Um filme que toca em uma questão que todos enfrentaremos algum dia. Filhos adultos responsáveis pelos pais idosos, pais que envelhecem e se tornam totalmente dependentes dos filhos. E nossa cultura não nos prepara para aceitar essa fase e já pensar em opções viáveis de convivência prática. Estar em qualquer uma destas posições não é tarefa fácil, principalmente quando o idoso em questão começa dar sinais de esquecimento e confusão mental além do normal esperado pela idade, atingindo a chamada "demência senil".
"Caracterizada pela perda progressiva e irreversível das funções intelectuais, como alterações de memória, raciocínio e linguagem, com perda da capacidade de realizar movimentos e de identificar objetos. Ocorre a partir dos 65 anos de idade e é a principal causa de incapacidade em idosos. A perda significativa da memória faz com que a pessoa não consiga se orientar no tempo e no espaço". Fonte: Tua Saúde
A partir desta perspectiva, o filme "Meu Pai" (The Father), baseado na peça de teatro de mesmo nome, escrita pelo francês Florian Zeller aborda o tema de maneira excepcional. O roteiro, do próprio Zeller e de Christopher Hampton, com o auxilio glorioso da edição, nos faz entrar literalmente ''dentro da cabeça" do idoso Anthony, brilhantemente interpretado por Sir Anthony Hopkins no alto de seus 83 anos. Este senhor, considerado um dos maiores atores em atividade e mais conhecido por interpretar o serial killer Hannibal Lecter em Silêncio dos Inocentes, dá um show de atuação no papel do sênior homônimo, contracenando com a britânica, Olivia Colman. Aliás, ambos os atores receberam nomeações ao Oscar deste ano. Esta é o segundo trabalho de Zeller como diretor, anteriormente ele conduziu um episodio de série documental, mas aqui entrega um resultado magnifico.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: The Father, 2020. Direção: Florian Zeller. Roteiro: Christopher Hampton e Florian Zeller - Adaptado de peça escrita e diriga por Zeller. Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Imogen Poots, Rufus Sewell, Mark Gatliss, Olivia Williams. Gênero: Drama. Nacionalidade: Reino Unido e França. Trilha Sonora Original: Ludovico Einaudi. Edição: Yorgos Lamprinos. Direção de Arte: Amanda DAzely e Astrid Sieben. Fotografia: Ben Smithard. Decoração do Set: Cathy Featherstone. Distribuidora: Califórnia Filmes. Duração: 01h37min.
O protagonista tinha até então uma vida independente e confortável em seu apartamento espaçoso e bem decorado em Londres. Ouvir suas árias de óperas e fazer suas refeições na cozinha bem equipada era uma constante. Mas ele começa dar pequenos sinais de confusão mental, o que acende o sinal vermelho da filha que tenta fazê-lo aceitar alguém que o ajude a se cuidar.
A filha o visita regularmente, porém ela também tem sua vida independente e planeja mudar-se para Paris com o namorado Paul. As desavenças começam quando Anthony dispensa uma cuidadora afirmando que esta roubou o seu relógio, objeto de apego de Anthony, que a filha localiza em seu esconderijo secreto. O utensílio pessoal se mostra como a chave que vai assinalar a perda do sentido de tempo/espaço do idoso.
O roteiro, a cenografia e a montagem são excepcionais. O expectador passa a ter a realidade vista sob a perspectiva do idoso, o que vai tornando tudo confuso e extremamente angustiante. Cenas reversas e repetidas, objetos fora de lugar, detalhes da mobília. Tudo embalado pela obra clássica preferida de Anthony Hopkins - que faz contribuições curiosas ao papel que foi pensado para ele. A desorganização do exterior reflete a desordem mental do idoso. Estaria aquilo tudo realmente acontecendo? Ou tudo não passa de um delírio senil?
E nós, como publico, vamos embarcando nessa viagem dúbia. Diferentes pessoas para um mesmo personagem, os apartamentos se confundem, um quadro que desaparece da parede, várias histórias de vida e profissões distintas.
O olhar vago transmite toda melancolia de uma vida que perde o brilho. E a iluminação do cenário reflete bem o modo estático do personagem. A filha, antes tão paciente, gentil e prestativa atinge seu limite. Já não sabemos se ela quer mesmo o bem estar do pai que a afronta constantemente. Suas feições de desamparo, seu olhar assustado, demonstram o quão difícil é conviver com um idoso debilitado mentalmente e equilibrar o cotidiano.
Questões se erguem sobre a ida de Anne a Paris. E, mesmo que cada espectador tenha suas dúvidas sobre, estas são respondidas. Ainda que Anthony destaque tanto que os franceses não falem inglês - pensamento normativo dos falantes da língua inglesa de que o mundo é que deve girar em torno deles e de que eles não tem obrigação de saber outro ídioma.
Ai está a perfeição do filme. O intuito não é dar "nomes aos bois", mas levar quem assiste a ter uma experiência sensorial. Como é estar na pele de Anthony. O quão angustiante isso pode ser. E o desamparo do idoso chorando por sua mãe é algo que mexe com o psicológico de qualquer um.
O diretor inspirou-se em situações de sua própria família e isso dá um grau de veracidade e emoção indescritíveis a história.
As atuações são tão convincentes e comoventes que ao final do filme nossa cabeça está tão confusa quanto a de Anthony. O filme nos faz refletir. Inclusive, todo elenco está excelente, desde Imogen Poots (Laura), Rufus Sewell (Paul), Mark Gatliss a Olivia Williams. Mas o reconhecimento máximo fica com Anthony e Olivia que merecem todos os aplausos.
Impossível sair deste filme sem se sentir tremendamente impactado. Até porquê todos ficaremos velhos (e que assim seja!), mas envelhecer com demência é trágico e assusta!
MEU PAI estreia nos cinemas nesta quinta-feira, dia 8 de abril, nas cidades do Rio de Janeiro, Brasília e Florianópolis e no dia 9 de abril, nas plataformas digitais, Now, Itunes (Apple TV) e Google Play disponível para compra. A partir do dia 28 de abril, o filme ficará disponível também para aluguel, nessas plataformas já citadas e também na Sky Play e na Vivo Play.
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