sexta-feira, 16 de abril de 2021

Paraíso | É Tudo Verdade

 

O cineasta Sérgio Tréfaut (Serge Trefaut), que se destaca na produção de filme documentário (sua obra Lisboetas recebeu o prêmio de melhor filme português no IndieLisboa 2004), nasceu no Brasil em 1965, filho de pai português e mãe francesa. Deixou o país ainda na adolescência, levando na bagagem, memórias e recordações. Voltou 40 anos depois para fazer um filme onde tentaria reencontrar tudo aquilo que guardou nas lembranças.

Inicialmente, o filme seria composto por imagens das pessoas que frequentam diariamente os românticos jardins do Palácio do Catete. Este bairro, na zona sul do Rio de Janeiro, se tornou importante após o Palácio do Catete se tornar a sede do Governo Federam em 1897. Tal situação durou até 1960, quando a capital brasileira foi transferida para Brasília. Hoje, o jardim do Palácio do Catete é um complexo formado por chafarizes, lago artificial, pontes, coreto, bistrô, estátuas e parque infantil. Regularmente, realizam-se no parque exposições de fotos, quadros, livros, eventos e apresentações de musica popular brasileira e samba.

O documentário se tornou o registro da rotina de frequentadores, funcionários, jardineiros, pessoal da manutenção e transeuntes, tendo a música como elo de ligação, canções que fazem parte do cancioneiro popular que marcaram uma época. Intercalando com imagens das apresentações amadoras, teremos os depoimentos e conversas espontâneas, repletas de indagações, reflexões e filosofia popular. Seremos expostos à verdades simples de um povo que vive o dia presente da melhor maneira possível, já que a idade avançada não lhes permite pensar adiante no futuro.

As cenas são simples e singelas, de enternecer o coração. Velhos amigos que se encontram para cantar e tocar uma seresta, a comemoração do aniversário da amiga, que de tanto convívio já se tornou família, o sussurro da letra da música ao pé do ouvido da idosa, que se sente acolhida e importante. Em sua maioria são pessoas humildes, com residências simples, mobília antiga, sem luxo algum. A fotografia é rica em detalhes. Um toca discos antigo, discos de vinil, a tv de tubo sobre a geladeira, fotos grudadas no vidro da cristaleira. É como se o tempo houvesse parado para esses idosos solitários, cuja única diversão é se reunir para cantar. Afinal, já dizia o velho ditado, quem canta seus males espanta!


O que fica muito claro nas imagens do documentário é a importância desses encontros diários na vida dessas pessoas. O passado romântico e simples que o diretor guardou na memória ainda vive no dia a dia desses idosos. Essas pessoas não deixam a seresta morrer. As letras das canções de outrora ainda fazem parte da memória. É musicoterapia no sentido mais puro e real.

Ao ver a senhora que se veste a passa sua maquiagem como uma adolescente que vai ao primeiro encontro; outra que conta detalhes de sua vida sempre cheia de atribulações e com a morte do companheiro, enfim, a chance de cantar; ou a que fala de como superou a depressão, percebemos como a música tem o poder de cura. Eu me emocionei ao relembrar as canções que ouvia meu pai cantar. E cantei junto.

Neste sentido o filme cumpre seu papel de reviver sentimentos puros. Talvez a geração mais jovem não perceba essa riqueza. O que ninguém podia imaginar era que uma Pandemia viria interromper as filmagens. As últimas cenas são de fevereiro de 2020. A partir de então, as serestas que aconteciam diariamente foram suspensas. A cantoria cessou, o choro tomou seu lugar.

E o que era para ser um registro feliz se tornou um tributo à essas pessoas que perderam a luta contra o vírus. Onde estarão hoje os que sobreviveram? Tristes e deprimidos por não ter o contato diário, certamente. Trefaut diz: "O Brasil que amei desaparece com eles." E nós choramos juntos essa perda!

*Obrigada Sergio Trefaut por imagens tão tocantes!


Serviço:
Veja a programação completa disponível aqui.
Serviço
16.04,às 19hrs - PARAÍSO 
Dir. Sérgio Tréfaut / Portugal, Brasil, França, 2021, 74’ 
Competição Internacional de Longas

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