim. Essa fase dura por três capitulos e dali seguimos para a vida nova já na faculdade e em outra cidade. Afinal, eles saem do interior de Dublin para a capital e assistimos gradualmente o crescimento de cada um deles na tela e também o enfrentamento de questões como depressão, ataques do pânico, traumas de infância, bullying, relações amorosas, e etc. Aliás, as situações postas ali fazem com que o público se identifique e sofra junto com esse casal tão complicado e apaixonante.
Vivida pela inglesa Daisy Edgar-Jones com muita delicadeza e solidez, Marianne é espevitada, sagaz e revida todo controle possível sobre sua vida, até mesmo o advindo de seus professores. E é assistindo isto de longe que Connell, papel do estreante Paul Mescal, fica encantado pela moça e tendo a chance de frequentar a casa dela, pois a mãe dele, vivida pela excelente Sarah Greene, é diarista por lá, inicia um tipo de amizade com a garota. Marianne não tem amigos. Inclusive, sofre bullying do grupo que anda com Connell e também das garotas que querem namorá-lo. Outro adendo as diferenças entre os dois é que se o rapaz tem uma boa relação com a mãe e estes levam uma vida simples, Marianne é o total oposto. Sua mãe, Denise, papel de Aislín McGuckin, tem uma postura fria e conservadora e fecha os olhos para as atitudes grotescas do filho Alan, performance forte do ator Frank Blake.
Mas a principio é a relação entre os dois jovens que ganha espaço na série e é Marianne quem dá o primeiro passo. Um dia, após a aula, ela diz na lata que está afim dele e o desconcerta. Isto porque o garoto teme que seu grupo de amigos não entenda a relação muito bem e, apesar de começar a ter sentimentos por ela, quer manter tudo no sigilo. Ela concorda e é, aliás, a mesma quem dá a idéia. Por certo tempo, tudo vai razoalvemente bem e até conversas sobre o futuro começam a rolar. Ela sugere à ele que tente 'Letras' na Trinity College, em Dublin, já que ele não se vê estudando para ser advogado e ela está confiante que irá para Dublin estudar Ciências Políticas. A relação do dois, porém, sofre um abalo cismico já que o baile de formatura vai se aproximando e o fim das aulas também, o que não parece mudar é a vontade de Connell de permanecer vendo a garota em segredo, mesmo após uma noitada na balada onde percebe o mulherão que ela é.
O desabrochar de Marianne na balada
Claro, alguém sai ferido desse primeiro contato e quando eles voltam a se encontrar novamente estão em outro universo: o da faculdade. Ali, o jogo vira. É Marianne quem parece se dar melhor e ser mais sociável. Até namorado popular ela tem, mas fica baqueada ao reencontrar Connell e é ao tentarem se perdoar pelo passado que começam a construir um futuro. Se permitem ficar juntos de novo, tentam ser amigos, mas há ainda muito a se resolver. Ela com os traumas familiares e ele com a falta de equilíbrio para tomar decisões e criar uma voz para si mesmo, além das questões sociais que envolvem dinheiro e status.
Quando o arco dela caminha para entendermos as violências que ela se deixa sofrer - namorados e familiares abusivos - o de Connell desvia para a terapia. Isto se deve pela pouca confiança que o rapaz encontra nessa fase de transição, pelo pouco tato em se deixar ter intimidade em público com a amada e ainda pela perda brusca de amigos queridos que o fazem perceber estar deprimido. Ao desenrolar do tempo, fica evidente que mesmo que ambos estejam em outros casos amorosos, eles precisam do laço que se formou entre eles e, estando longe ou perto, é essa relação de amizade que os conforta em momentos difíceis e que sempre os deixarão unidos.
Sarah Greene e Desmond Eastwood entregam performances distintas e espetaculares
Normal People foi filmada ano passado e chegou para nós em um momento de dificuldade extrema. Ainda assim, a série tem o poder de nos fazer sentir inúmeras emoções e acalentar nossos corações. Rooney escreveu um roteiro mais afiado que seu próprio livro. Um que com a ajuda de Birch e O'Rowe é um excelente texto adaptado. Sendo parecido ao original, mas diria que é até melhor. Na direção, Lenny e Hettie são cruciais para o bom desenvolvimento visual da série. Ele já trouxe aos cinemas filmes incríveis como o indie Frank, estrelado por Michael Fassbender, e o indicado ao Oscar 'O Quarto de Jack'. Ela vem de experiências na direção de séries, uma delas a fantástica Doctor Who. Juntos os diretores no trouxeram frescor e cenas muito bem coordenadas. Desde as mais simples até as que o casal protagonista está fazendo sexo - tudo orientado por uma coach especialista no assunto. Uma característica que logo se percebe na direção é como ela nos leva a ver o mundo dos dois usando os enquadramentos e imagens estabilizadas. Vemos muitas das cenas onde Connell e Marianne estão andando e a câmera foca no que eles estão olhando o que nos proporciona conhecer o mundo deles mais de perto. Há takes íntimos de inúmeras formas e o auxilio nos deixa ir fundo nas almas desses dois irlandeses tão intrigantes.
E sim, que performances incríveis Daisy e Paul nos presentearam. Ela tem cerca de seis produções em sua filmografia. Chegou a trabalhar na série 'War of The Worlds' (FOX, 2019) e tem um semblante parecido com o de Anne Hathaway. Ele era ator de teatro quando conseguiu o papel e deve muito em breve estar ligado a diversos trabalhos pela brilhante atuação aqui. Outros atores que dão show em seus papéis são Sarah Greene, que faz a mãe consciente e justiceira de Connell, Desmond Eastwood, que interpreta o amigo de quarto de Connell na faculdade, Fionn O'Shea, que vive um dos namorados pedantes de Marianne e pode ser visto no filme LGBTQ 'Dating Amber', temos também Sebastian de Souza que está em ''The Great'' e aqui interpreta o namorado com ego bem inflado e ainda Frank Blake que faz um dos piores irmãos da face da terra em cena.
Normal People nos traz um ar requintado dos filmes 'indies' com uma fotografia fenomenal e que se destaca do inicio ao fim por tons que seguem a dramaturgia e o que ela quer dizer - cores esverdeadas, cores quentes, cores neutras. Se no livro, o tempo é contado de uma forma diferente, na série cabelo e maquiagem conseguem nos convencer da idade que os personagens tem e não podemos reclamar nada dos atores escolhidos. O palco dos eventos se passam em Dublin, Itália e também Suécia e esse giro faz bem ao crescimento de Marianne e Connell. Outro ponto super positivo é a trilha sonora (escute aqui) e, claro, a lista de canções (escute aqui e aqui) que soa em cada episódio (algumas vão ficar nos seus ouvidos por dias). Realmente, a produtora teve um cuidado enoooorme em cada detalhe e fica impossível não cair de amores pela série (repare que rola até uma certa homenagem aos brasileiros que vivem na Irlanda, pois ao fundo de uma das cenas na Trinity College, ouve-se alguém falar português).
O fim da série é daqueles de te deixar esmagada no chão por meses, mas não deixa de ser perfeito e real. Algo que uma produção desse nível sabe entregar muito bem. É impossível não se emocionar com essa série e querer comentar até com o vizinho da sua tia no zoom. Então, corra para maratonar e coloque o papo virtual em dia.
Avaliação: Quatro correntes prateadas (4/5)
See Ya!
B-
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Normal People
quarta-feira, julho 15, 2020
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