O trabalho do velho guerreiro é, sem dúvidas, um marco para o rádio e para a tv brasileira. Um que inspira até hoje apresentadores e comunicadores e não deixa de ser representativo a uma era onde o politicamente correto ainda não era manifestado.
Um homem que nasceu como Abelardo Barbosa e se tornou Chacrinha. O entertainer brega e fanfarrão começou a trabalhar em rádios por volta dos anos 30 e 40. Ali, ganhou programa em horário que deveria ajudar as pessoas a dormir e fez o contrário. Criou um cassino. Um show animado e criativo que chamou atenção da tevê e que o fez chegar lá pelo ótimo comunicador que se encaminhava para se tornar. Quase como um palhaço em um baile de carnaval, Chacrinha incrementava suas apresentações com marchinhas, buzinas e roupas sempre espalhafatosas. Algo que mudou a televisão nos anos 50 pela super personalidade que revelou ter. Aliás, foi nesse momento que o velho guerreiro descobriu um câncer e acabou perdendo um dos pulmões na guerra pela sobrevivência.
Passou pela TV TUPI, TV GLOBO, TV RECORD e tantas outras e soube usar seu poder comercial como ninguém para vender bandas, cantores e artistas em inicio de carreira. Ao fazer concursos nacionais, brincadeiras com a plateia, onde jogava arroz ou farinha, ou distribuia frutas, fez dos presentes participantes do espetáculo. Ainda criou bordões que se tornaram clássicos e também vendeu produtos como ninguém vide a vez que ajudou os comerciantes de bacalhau quando estes estavam com o produto encalhado e precisavam ser usados - outra marca do apresentador. Sua atitude no palco surpreendia até mesmo seus convidados e com os shows e apresentações alavancou a profissão dos jurados e muitos deles ficaram famosíssimos, vulgo a sempre vibrante Elke Maravilha.
Sobre a sua ida para a Globo, ele trouxe toda sua popularidade e criatividade, algo que a emissora queria por demais e conseguiu, apesar de ter um nariz empinado e se mostrar preocupada em exibir bom gosto em suas produções. E essa parceria conseguiu quebrar tal paradigma, sendo um sucesso para ambos. Com o passar dos anos, Chacrinha enfrentou censura, devido a exposição constante dos corpos de suas ''chacretes'', mas conseguiu se tornar um ícone e levou muita alegria ao povo brasileiro. Teve também seus pontos baixos na carreira (o troca-a-troca de emissora) e conseguiu dar a volta por cima quando sublinhou o horário do sábado a tarde e atingiu um ibope inigualável na época.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Eu Vim Para Confundir e Não Para Explicar, 2020. Direção: Claudio Manoel e Micael Langer. Pesquisa e Colaboração roteiro: Julia Schnoor. Entrevistados: Boni, Chico Anysio, Gugu Liberato, Luciano Hulk, João Kléber, Wanderléa, Rita Cadilac, Leleco Barbosa, Dona Florinda, Jorge Barbosa, Elke Maravilha, Angélica, Agnaldo Timóteo, Evandro Mesquita, Helmar Sérgio, Silvinho Blaublau, Stepan Necerssian, Pedro Bial, Michael Sulivan, Toni Belloto. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Paulo Santos. Produtor Executivo: Fernando Zagallo. Produção: Media Bridge. Diretora de Produção: Rose Soares. Montagem: Rafael Paiva. Equipe de Produção Media Bridge: Lupa Mendes, Emerson Rodrigues, Lúcia Burmeister, Victor Restel, Weverton Campos. Produtores: Cosimo Valerio e Angelo Salvetti. Produtor Associado: Vitor Brasil. Coprodução: Globo Filmes, Globonews e Canal Brasil. Distribuição: Bretz Filmes. Duração: 88 minutos. Classificação: 12 anos
O documentário do casseta Cláudio Manoel e seu parça Micael Langer repassa a jornada do velho guerreiro com muita eloquência e faz o espectador se lembrar do que viu, ou para as novas gerações, conhecer um passado riquíssimo do maior apresentador brasileiro que já existiu. A dupla traz no filme ótimas entrevistas. Dentre estes, Pedro Bial, Toni Belloto, Gugu Liberato, Angelica, Luciano Hulk e pessoas próximas como Rita Cadillac, o ex câmera-man do programa Helmar Sérgio, e os filhos Jorje e Leleco Barbosa, além da esposa, Dona Florinda.
A vida pessoal de Abelardo também é comentada aqui. O acidente do filho, que até se relacionava com a cantora Wanderléa na época, a morte do netinho, e, claro, a segunda vez que ele veio a ter câncer e o deixou mais debilitado para apresentar. O quão o troca-troca de emissora o fez perder dinheiro também é um dos temas, ademais sua relação com os artistas e o suposto caso-amoroso que manteve com a cantora Clara Nunes, mesmo sendo casado.
Para os amantes da tevê e seu dito 'tempo incríveis', vale a pena assistir pela relevância da história não só de Abelardo como da televisão brasileira. Afinal, foi com Chacrinha que programas caóticos e sensacionalistas apresentam a se movimentar. Uma essência que foi levada para milhares de shows dos anos 90 e 2000 (Pânico na TV, O Último Programa no Mundo, Não é um Talk Show e etc).
Chacrinha ganhou, em 2018, um filme que contava a sua história com o ator Stepan Necerssian, que até aparece entre os entrevistados, vivendo o apresentador na fase de sucesso e Edu Sterblich ainda jovem e iniciando no rádio (ler comentários aqui).
As cinebiografias têm se consolidado como um dos gêneros cinematográficos mais populares no Brasil. Ainda que as comédias continuem sendo as responsáveis por lotarem as sessões de filmes nacionais, produções cujos roteiros são inspirados na vida de personalidades reais continuam chamando bastante atenção do público e rendendo boas cifras em bilheteria. Ou, pelo menos, é o que sugere a grande quantidade de filmes deste tipo que estreiam nos cinemas brasileiros ano após ano, sem que se note um esgotamento da fórmula.
A Globo Filmes é responsável por coproduzir boa parte das cinebiografias do cinema nacional, tendo levado para as telonas adaptações da vida de celebridades como Elis Regina, Cazuza e Chico Xavier. Denominador comum a estes longas, opinião de parte do público e da mídia especializada, é uma suposta superficialidade dos fatos retratados, uma vez que a estrutura fílmica de cerca de duas horas nem sempre é suficiente para cobrir de forma satisfatória (ou justa) décadas de acontecimentos na vida de uma pessoa pública.
Este acaba por ser justamente o caso de Chacrinha: O Velho Guerreiro, filme de Andrucha Waddington que ficcionaliza a polêmica carreira do comunicador brasileiro Abelardo Barbosa, mais conhecido por seu apelido que dá título ao filme. Lançada 30 anos após a morte do apresentador, a obra acompanha desde sua chegada conturbada ao Rio de Janeiro e o início de sua trajetória no Rádio, ainda na juventude, até sua velhice como grande showman da TV brasileira. Nesta compilação de episódios marcantes da vida do artista (expostos de forma efetiva, mas não necessariamente coesa), ele é mostrado como figura ora cativante, ora controversa; querido pelo público, mas fonte de dor de cabeça para produtores de TV, com quem constantemente tinha atritos por causa de suas ideias extravagantes e ousadas para a época. Tamanha dedicação em imprimir sua personalidade a seu trabalho foi tornando cada vez mais difícil de separar Abelardo de Chacrinha.
É nesse momento que o longa ganha um tom mais sério. Entre dramas familiares, mudanças de emissoras, censura pela Ditadura Militar e problemas de saúde que o afastaram da TV, a má fase da vida de Chacrinha é retratada sem que se aprofunde em nenhum destes acontecimentos ou personagens. A peça central é realmente o protagonista, Chacrinha. Com muita simpatia e sagacidade quando jovem, interpretado por Eduardo Sterblitch, e como o Velho Guerreiro da TV, interpretado magistralmente por Stephan Nercessian. Por vezes é possível se esquecer de que não se trata do verdadeiro Chacrinha em tela. Parte desta magia também se deve ao ótimo trabalho de reconstituição da época, que reproduz tanto a ambientação do Rio de Janeiro nos anos 1930 e 1940 quanto dos programas de auditório apresentados pelo artista na TV.
A abordagem um tanto simplista do roteiro não chega a ser um demérito, uma vez que o filme visa mais homenagear o comunicador e entreter do que em ser uma obra com profunda fidelidade histórica. Esta é uma responsabilidade do documentário Chacrinha – Eu Vim para Confundir e Não para Explicar (ler os comentáriosaqui), um ótimo complemento para quem quer conhecer mais da história desta figura imortal da cultura brasileira. Se depender destas duas obras, o legado de Abelardo Barbosa ainda será lembrado com carinho pelo público por várias gerações.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Chacrinha, O Velho Guerreiro, 2018. Direção: Andrucha Wadington. Roteiro: Carla Faour, Cláudia Paiva, Júlia Spadaccini. Elenco: Stepan Nercessian, Eduardo Sterblitch, Carla Ribas, Rodrigo Pandolfo, Criolo, Ney Matrogrosso, Gianne Albertoni, Marcelo Serrado, Antônio Grassi. Gênero: Drama, Ficção. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Gabriel Ferreira, Felipe Kim e Antonio Pinto. Fotografia: Fernado Young. Direção de Arte: Rafael Targat. Edição: Thiago Lima e Sérgio Mekler. Figurino: Marcelo Pies. Distribuição: Paris Filmes e Downtown Filmes. Duração: 01h54min.
Ademar (Juliano Cazarré) é sócio minoritário de uma empresa de segurança privada e seu associado, o ex-policial Teixeira (Paulo Tiefenthaler), está desaparecido. Assim se inicia a história de Dente por Dente, um thriller brasileiro que faz de tudo para negar sua nacionalidade.
Embora o Brasil já tenha produzido vários filmes de suspense e ação de qualidade técnica e artística que não escondem sua brasilidade, vez ou outra nos deparamos com projetos que, para apostar em filmes de gênero, tentam fazer uma cópia de filmes hollywoodianos. O que, é claro, é uma receita para o fracasso. Este, assim como Assalto ao Banco Central (Marcos Paulo, 2011) ou O Segredo de Davi (Diego Freitas, 2018), conta com um elenco de peso (Juliano Cazarré, Paolla Oliveira, Ana Flávia Cavalcanti, Renata Sorrah, Aderbal Freire Filho, Juliana Gerais, Paula Cohen e etc) que desperdiça todo seu talento em um roteiro com frases de efeito piegas e falas que parecem ter sido escritas em inglês e, depois, traduzidas para o português.
É claro que homenagens e referências ao cinema norte-americano são válidas. E mesmo releituras. Mas o que poderia ser uma proposta interessante de revisitar filmes policiais clássicos com uma visão atual e experimentações modernas se perde ao entregar uma obra que parece ter saído diretamente de uma cápsula do tempo. Há pouco de novo ou relevante.
Para não ser totalmente injusta, cabe citar a presença de uma discussão interessante sobre movimentos de ocupação por moradia. No entanto, a vingança e os direitos desses indivíduos já marginalizados são novamente relegados à margem uma vez que funcionam apenas como uma justificativa para a trama, sem tomar protagonismo, profundidade ou mesmo cenas de destaque.
Todos os elementos do longa-metragem são apáticos. Desde os cenários sem personalidade até o protagonista, que não tem passado, nem futuro, muito menos individualidade. A impressão que fica é a de que Ademar nasceu na primeira cena do filme e planejava morrer na última, de tão desprovido de planos, intenções, objetivos, opiniões. A narração cafona que eventualmente entoa parece ter sido colocada apenas para cumprir um requisito do gênero, dado que não aprofunda em nada a subjetividade do vigilante.
As qualidades da produção residem no rigor técnico, que sozinho não quer dizer nada. Mas observar a competência da fotografia, da finalização de som e da edição (e notar o investimento que fica evidente pelo elenco, caracterizações e cenários) mostra que apesar de todos os desmontes, o cinema brasileiro está vivíssimo e mesmo quando é ruim, conta com profissionais da maior virtude.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Dente por Dente, 2018. Direção: Júlio Taubkin e Pedro Arantes. Roteiro: Arthur Warren; Colaboração Michel Laub. Elenco: Juliano Cazarré, Paolla Oliveira, Ana Flávia Cavalcanti, Renata Sorrah, Aderbal Freire Filho, Juliana Gerais, Paula Cohen, Paulo Tiefenthaler, Domênica Dias, Digão Ribeiro, Adriano Barroso, Bruno Bellarmino, Philip Lavra. Gênero: Suspense. Nacionalidade: Brasil. Produção de Elenco: Deborah Carvalho, Fernanda Ranieri. Direção de Arte: Daniela Aldrovandi Concept Art Rafael Mathé. Som Direto: Gustavo Zysman. Montador: Eduardo Chatagnier E Bernardo Barcellos. Direção de Fotografia: Bruno Tiezzi. Figurino: Melina Schleder. Maquiagem E Cabelo: Emi Sato. Direção de Produção: Issis Valenzuela. ProduçãoExecutiva: Angelo Ravazi, Paulo Serpa. Produtor Associado: José Alvarenga Jr. Produção: Mayra Lucas, Angelo Ravazi, Halder Gomes. Produção: Glaz Entretenimento, em parceria Com Massa Real, Atc Entretenimentos. Coprodução: Telecine e Globo Filmes. Distribuição: Vitrine Filmes. Duração: 01h25min.
A estreia do longa foi na 44º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Um homem e uma mulher vivendo a ânsia de retomar suas carreiras: os laços fraternais não são a única coisa em comum entre os irmãos Lisa (Nina Hoss) e Sven (Lars Eidinger). Compartilhando até o mesmo nascimento (Sven é apenas dois minutos mais velho), os gêmeos têm uma ligação muito forte de companheirismo e dividem um semelhante gosto pela Arte. Ele, um renomado ator de teatro que se afastou dos palcos após ser diagnosticado com Leucemia; ela, uma brilhante dramaturga que se diminuiu à sombra de seu marido.
O drama suíço Minha Irmã tinha tudo para ser um dramalhão e repetir vários clichês de filmes que abordam o câncer, mas as diretoras Stéphanie Chuat e Véronique Reymond conduzem a trama de forma sensível e acertada. Acaba por ser um poderoso e reflexivo drama familiar, um mergulho agridoce nas relações que, para o bem ou para o mal, nos definem.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Schwesterlein, 2020. Direção e Roteiro: Stéphanie Chuat e Véronique Reymond. Elenco: Nina Hoss, Lars Eidinger, Marthe Keller, Jens Albinus, Thomas Ostermeier, Noah Tscharland, Moritz Gottawald e Urs Jucker. Gênero: Drama. Nacionalidade: Alemanha e Suiça. Trilha Sonora Original: Christian Garcia. Fotografia: Filip Zumbrunn. Edição: Myriam Rachmuth. Figurino: Anne Van Brée. Distribuição: A2 Filmes. Duração: 01h39min.
A história começa com a saída de Sven do hospital e sua aparente recuperação, o que pode significar seu retorno ao teatro. Lisa adota uma postura inegavelmente materna em relação ao irmão, fazendo tudo o que está ao seu alcance para que ele volte a atuar. Tal atitude de cuidado e superproteção não é à toa. A matriarca da família, viúva e displicente, não parece tão preocupada com o bem estar dos filhos, chegando ao ponto de negligenciar o tratamento de Sven. Não faltam críticas ao trabalho de Lisa, ao qual a mãe nunca deu o devido reconhecimento. Neste sentido, pode-se dizer que Lisa e Sven também têm isso em comum: uma ausência afetiva familiar que parece fortalecer ainda mais seu vínculo especial. De certa forma, eles só têm um ao outro.
Entretanto, a maior proximidade com o irmão lentamente faz com que o casamento de Lisa entre em colapso, já que a distância proporciona melhor perspectiva de questões que antes ela ignorava, como, por exemplo, o fato de ter deixado de lado sua carreira na dramaturgia para se dedicar aos papeis de esposa e mãe. Todas as escolhas e certezas de Lisa se despedaçam quando entra em cena a doença do irmão, sua cara-metade, fazendo-a reavaliar o que realmente importa.
Minha Irmã é uma obra tocante que possibilita contemplação sobre as relações que nos inspiram e nos lembram de quem realmente somos, ao passo que o cínico e cruel mundo real tenta roubar nossa inocência e criatividade. Isso fica ainda mais óbvio quando Lisa resolve escrever uma versão adulta de João e Maria, clássico dos irmãos Grim que se consagrou com os filmes Disney, como um monólogo para ser interpretado por Sven, uma tentativa de manterem a conexão que têm um com o outro e resgatar sentimentos acolhedores de outrora. Tanto Lisa quanto Sven almejam os holofotes e a validação que vem com o reconhecimento. Mas, mais do que isso, desejam estar em paz na completude que encontram um no outro, seu reflexo. No fim das contas, tudo que querem é ir pra casa.
Esta comovente adaptação para as telas do romance best-seller deFiona Shaw - Fale para as abelhas, traz a história de um romance proibido entre mulheres e o preconceito de uma pequena cidade que parece ter parado no tempo. Mas também é a história das descobertas de uma criança que, perante o abandono paterno, sem referências, procura entender o mundo adulto e trabalhar sua angústia e aceitação.
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Título original e ano: Tell It to the Bees, 2018. Direção Annabel Jankel. Roteiro Henrietta Ashworth e Jessica Ashworth - adaptação do livro homônimo de Fiona Shaw ''Tell It to the bees''. Elenco: Anna Paquin, Euan Mason, Holliday Grainger, Lauren Lyle, Kate Dickie, Billy Boyd, Gregor Selkirk, Joanne Gallagher. Nacionalidade: Reino Unido, Suécia.Gênero: Drama, romance. Tilha Sonora Original:Claire M Singer. Direção de fotografia Bartosz Nalazek. Edição: Jon Harris e Maya Maffioli. Produção: Daisy Allsop, Nick Hill, Annabel Jankel, Nik Bower e Laure Vaysse. Co-produção Sean Wheelan, Anthony Muir e Hannah Leader. Distribuição: Arteplex Filmes. Duração: 108min.
Estamos em 1952. Lydia Weekes (Holliday Grainger) trabalha em uma fábrica, como a maioria das mulheres do vilarejo. Um trabalho insalubre e cruel, mas necessário para sua sobrevivência e de seu pequeno filho, Charlie (Gregor Selkirk). O pai da criança, Robert (Emun Eliott), um militar conquistador e machista, a levou para morar próximo à sua família, deixando a mulher totalmente sem amigos ou contato com parentes a sua volta. Sofrendo ainda por seu sotaque diferente e por ter um filho "mais velho que seu casamento", como ela mesma diz.
Chamado para a guerra, Robert retorna estranho, arredio e violento. Ele abandona a esposa e o filho por outra mulher e todo vilarejo sabe e age como se fosse algo normal e aceitável, sendo culpa da mulher o comportamento do marido. Totalmente só e tendo como amiga e confidente apenas a prima Annie (Lauren Lyle), ela luta para sobreviver. Mas a situação vai de mal a pior.
Para pesar, Charlie está sofrendo bullying das outras crianças e briga para defender sua mãe, aliás, o pequeno Gregor que vive Charlie,é destaque e entrega uma atuação excelente. Na sequência, chega à cidade uma nova médica, a Dra. Jean Markhan (Anna Paquin), que assume o cargo ocupado por seu falecido pai. A Dra viveu muitos anos distante da pequena cidade e traz consigo as marcas do passado e seus segredos.
"Esta cidade é pequena demais para segredos."
Dra. Jean também assume o pequeno apiário nos fundos da propriedade e assiste-se imagens belas e sensíveis das abelhas e sua dança sincronizada Charlie faz então amizade com a Dra sem o conhecimento de sua mãe. A recém-chegada conta ao garoto uma lenda que diz "se você contar seus segredos às abelhas, elas não voarão para longe". Sem ter com quem conversar, Charlie se sente motivado e conta suas dúvidas e dores para as abelhas.
Quando Lydia atinge o fundo do poço, sem emprego e sem lugar para morar, apenas a Dra Jean lhe estende as mãos. Lydia e Charlie vão morar com a médica para ajudar nos afazeres da casa. Os boatos logo aumentam, um escândalo para a comunidade. A Dra Jean, segundo as más línguas "nasceu errado" e já teve "um incidente anterior com outra mulher". Charlie, em sua inocência, não entende a estreita relação que une sua mãe e a Dra.
"Um segredo não é uma mentira."
A paixão que surge entre as duas é condenada pela sociedade, considerada imoral e suja. As mulheres passam a ser hostilizadas chegando à violência física. As cenas são bem impactantes. O filme escancara temas relevante como aborto, violência doméstica e abuso de poder da família, agressão física e moral, homofobia, preconceito. A vida do casal na pequena cidade é retratada de forma triste e cruel. Um lugar onde escolher quem se ama é algo sujo e errado, mas agredir em nome do amor é aceitável.
Além da trama central, há sub-histórias bem trabalhadas, como o caso de amor da prima de Lydia, Annie, outro conjunto de cenas bem perturbadoras. A trilha sonora, com canções dos anos cinquenta, se encaixam muito bem. E ao chegar ao fim da produção é impossível não se comover.
Distribuído pela Imagem Filmes, estreia esta quinta-feira (21) nos cinemas nacionais o filme italiano Pinóquio. Na memória de todos por ser um desenho animado eternizado pela Disney, esse clássico da literatura infantil mundial com nacionalidade italiana nascida no século XIX, pelas mãos de Carlo Collodi, ganha nova adaptação para as telonas com a condução do também italiano Matteo Garrone, responsável pelos petardos que foram Gomorra e Dogman, ganhadores de vários prêmios nos festivais mundo afora.
Temos então um excelente diretor revisitando um clássico da literatura mundial e contando mais fielmente a estória do livro, uma fábula moral de um boneco de madeira falante que quer ser um menino de verdade, cujo subtexto é a obediência das crianças aos pais, da ida à escola, do amor ao trabalho, valores morais importantes para a educação infantil de todas as épocas. Tudo contado de maneira bem divertida, com animais falantes, fadas e malandros enganadores, em aventuras sem fim na terra e no mar, mas com esse teor educativo por trás.
A estória em si é a mesma contada pela Disney, mas sem as toneladas de açúcar, mel e bons sentimentos dos seus produtos. Como fábula moral, o livro de Carlo Collodi, ao mesmo tempo que divertia, também aterrorizava as crianças da época, com exemplificação de todos os malefícios que poderiam vir da desobediência aos pais. Devido isso, nessa nova adaptação, vemos um enforcamento, metamorfoses horripilantes, espancamento de crianças e maus tratos a animais. Nada infantil aos olhos de hoje, não é mesmo?!
O nome do diretor e a importância deste clássico infantil atraíram ao projeto um nome de peso do cinema mundial. Quem interpreta o carpinteiro Geppetto é o ator Roberto Benigni, de A Vida É Bela. Aliado a isso, efeitos especiais de primeira, uma cenografia e fotografia encantadoras, mostram que os aspectos técnicos da película foram de primeira linha. É muito interessante verificar as soluções cenográficas que deram às imagens eternizadas no desenho da Disney na década de 40. A baleia que engole os heróis, por exemplo, é um verdadeiro achado, um efeito especial vintage que mostra a percepção do século XIX de um perigo dos mares.
Os 125 minutos do filme passam rapidinho, e estima-se que o público se divitar bastante com o desenrolar do roteiro, entre toques de nostalgia e saudosismo. Para crianças, não é aconselhável, afinal, a suavidade da Disney não existe aqui. Os adultos mais insensíveis talvez não terão paciência para assistir. Mas como produto de cinema, é uma fantasia fascinante e eterna. A sugestão é que todos assistam e apostem no ritmo dessa estória que encanta gerações há séculos.
Nota 7,5/10.
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Título original e ano: Pinocchio, 2019. Direção: Matteo Garrone. Roteiro: Matteo Garrone - adaptação do clássico de Carlos Collodi 'Pinocchio'. Elenco: Federico Ielapi; Roberto Benigni; Marine Vacth; Rocco Papaleo; Massimo Ceccherini. Gênero: Drama, Fantasia. Nacionalidade: Itália. Trilha Sonora Original: Dario Marianelli. Fotografia: Nicolai Brüel. Edição: Marco Spoletini. Figurino: Massimo Cantini Parrini. Direção de Arte: Francesco Sereni. Distribuição: Imagem Filmes. Duração: 125min.
Unidas Pela Esperança é uma deliciosa comédia dramática inspirada em eventos reais.
O roteiro de Rosanne Flynn e Rachel Tunnard, sob a direção de Peter Cattaneo, nos mostra de forma divertida e envolvente como pessoas de personalidades tão distintas puderam realizar feitos incríveis e como a música pode realizar milagres em suas vidas.
O cenário do filme é uma base militar fictícia chamada Flitcroft, porém as filmagens ocorreram em uma base real, a maior base do exército britânico, localizada em North Yorkshire. O ano é 2010 e a Guerra do Afeganistão faz com que muitas tropas sejam destacadas para o exterior por longos períodos. Assim o regimento de maridos e uma esposa (sim, há um casal de mulheres) se prepara para o embarque. As esposas que ficarão, terão que criar atividades de recreação para mudarem o foco do medo pelo perigo que seus entes queridos irão enfrentar. O objetivo das atividades é ajudar as mulheres dos militares a se expressarem, como uma forma de terapia ocupacional que as auxiliasse com as angustias e o isolamento a que foram impostas. Cada ligação, carta ou visita poderia trazer más notícias e isso pode gerar transtornos psicológicos irreparáveis, mas daí você pode questionar se essas mulheres não tem vida própria e não possuem seus próprios trabalhos. Bem, lembre-se que se trata de um local distante da capital londrina, a base é então o centro de tudo e as opções de lazer são bem restritas.
A novata na Presidência do Comitê Social da Base, Lisa Lawson (Sharon Horgan) não parece muito motivada, e ainda tem questões de comportamento com sua filha adolescente Frankie (India Ria Amarteifio). É então que a esposa do comandante, Kate Barclay (Kristin Scott Thomas) resolve se voluntariar para dar um empurrão nas reuniões das mulheres. Ela perdeu um filho em serviço e tem traumas profundos.
Aliás, cada uma das esposas tem questões psicológicas e as reuniões deveriam servir como alívio. Assim, surge uma disputa acirrada por poder entre a chefona Kate e a desencanada Lisa. É aí que o filme ganha força e profundidade. As atuações são muito intensas. Aliás, o embate entre as duas traz à tona toda angustia que elas escondem. Medo, conflito social, traumas, tristezas, luto, os horrores da guerra, a pressão da vida militar, alegria, realização. Tudo isso está em cada cena. Kate, aristocrática e metódica quer atividades culturais. Lisa e as outras mulheres querem "cafés" regados a álcool e conversas informais. Quando uma das mulheres sugere que formem um coral, Kate já pensa em um repertório clássico e em suas noções de música, enquanto Lisa caminha para o lado pop que vez ou outra esbanja no karaokê.
As canções que ouvimos durante o filme são maravilhosas. Englobando hits dos anos 80 como "Time After Time", "Shout", ''Don't You Want Me", entre outros. Detalhe que as atrizes cantam realmente, sem dublagem. Do primeiro ensaio, que foi um verdadeiro desastre, até atingirem o objetivo, veremos mulheres fortes e determinadas, que estavam à sombra dos maridos militares, mas na falta destes, desabrocharam em todo seu potencial. Contra todas as probabilidades, elas se empenham e conseguem melhorar dia a dia. O coral, que ficara sob a supervisão do Oficial Croods (Jason Flemyng), tem seu talento reconhecido e é convidado a se apresentar em um grande evento oficial em Londres.
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Título original e ano: Military Wives, 2019. Direção:Peter Cattaneo. Roteiro: Rachel Tunnard, Rosanne Flynn. Elenco:Kristin Scott Thomas, Sharon Horgan, Lara Rossi, Gaby French, Lara Rossi, Greg Wise, Jason Flemyng, Laura Checkley. Gênero:Comédia. País:Reino Unido. Trilha Sonora Original: Lorne Balfe. Fotografia: Hubert Taczanowski. Edição: Anne Sopel, Lesley Walker. Distribuição: Califórnia Filmes. Duração:112 min. Classificação:12 anos
O ponto máximo do filme é a cena da apresentação que vem com emoção e bom desempenho. As personagens fictícias são interpretadas por cantoras de corais. E fica lindo de assistir e ouvir! A canção "Wherever You Are", composta a partir de trechos das correspondências entre elas e seus familiares, foi apresentada no The Royal British Legion's Festival of Remembrance na famosa casa de shows Royal Albert Hall, em 12 de novembro de 2011.
Military Wives, título original do filme, refere-se a uma instituição de caridade registrada e uma rede de setenta e cinco corais em bases militares britânicas no Reino Unido e exterior e já conta com 2.300 mulheres. Ligadas por um lema: Juntas somos mais fortes!
No momento em que o Brasil debate se deveria ou não haver uma edição do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM, em meio à pandemia de COVID-19, chega aos cinemas uma obra que aborda justamente este tema, porém por um ponto de vista bem mais intimista e quase nostálgico, uma vez que as discussões levantadas por ele refletem as preocupações e demandas da sociedade brasileira em 2018, ano que atualmente parece tão longínquo.
O longa documental do carioca João Jardim analisa a pressão que o vestibular exerce sobre estudantes do Ensino Médio no Brasil, ao mesmo tempo que procura desconstruir a irreal obrigatoriedade idealizada de se chegar à faculdade num país com tantas desigualdades. A obra é certeira ao dar o devido protagonismo justamente a quem está no olho deste furacão: estudantes do Ensino Médio que nem sempre têm suas vozes escutadas. O filme acompanha jovens de uma escola de Sergipe em seu cotidiano no último ano do colégio antes do ENEM e das inevitáveis consequências que a prova trará para suas trajetórias. Apesar da proximidade do vestibular durante as cenas retratadas, a indecisão quanto à carreira a ser seguida é palpável nos depoimentos de estudantes que falam para as lentes de Jardim. Aliás, muitas das pessoas ouvidas durante as discussões em sala de aula apresentadas no longa têm opiniões bastante fortes sobre como o peso dado ao ENEM é desproporcional ao contexto de suas vidas e prejudicial à saúde emocional de quem sofre com tamanha expectativa de desempenho e resultado.
É ao dar destaque às vozes destes personagens reais que a obra ganha muitas cores através de suas falas sinceras (ainda que, por vezes, hesitantes e inseguras) que dissertam sobre temas controversos como ditadura militar, pena de morte, aborto, depressão e suicídio. Registradas justamente durante o período da eleição presidencial de 2018, quando discursos ideológicos polarizados e acalorados ganhavam cada vez mais espaço na mídia e na vida das pessoas, é revigorante ver jovens em idade de formação opinando com tanta propriedade sobre tais assuntos, mas ainda sem aderirem totalmente às certezas delirantes de quem não tem coragem de dizer “eu não sei”. Talvez este seja um dos grandes trunfos da produção: a ternura quase infantil e vulnerabilidade de seus personagens, que confidenciam para o público, por exemplo, como a ausência paterna, comum a tantos deles, afeta seu senso de construção de identidade ou mesmo seu desempenho escolar, entre outras fragilidades que provavelmente não dividem nem mesmo com suas próprias famílias. Apesar de ecoar tópicos já tratados em outro longa documental seu, Pro Dia Nascer Feliz, de 2005, Jardim não se propõem a abordar em Atravessa a Vida questões como criminalidade ou diferenças sociais, focando na dúvida sentida por seus protagonistas neste agridoce rito de passagem para uma vida adulta para a qual temem não estar preparados.
Neste sentido, o que o novo filme do cineasta parece perder em escala e impacto em comparação a outros de seus trabalhos, ganha em sensibilidade e profundidade com sua contemplação. É esta visão mais minimalista que permite uma história que poderia soar tão regional funcionar de modo universal dentro de suas peculiaridades. Além disso, é bastante significativo que esta comunidade nordestina seja usada para representar esta fase da juventude tão atribulada da juventude, geralmente sempre retratada na cultura através de uma perspectiva elitista e higienizada dos grandes centros metropolitanos. Há muitos Brasis a serem mostrados e Atravessa a Vida é muito bem-sucedido em nos lembrar disso.
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Ficha Técnica:
Título original e ano: Atravessa a vida, 2020. Diretor e Produtor: João Jardim. Personagens: Daniela Silva (diretora da escola), David Andrade, Flávia de Jesus, Lívia Costa , Vitoria Mirelle , Ramon dos Santos , Rayssa Rodrigues e Isolda Laís.Diretora de Produção e Produtora Executiva: Gabriela Weeks. Assistente de produção: Fernanda Curi, Érika Saldanha. Estagiária de Produção Executiva: Thayná Ivo. Pesquisadora e Assistente de Direção: Carol Gonçalves. Diretor de Fotografia: Dudu Miranda, João Atala. Fotógrafo adicional: Rafael Mazza. Assistente de câmera: Isadora Relvas. Técnico de Som: Marcos Cantanhede. Técnica de Som adicional Brasília: Olívia Hernadéz. Montadora: Fernanda Rondon. Assistente de edição: Liana Riente. Controller: Alcione Koritzky. Logger: Gabriel Lima. Still: Sora Maia, Fabio Seixo. Estagiária de Edição: Vivian Vecchi. Composição de trilha sonora: Dado Villa-Lobos. Produção e distribuição: Copacabana Filmes e Fogo Azul Filmes. Coprodução: Globo Filmes, GloboNews e Canal Curta!. Produtores Associados: Renée Castelo Branco Dot e EliteCam. Duração: 82min.
O público pode até não ter reagido muito bem à obsessão do cineasta Robert Zemeckis pela tecnologia de captura de movimentos na 1ª década dos anos 2OOO, mas é inegável que ele e suas experimentações entusiasmadas tiveram grande responsabilidade na evolução da técnica. A Lenda de Beowulf é um ótimo exemplo de filme que usou muito bem tal método ainda em seu estágio mais bruto. É convincente e efetivo, apesar de ainda soar ligeiramente como uma cutscene de videogame. Em comparação com O Expresso Polar, longa anterior do diretor que também utilizava a captura de movimentos, e acabou sendo um passeio muito mais familiar e agradável pelo Vale da Estranheza (termo usado para designar a sensação de rejeição que temos a reproduções artificiais da aparência humana).
Tanto pioneirismo, contudo, teve um preço: usar uma técnica ainda em seu estágio de desenvolvimento fez com que o elenco soasse meio perdido em suas atuações, interpretando os personagens num palco e vestindo um traje de captura de movimentos para os dados de suas performances serem processados por computadores e, posteriormente, convertidos em efeitos visuais. Muitos pixels, pouca alma. Dá pra sentir a hesitação no produto final, mas o resultado é bastante louvável como exercício de técnica. Nesse sentido, é importante exaltar a ousadia de criar um blockbuster de animação orçado em 150 milhões de dólares, feito inteiramente usando uma tecnologia ainda não estabelecida no mercado e tendo como base uma narrativa medieval clássica escrita centenas de anos antes da era cristã.
A natureza épica e fantástica do material original justifica o uso de modelos humanos artificiais para protagonizar o longa e realizar feitos impossíveis para artistas de carne e osso, ao mesmo tempo que dilui a obrigatoriedade da necessidade de hiper-realismo. Ainda que possam soar inverossímeis ao primeiro olhar, as imagens computadorizadas estilizadas e bastante violentas são complementadas por boas doses de exagero e teatralidade da história que compõem direitinho o conceito proposto.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Beowulf, 2007. Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Neil Gaiman e Roger Avary baseado no poema ''épico Beowulf''. Elenco: Angelina Jolie, Ray Winstone, John Malkobvich, Brendan Gleeson, Paul Baker, Shay Duffin, Crispin Glover, Alison Lohman. Gênero: Ação, Aventura, Animação, Fantasia. Nacionalidade: Estados Unidos. Trilha Sonora Original: Alan Silvestri. Fotografia: Robert Presley. Edição: Jeremiah O'Driscoll. Design de produção: Doug Chiang. Supervisor de Efeitos Visuais Senior: Jerome Chen. Distribuição: Warner Bros Pictures Brasil. Duração: 01h55min.
Se a premissa tenta seguir uma cartilha de um conto clássico, infelizmente o mesmo também pode ser dito sobre as representações de arquétipos de gênero mostradas. O longa é permeado por estereótipos de dualidade do masculino versus feminino: heróis e donzelas, brutalidade e vulnerabilidade, etc. O protagonista, Beowulf, papel vivido por Ray Winstone, é a própria imagem do macho-alfa: forte, violento, audacioso, hipermasculinizado. Durante quase todo o 1º ato, é apresentado sempre seminu, tendo ressaltados seus atributos viris. Toda justificativa parece pífia para explicar a surreal e (talvez nem tão) involuntariamente homoerótica cena em que Beowulf resolve ficar completamente nu para enfrentar um inimigo "de igual pra igual, sem armaduras". Embora sua nudez frontal nunca seja explicitada, espadas no cenário são estrategicamente posicionadas para evidenciar sua masculinidade e não deixar dúvidas do papel falocêntrico da violência na construção do guerreiro heroico. Sendo assim, a validação de Beowulf deriva tanto de seus atos de bravura quanto de tal exibição descarada e gratuita de seu físico. A exposição do corpo também é característica marcante da súcubo vilanesca vivida por Angelina Jolie, totalmente nua em todo seu tempo de tela. Esta femme fatale, inclusive, é a única mulher da trama que foge aos clichês de fragilidade feminina. Porém, apenas para cair em outro chavão: o da sedutora cuja sexualidade macula a virtude do herói, levando-o à ruína. E ainda que suas ações movam a narrativa, a personagem sequer é digna de ter seu próprio nome (sendo conhecida apenas como "Mãe de Grendel", vilão de aparência ogresca que é assassinado por Beowulf no início da história).
O roteiro, coescrito por Neil Gaiman, acerta ao tentar preencher as entrelinhas e expandir as possibilidades do poema no qual se baseia, além de construir mais camadas de personalidade para o protagonista, retratado aqui como um homem imperfeito e falho (beirando o anti-heroísmo), assim como as ameaçadoras criaturas antagonistas do filme, que, por sua vez, ganham motivações humanas e são mostradas de forma muito menos maniqueístas do que o convencional.
É impressionantemente frustrante como, mesmo com tanta profundidade em seu âmago e tantas qualidades técnicas visionárias, A Lenda de Beowulf acaba soando vazio, engessado e, quem diria, artificial demais. Muitos pixels, pouca alma.
O FILME ESTÁ DISPONÍVEL NA APPLE TV E NO GOOGLE PLAY
Terror no mar é algo que sempre instiga nossa curiosidade, já que as profundezas misteriosas dos oceanos podem realmente conter criaturas sombrias e assustadoras. Seguindo essa temática, "Sea Fever" - Contágio em Alto Mar - produção irlandesa, escrita e dirigida por Neasa Hardman, chega à plataforma Cinema Virtual nesta quinta-feira (14).
Premiado no DaVince Festival como melhor filme ano passado e indicado na mesma categoria no Sitges - Catalonian International Film Festival, o longa de terror tem no elenco Hermione Corfield (Siobhan), Dag Malmberg (Professor), Jack Hickey (Johnny), Olwen Fouéré (Ciara), Dougray Scott (Gerard), Connie Nielsen (Freya), Ardalan Esmaili (Omid), Elic Bouakaze (Sudi).
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Ficha Técnica
Título original e ano: Sea Fever, 2019. Direção e roteiro: Neasa Hardman. Elenco: Hermione Corfield, Dag Malmberg, Jack Hickey, Olwen Fouéré, Dougray Scott, Connie Nielsen, Ardalan Esmaili e Elic Bouakaze. Gênero: Terror, suspense, drama. Nacionalidade: Islândia. Trilha sonora original: Christoffer Franzén. Fotografia: Ruairí O'Brien. Edição: Barry Moen, Julian Ulrichs. Figurino: Maeve Paterson. Distribuição: Elite Filmes. Onde assistir: Cinema Virtual. Duração: 01h35min.
Siobhan é uma estudante de pós graduação quieta e tímida, a perfeita imagem de nerd que se empenha em desvendar mistérios virtuais, mas que não consegue trocar duas palavras com outro ser humano. Ela é aconselhada, e praticamente obrigada, por seu professor a embarcar em um navio pesqueiro para fazer pesquisa de campo e ter algum contato com o mundo real. Sua missão seria apenas fotografar as espécimes que eles pescariam. Só que ela não poderia imaginar o que a aguardaria no interior da precária embarcação.
De start, a recepção já não é das melhores. A tripulação a vê como portadora de mau agouro por ser ruiva. As histórias de pescador irão fazer todo sentido no decorrer da viagem. Seguindo, o barco é impedido de seguir a rota original por uma criatura desconhecida, espécie de alien marinho que, como bom recurso de direção, se mantém oculta. Siobhan procura de todas as maneiras entender e desvendar o comportamento da criatura, enquanto os membros da tripulação começam a agir de forma psicótica, devido ao cansaço e à privação de sono.
O ritmo do filme é um pouco arrastado, talvez propositalmente, para prender a atenção e o foco no parasita que invade o barco, ameaça vidas e cria a necessidade de isolamento em caso de infecção. Não há uma explicação lógica sobre o que é a tal criatura ou de onde ele surgiu. Como o vírus que nos assola atualmente, o parasita ameaça a tripulação, abalando o psicológico, criando histeria e medo.
Contágio em Alto Mar é um filme introspectivo com cenas bem construídas e, no geral, a produção chega a um lugar considerável, porém os amantes de suspense e terror vão ficar um tanto quanto desapontados pela expectativa de maior inserção do gênero. E vale lembrar que ele chega em um momento propício em vista da pandemia.
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