A última parte da nossa lista traz uma baita análise de uma das melhores produções lançadas este ano naquela que nem é tevê, é HBO.
Raisa
De tempos em tempos a DC Comics lança uma história em quadrinhos que acaba por mudar os rumos dos próximos anos para as suas publicações e o ano de 1986 foi marcante por conta disso. Com a Crise Nas Infinitas Terras, uma ambiciosa série em 12 edições, o destino de muitos personagens da editora e o que conhecíamos como o Multiverso dos quadrinhos foi redefinido. Apesar de não ter sido o primeiro grande evento de histórias em quadrinho, a Crise nas Infinitas Terras pavimentou o caminho para eventos igualmente grandiosos tanto na DC quanto na Marvel; de tal forma que tudo na DC hoje em dia ou é “Pré-Crise” ou “Pós-Crise”. Além disso, muitos outros eventos na DC tem “Crise” no nome por conta da Crise nas Infinitas Terras: Infinite Crisis, Final Crisis, Heroes in Crisis. Se com a Crise nas Infinitas Terras o que mudou foi o destino dos personagens do universo da DC, com Watchmen (lançado no mesmo ano e finalizado em 1987) nós vemos uma mudança na indústria de histórias em quadrinhos em si.
Durante suas 12 edições, Alan Moore (escritor), Dave Gibbons (artista) e John Higgins (colorista), articulam algumas das tensões sociais presentes naquele momento do mundo; a iminência de uma nova guerra que acabaria com o mundo, conflitos sociais, enquanto tentam imaginar como seriam os superherois dentro desse mundo. A resposta parece ser que esses super-heróis são seres egoístas, iludidos com os seus próprios poderes, por vezes sádicos e assassinos. Nesse universo não parece que existem heróis, e sim indivíduos poderosos sendo usados como máquinas de morte por grandes Estados; a graphic novel é uma desconstrução da ideia de um herói e mostra o quão perigosos eles podem ser quando eles são meios de um governo fascista. O resultado dessa publicação foi uma mudança que se reflete até hoje nas publicações na DC; uma busca por histórias mais centradas em temas “reais”, com personagens mais colados na nossa realidade e com um tom muito mais sério e violento do que o que víamos antigamente.
Se o gibi nos oferece respostas, a série de 2019 da HBO nos oferece muito mais perguntas. Eu leio gibis desde os meus 12 anos e toda vez que alguma produtora lança algum filme ou seriado baseado em alguma história em quadrinhos eu fico animada mas, ao mesmo tempo, há sempre uma certeza em mim de que seja lá qual for o seriado ou o filme, o gibi vai ser melhor. Não por razões puristas ou por um desgosto que eu tenha por seriados e filmes, é só por eu considerar que o material de origem é não só superior como também uma forma subestimada de contar histórias. Quando o trailer da série da HBO saiu eu tinha quase certeza de que eu não iria gostar do seriado, pois parecia que ele tentava realizar algumas mudanças no quadrinho que eu considerava desnecessárias; torná-lo ainda mais violento, mudanças de roteiro, inserir personagens novos. Talvez por isso eu tenha demorado para assistir; apesar de ter saído em 2019 eu só fui assistir em 2020.
Sem querer dar muitos spoilers, a premissa básica do seriado, escrito por Damon Lindelof, um dos criadores de Lost e The Leftovers, é que ele se passa 34 anos após o final da história em quadrinho em um mundo no qual os vigilantes são tratados como uma ameaça. Nesse universo, policiais usam roupas de freiras, como a protagonista Angela Abar (Regina King), uma máscara reflexiva como o detetive Looking Glass (Tim Blake Nelson) ou uma máscara de panda.
Ao invés de nos responder como seria um mundo no qual policiais andam mascarados e caçam vigilantes, a minisérie nos joga perguntas sobre a sociedade estadunidense; e se esses heróis que são introduzidos no gibi na verdade fazem parte de uma minoria que foi violentada desde sempre? Será que nossa sociedade não está obcecada pelo vigilantismo? O americano consegue falar abertamente como a sociedade em que vive foi fundada na desigualdade racial e brutalização de minorias? Sem querer ser mais esperto do que o telespectador, a série navega pelos temas do racismo, violência policial, corrupção, fascismo, cultura pop enquanto desenvolve seus muitos personagens e consegue amarrar todas as histórias em um final épico.
Os maiores destaques vão para o episódio 6, “This Extraordinary Being” e o 8, “A God Walks Into a Bar”.
No episódio 6, Angela Abar consome uma droga chamada Nostalgia, usada para que pacientes consigam lembrar de seu passado. No entanto, ela toma as pílulas de seu avô, um sobrevivente do conhecido Massacre de Tulsa, no qual homens brancos atacaram negros e suas casas, o que faz ela embarcar em um pesadelo de lembranças que não pertencem a ela enquanto revive os traumas de seu avô.
E já no episódio 8, o antepenúltimo da série, nós vemos como Angela e Doctor Manhattan (um dos principais personagens da história em quadrinhos original). O episódio, escrito por Damon e Jeff Jensen, e dirigido por Nicole Kassell, consegue condensar um dos melhores aspectos do seriado que é pegar uma história dos anos 80 e colocá-la no contexto de 2019 ao mesmo tempo em que expande o que conhecemos do material de origem. É um episódio no qual a trama principal do seriado é suspendida para que possamos ouvir Doctor Manhattan contar uma história, tanto para Angela quanto para nós, os telespectadores.
O grande triunfo do seriado, é que ele consegue proporcionar experiências diferentes e igualmente incríveis para quem conhece as HQ's e quem não consegue. É um seriado atual, que revela sua grandiosidade narrativa em seus muitos detalhes e cujas camadas de narrativa fazem com seja possível redescobri-lo a cada assistida.
A série levou 11 Prêmios Emmy, incluindo, ''Melhor Minissérie, Melhor Atrzi em Minissérie' e Melhor Roteiro em Minissérie''
Trailer
ASSISTA NA HBO
FIM.
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