sexta-feira, 25 de junho de 2021

Anna, de Heitor Dhalia


Heitor Dhalia é um importante diretor do cinema brasileiro recente, responsável por obras como Nina (2004), O Cheiro do Ralo (2006), Serra Pelada (2013) e outros. Sua marca registrada são temas polêmicos, roteiros afiados, personagens viscerais e grandes atuações. Anna, seu mais recente longa, realizado em 2019, não foge à regra! Que filme! Incômodo, cruel, instigante, te pega pelas tripas e dá um nó!

Um Pasolini nacional retratando em 106 minutos o embate entre um velho diretor de teatro irascível e intenso, Arthur (Boy Olmi), e uma jovem atriz ambiciosa e talentosa, Anna (Bela Leindecker). Um duelo com intuito de criar a verdadeira Ofélia, numa montagem da peça 'Hamlet', de Shakespeare. Esse grande amor ao teatro provoca a loucura dos protagonistas em criar o personagem inesquecível e um cruel jogo de humilhação, assédio moral, violência psicológica e sedução se instala nas coxias do teatro.


A violência e sadismo de algumas cenas incomoda tanto os outros atores da companhia teatral como nós, os espectadores do filme, mas o milagre da criação artística se desenrola aos nossos olhos e a Ofélia que ama loucamente o Hamlet nasce passo a passo, numa composição impressionante de Anna e Arthur. Todavia, surge a questão. É necessário tanto sofrimento para criar a arte? Quais os limites do assédio de um diretor a uma atriz?


O filme incomoda bastante nestes aspectos, inclusive por causa do teor sexual desse abuso físico e psicológico. O condução do cineasta claramente fica obcecada pela beleza da atriz, a sua Ofélia, e Anna passa por um calvário na sua criação da personagem suicida da peça Hamlet. Arthur a leva aos seus limites em cenas perturbadoras e violentas.

Os atores estão fantásticos! As cenas dos bastidores de uma companhia de teatro na montagem de uma peça tão importante quanto Hamlet são deliciosas. O teatro e o cinema são artes irmãs, mas ao mesmo tempo muito distintas. E quando elas se mesclam em um filme, o resultado é impactante. O trabalho de direção é muito importante nessa hora e Heitor Dhalia faz um grande filme e uma possível excelente peça de teatro. Ficamos curiosos em saber como ficaria o resultado final deste Hamlet, o príncipe louco da Dinamarca. Ser ou não ser, eis a questão.


Ao final da película, várias reflexões podem ser indagadas a partir dos questionamentos de cada um. Quem são os vilões ? A arte dispensa a ética? Que limites podem ser ultrapassados? Cinema tem que ser assim! Lançar perguntas, fazer com que pensemos e tiremos nossas conclusões, instigar nosso intelecto. 

Excelente filme adulto sobre teatro! Assistam!

Nota: 9/10.

Trailer

Ficha Técnica

Título Original: Anna, 2019. Direção: Heitor Dhalia. Roteiro: Nara Chaib Mendes e Heitor Dhalia.   Elenco: Boy Olmi, Bela Leindecker, Gabriela Carneiro Cunha e Tulio Starling. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Música: Hilton Raw. Som Direto: Jorge Rezende. Fotografia: Azul Serra. Arte: Dani Vilela. Figurino: Joana Porto. Maquiagem: Silva Rama Terra. Produção: Egisto Betti, Heitor Dhalia. Distribuição: IMOVISION. Duração: 106min.


O filme está em horário de Pré-estréia em alguns cinemas, mas chega as telas em 01 de julho. 

Serviço:

Anna

Programação de 24 a 30 de junho:

Niterói - Reserva Cultural (Pré-Estreia)

São Paulo - Reserva Cultural | Espaço Itaú Augusta (Pré-Estreia)

Rio de Janeiro - Estação Net Rio (Pré-Estreia dia 29/06)

Mais informações em: https://imovision.com.br/anna

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Crime em Roubaix | Belas Artes A La Carte

 

A partir da premissa de mostrar o lado humano de policiais e detetives de uma delegacia, fórmula repetida a exaustão em várias séries de televisão, Crime em Roubaix é um filme classudo do cine francês, que mostra crime, castigo, arrependimento, angústia, com personagens autênticos dostoievskianos circulando pelas ruas decadentes da cidade de Roubaix. Estreia de 17 de junho no streaming Petra Belas Artes A La Carte, este longa-metragem é um belo exemplo de cinema adulto, com protagonistas e antagonistas dúbios e complexos, em situações que poderiam ocorrer com qualquer um de nós.

Concentrando-se principalmente no Comissário Yacoub Daoud (Roschdy Zem), marroquino cuja família voltou para África e tem um sobrinho preso, e o detetive novato Louis Cotterel (Antoine Reinartz), europeu solitário que nas noites insones escreve longas cartas com seus pensamentos mais profundos, o roteiro mostra o dia-a-dia desta delegacia em Roubaix, cidade decadente do norte da França que tem por volta de cem mil habitantes, às voltas com estupros, fraudes, incêndios criminosos, etc. Até que um dia ocorre o assassinato de uma idosa por estrangulamento.

Essa estória policial também mostra os possíveis criminosos, viciados e malandros que se afundaram na vida. Pessoas que poderiam ter dado certo e que fracassaram miseravelmente na corrida da vida. Por exemplo, Claude (Léa Seydoux) e Marie (Sara Forestier), vizinhas viciadas, aparentemente um casal, que sempre alertam os policiais dos crimes no bairro.


Os atores estão ótimos, todos eles. O público recebe um excelente trabalho de elenco. E essa junção de policiais, criminosos e vítimas demonstra o quanto estamos próximos e como pequenos deslizes podem nos fazer pular de um papel social para outro. Essa visão adulta e profunda da vida nos faz terminar o filme mais empáticos com o próximo, pois percebemos o quanto somos parecidos e como a corrida da vida, a nossa largada, pode nos fazer tomar rumos diferentes.

No período entre a véspera do Natal e o começo do novo ano, Roubaix é fotografada nua e crua, uma cidade decadente e miserável, cheia de criminosos, com poucas opções de redenção e fedendo a desesperança, um caldeirão de várias etnias e nacionalidades, afundadas na pobreza e falta de oportunidades. Todos os personagens envolvidos nesse lamaçal de sofrimento, tentando sobreviver, mas às vezes fracassando miseravelmente. A cena final exibe uma largada de corrida de cavalos e nos faz pensar: como estamos nessa corrida da vida? Vamos fracassar ou ser vitoriosos?

Um excelente filme adulto com reflexões sobre a existência, o crime e o castigo!

ASSISTAM!

Nota: 8/10. 

Cardápio da Semana



Ficha Técnica

Título original e ano: Roubaix, une lumiere, 2019. Direção: Arnaud Desplechin. Roteiro: Arnaud Desplechin e Léa Mysius. Elenco: Roschdy Zem, Antoine Reinartz, Léa Seydoux, Sara Forestier. Gênero: Drama, Crime. Nacionalidade: França. Trilha Sonora Original: Grégoire Hetzel. Fotografia: Irina Lubtchansky. EdiçãoLaurence BriaudDuração: 120min.


Assista em https://www.belasartesalacarte.com.br/ 

Em Um Bairro de Nova York | Somente nos Cinemas

 

Os amantes de musicais devem ficar felizes com a super estreia do novo longa de Jon M. Chu ''Em Um Bairro de Nova York''. O lançamento, distribuído pela Warner Bros Pictures, é uma adaptação da peça escrita por Quiara Alegria Hudes e Lin-Manuel Miranda apresentada na Broadaway até o ano de 2011 e ganhadora de Tony Awards.

Na trama, latinos e afro-americanos falam de sonhos e como batalham para conseguir uma vida melhor na terra do Tio Sam ao passo que se perguntam se é realmente lá que está seu sonho ou em sua terra natal. Amores se jogam na vida, estudantes correm atrás de seus sonhos e pais, mães e avós fazem de um tudo para ajuda-los a conseguirem seu espaço ao por do sol.

No elenco, Anthony Ramos, Corey Hawkings, Olga Merediz, Leslie Grace, Gregory Diaz IV, Jimmy Smits, Melissa Barrera, e o criador do musical na broadway, Lin-Manuel Miranda

Trailer


Ficha Técnica

Título original e ano: In The Heights, 2021. Direção: Jon M. Chu. Roteiro: Quiara Alegría Hudes - adaptação da peça homônima da Broadway escrita por Quiara Alegria Hudes e Lin-Manuel Miranda. Elenco: Anthony Ramos, Melissa Barrera, Leslie Grace, Corey Hawkins, Olga Merediz, Jimmy Smits, Gregory Diaz IV, Daphne Rubin-Vega, Sthepanie Beatriz, Lin-Manuel Miranda. Gênero: Musical, drama, romance, comédia. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Alex Lacamoire, Lin-Manuel Miranda, Bill Sherman. Fotografia: Alice Brooks. Edição: Myron Kerstein. Figurino: Mitchell Travers. Distribuidora: Warner Bros Pictures. Duração: 02h23min.

Usnavi (Ramos) é um jovem trabalhador que reside no bairro Washington Heights com seu primo Sonny (Diaz IV) e sua avó Cláudia (Merediz), ou melhor, com a Abuela Claudia, visto que são de origem latina e usam o linguajar onde quer que estejam, apesar de também falarem o inglês. Ele tem uma paixonite pela encantadora Vanessa (Barrera) e, aparentemente, ela também retribui os sentimentos, mas ainda não sabe direito o que sente. Ele passa os dias em sua lojinha/mercearia atendendo clientes e tem uma novidade. Está tentando reaver o bar que seu pai havia construído beira-mar na República Dominicana, sua terra. ''El Sueñito'', como era conhecido o lugar, acaba por se tornar uma obsessão de Usnavi e ele tem de tomar uma decisão. Voltar e viver sua vida com os seus, ou ficar e tentar construir uma com o possível amor de sua vida.

Ao passo que a história do jovem tem protagonismo no filme, conhecemos também varias outras. Nina Rosario (Grace), filha de Kevin (Smits), um empresário no ramo das lavanderias, está de volta ao lar após ter ido cursar faculdade. A garota acaba sabendo que o pai não está bem financeiramente e resolve desistir de seu sonho. Todos no lugar não entendem o que ela está fazendo ali, mas ficam felizes em tê-la de volta. Principalmente, sua paquera, Benny (Hawkings).

Logo, o cotidiano de todos, desde uma ida ao clube nadar ou a mudança do salão de cabelereiros, se tornam grandes acontecimentos dentro da narrativa musicada. E Piraguero (Miranda), o vendedor de bebidas do bairro estará sempre a espreita vendo o que acontece.




Nosso protagonista é quem conta a história que vamos assistir e o faz a um grupo de crianças. Com ritmo latino e usando o rap como meio de expressão, são poucos os momentos em que a música não esteja presente na película. Aliás, todas as cenas também são coreografadas e imprimem muita inventividade da direção para exibi-las - uma câmera  que vai a todos os lugares estando ou não parada. Não há uso de fundo verde nestas horas e o que vemos é uma gama de figurantes protagonizando com muito sicronismo tudo o que o filme pede.

As músicas, para quem já conhece o trabalho de Lin-Manuel Miranda em Hamilton, outro grande sucesso da Broadaway, são empolgantes e controlam o ritmo do filme. Há tempo para romance, drama e diversão. Além de reflexão quando a Abuela solta um 'paciência e fé', Seu lema proclamado por todo o filme e que faz jus a correria de imigrantes que vão tentar uma vida melhor nos Estados Unidos. 

Trilha Sonora do Filme

 

In The Heights traz um elenco jovem e talentoso. Corey Hawkings esteve em Straigh Out of Compton: A História do N.W.A (leia os comentários aqui) e vem trilhando uma caminhada bacana nas telas. Anthony Ramos esteve em Hamilton e ganha aqui um papel que também foi de Lin-Manuel Miranda. E convence. 

Jon M. Chu foi responsável pela condução do aclamado 'Podres de Rico' (leia aqui os comentários) e aqui consegue enaltecer a cultura latina, mas não tanto nos fazer esquecer de que o filme é, na verdade, uma peça teatral. Contudo, muito bem realizada e com um elenco tão gigantesco que fica impossível não entender a beleza e o sucesso do trabalho de Miranda.

Obviamente, a peça da broadaway possuia mais números e uma duração maior, portanto, ao ser levado ao cinema 'Em Um Bairro de Nova York'' ganha alterações e exclusão de alguns momentos da obra original. Ainda assim, entrega um filme de quase duas horas e trinta minutos e, mesmo que seja impactante pela mensagem de aceitação dos imigrantes latinos ou ainda da comunidade negra, soa repetitivo a certa altura. 

Avaliação: Três sonhos cheios de ritmo (3/5).

SOMENTE NOS CINEMAS  

See ya !

B-

A Boa Esposa | Assista nos Cinemas

Paulette Van Der Beck (Juliette Binoche) inicia o filme a espera de sua nova turma no Instituto que leva seu sobrenome, uma escola que prepara garotas adolescentes para serem boas esposas e mães. As aulas incluem: cozinhar, passar, costurar, moral e bons costumes. O problema já surge assim que as novas “recrutas” chegam e Paulette percebe que são 15 a menos que no ano anterior. A freira Marie-Therese (Noémie Lvovsky), que compõe o quadro de professoras, confirma o medo da ruína da escola ao avisar à diretora Paulette que entre as novatas consta uma ruiva. Uma ruiva! Para a freira, o prenúncio da ruína.


Na verdade, o filme inteiro se volta para a ruína não apenas do Instituto, mas dos próprios costumes que são ensinados em tais escolas para garotas. O filme se inicia com um letreiro contando que já chegou a existir mais de mil instituições como a Van Der Beck pela França, mas as mudanças estavam prestes a chegar com os protestos estudantis de Maio de 1968 que balançaram o país para sempre. Portanto, toda a narrativa posiciona a estrutura dessas escolas – e a estrutura patriarcal, por consequência – como antiquadas e ridículas. 


Seguimos então através desse sentimento de ridículo e o diretor se apropria disso para dar um tom leve a tudo, mesmo passando por situações, que se levadas a sério, seriam tensas. Essa leveza pode facilitar a entrega do discurso feminista ao qual o filme se interessa, mas também o limita já que quase todas as questões apresentadas acabam soando simplistas. Mesmo momentos que funcionariam com a sutiliza do gesto, como Paulette experimentando uma calça, têm pouco impacto (ou pelo menos, um impacto menor do que o roteiro apontava).

Trailer

Ficha Técnica

Título original e ano: La Bonne Èpouse,2020. Direção: Martin Provost. Roteiro: Martin Provost e Séverine Werba. Elenco: Juliette Binoche, Yolande Moreau, Noémie Lvovsky, Edouard Baer, François Berléand, Clémence Blondeau. Gênero: Comédia. Nacionalidade: França. Trilha Sonora Original: Grégoire Hetzel. Fotografia: Guillaume Schiffman. Distribuição: Califórnia Filmes. Duração: 109 min  

O longa então segue nesse ritmo de 'quase lá'. Tanto em termos de discurso, quanto em desenvolvimento de personagens. Nem as professoras, nem as alunas têm espaço para desenvolverem suas tramas, mesmo que haja tentativa para isso. O roteiro tenta entregar essas tramas paralelas à principal, de Paulette, mas todas são apenas mostradas de vez em quando e se resolvem como podem. 


A Boa Esposa é um filme leve e sem muitas pretensões. Não tenta fingir que tem respostas complexas sobre assuntos sérios, o que pode agradar ou incomodar na mesma medida. Ao entregar o que promete, o filme de Martin Provost decide por mostrar o ridículo dos costumes franceses (e do mundo ocidental) de 50 anos atrás e imagino que faça isso na esperança de que os costumes de hoje sejam vistos da mesma forma no futuro.


SOMENTE NOS CINEMAS

Veneza


A segunda direção de Miguel Falabella para o cinema chega aos cinemas esta semana pautando a realização de sonhos no campo do realismo fantástico. Inspirado na peça do argentino Jorge Accame, Veneza mostra referências claras a Fellini e traz a estrela espanhola Carmen Maura no papel da matriarca Gringa. 

Gringa é uma meretriz espanhola que fez parte da pequena porcentagem das mulheres de sua profissão que foram tiradas da “zona” pelo casamento com um homem abastado e apaixonado. No entanto, ela rouba dinheiro do marido e foge para o Brasil, onde pode realizar seu sonho: gerenciar a sua própria casa de prostituição. A trama de Veneza dedica certo tempo a contar essa história através de flashbacks intercalados com a linha do tempo principal, na qual Gringa está muito velha, doente, cega e se arrepende do que fez com seu marido Giacomo, com quem iria para Veneza não fosse a fuga.

As demais personagens do elenco principal são Rita, Madalena e Gerusa - outras prostitutas que Gringa acolheu em momentos difíceis de suas vidas - e Tonho, o filho de uma já falecida companheira da espanhola. O roteiro reitera constantemente o funcionar dos cinco como uma família, chegando a colocar isto em palavras. O fato de que Tonho abusa sexualmente das demais em troca de alguns serviços que presta para o bordel e que ocasionalmente as agride parece não estragar essa dinâmica e não é questionado em momento nenhum, o que por si só já é um dos pontos baixos do filme.


O longa-metragem tem um registro mágico endossado pela linguagem teatral, circense e fantástica empregada desde o início pelo letreiro, pelo cenário externo do bordel e por cenas como a primeira, que estabelecem o tom. A impecável direção de arte e a fotografia que por vezes remete a um teatro filmado têm papel essencial nesse aspecto. Tal característica atinge seu ápice ao final da obra, mas mesmo antes, consegue emocionar. O enredo parece se dar em um tempo suspenso que é impossível definir com exatidão. Embora a estética de diversos elementos aponte para décadas remotas, Madalena menciona para sua amante a possibilidade do uso da internet. A tecnologia contemporânea não chega a ser vista em tela. E à exceção de uma cena em que Rita percorre as ruas da cidade, os cenários e objetos condizem com tempos passados. A ambientação imprecisa contribui para a evocação de um clima fabulesco. Todavia, há uma armadilha nisto. Essa impressão de uma bolha temporal mágica funciona perfeitamente na diegese. Mas quando este mesmo elemento se aplica à direção e produção da obra, não se pode dizer o mesmo. Veneza parece um filme do século XX. Principalmente na visão romantizada que confere à prostituição. As personagens passam por dificuldades financeiras e é evidente que são solitárias. Mas o mesmo olhar mágico recai sobre esses fatos e ao invés de pessoas marginalizadas, as mulheres são tratadas como sonhadoras, batalhadoras e livres. O sexo para elas não é algo importante. É utilizado como moeda de troca tanto para ganhar dinheiro quanto para pagar por serviços e favores e esta questão é tratada com frivolidade. Por vezes chegam a manifestar ojeriza e tédio ao cumprirem seu trabalho, mas tal reação não passa de um chiste pontual e não chega a ser tematizada.

Outro elemento antiquado é o arco narrativo da personagem trans. Amante de Madalena, Júlio está em processo de transição e se encanta ao vestir uma peruca emprestada e ao tocar os seios da companheira e imaginá-los em si. A trama não estava presente na peça que deu origem ao filme. O que traz questionamentos: se Falabella inseriu esse plot em um roteiro que é inteiro fantasioso e mostra os acontecimentos ruins sob uma ótica poética e metafórica, por que dar justamente à personagem trans um desfecho trágico? Desfecho este sem consequências, sem tom de denúncia, sem gerar sequer um debate. Por que a dura realidade do Brasil de 2021 se aplica a Júlio, mas todo o restante é mágico e sublime (inclusive a prostituição)?

Sopesados os elementos e os impactos que os mesmos possuem, Veneza é uma obra consistente em termos técnicos e visuais. O elenco de renome está bem dirigido e convence em seus papéis. A identidade visual é firme em sua proposta e, junto aos atores, acaba por emocionar. Não obstante, é um filme que já nasce ultrapassado por sua identidade narrativa.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Veneza, 2021. Direção e Roteiro: Miguel Falabella. Elenco: Dira Paes, Du Moscovis, Carmen Maura, Carol Castro, Danielle Winits, Caio Manhete, Roney Villela. Gênero: Fantasia, Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Arte: Tulé Peake Trilha Sonora Original: Josimar Carneiro. Edição: Diana Vasconcellos. Fotografia: Gustavo Hadba. Distribuição: Imagem Filmes: . Duração: 91min.

SOMENTE NOS CINEMAS

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Diversas Cores, Lutas e Sons | PRIDE MONTH


Ao segundo domingo de julho, mais precisamente dia 14, ao som de muitas músicas, claras manifestações contrárias ao atual governo do País e relembrando marcos da luta por direitos iguais, ocorreu a 22ª Parada LGBT de Brasília (2019) celebrando a diversidade, ao longo do eixo monumental homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais dançando e cantando ao som de 7 carros de som que compunham a festa ao longo do Eico Monumental.

A 22ª Parada iniciou sua festa no centro de decisões políticas do país, Congresso Nacional, se dirigiu a Torre de TV finalizando seu percurso no coração do Plano Piloto , a Rodoviária. O evento-manifesto reuniu cerca de 160 mil pessoas, segundo a organização do evento, ao som de diversos artistas como Gloria Groove, Aretuza, Pabllo Vittar, Rupaul, Johnny Hooker, Ludmila, Karol Conka, Lineker, Rico Dalasam, Jaloo, MC Linn da Quebrada,Rosa Luz, Majuralém de uma diversidade de artistas brasilienses.


A festa foi diversa não apenas pelas diversas letras que compõem a sigla mas também pelos diversos corpos e afetos que podiam livremente manifestar seus sentimentos seja segurar de mão, troca de abraços ou em beijos e carinhos.

Mais Amor, Por Favor!


Para continuar no clima da parada, segue uma Playlist com 62 artistas LGBT’s nacionais com suas diversas linguagens para celebrar.

 
Fotos de Marcela Villa Real (Ig @marcelavreal)

Nota da EDITORA: 
Voltamos o post da Marcela para os recentes, para rememorar este dia tão incrível de celebração e luta!
VIVA AS GAY!

*Post publicado em 06/08/2019

O Mau Exemplo de Cameron Post - Assista no Belas Artes A La Carte


Procurando a cura onde não há doença.

O Mau exemplo de Cameron Post, dirigido por Desiree Akhavan, é uma adaptação do livro de Emily M. Danforth que o escreveu influenciada por sua própria história. Vencedor do Prêmio do Grande Juri no Festival Sundance em 2018, o filme foi distribuído no Brasil pela Pandora Filmes e foi uma das novidades do Projeto 'Caixa de Pandora' no ano de 2019.

Na trama, Cameron (Chloë Grace Moretz), uma jovem que está terminando os estudos, vive algo intrigante, namora um dos garotos da turma, mas nitidamente não gosta dele. Na verdade ela está apaixonada pela amiga Coley Taylor (Quinn Shephard), com quem mantém encontros furtivos. No baile de formatura, a garota é flagrada pelo namorado em cenas picantes com Coley. Boatos correm e a família extremamente religiosa resolve tomar providências a respeito. Cameron é orfã e vive com a tia super conservadora. Assim, seguindo uma prática usual em muitos estados americanos desde 1890, é então enviada para um Centro de Conversão chamado 'God's Promise'. O local é uma espécie de "AA" onde procura-se "curar" os jovens de suas "más" tendências. Ali os internos são ensinados a rever suas condutas homossexuais, pois estas são tidas como pecaminosas para conseguirem seguir em frente e reconstruir suas personalidades mediante os dogmas repassados. O tratamento consiste em analisar as vidas destes indivíduos, além de suas atitudes, como se estes fossem um iceberg. Acima da superfície está o que se vê e como são, no caso, homo afetivos, e abaixo da superfície estariam as causas que o levam a agir como tal e que segundo o "método" devem ser modificadas e curadas. Os internos tem sessões em grupo e individuais visando encarar coisas que talvez preferissem não confrontar.

Trailer

Ficha Técnica

Título original e ano: 2018. Direção: Desiree Akhavan. Roteiro: Desiree Akhavan e cecilia Frugiuele - adaptação do livro de Emily M. Danforth. Elenco: Sasha Lane, Forrest Goodluck, John Gallagher Jr., Jennifer Ehle, Chloë Grace Moretz, Quinn Shephard. Gênero: Drama. Nacionalidade: EUA, Reino Unido. Trilha Sonora Original: Julian Wass. Fotografia: Ashley Connor. Edição: Sara Shaw. Figurino: Stacey Berman. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 01h31min.
"Um dos primeiros passos mais importantes é você parar de pensar em si mesma como homossexual. Isso não existe. Não torne seu pecado especial." (Trecho retirado do livro)
Os discípulos do senhor, como são chamados estes jovem em busca de cura por livre e espontânea pressão, devem descobrir quem são durante o processo e escrever seus problemas deixando os abaixo da superfície. O que se assiste é um abuso psicológico sem tamanho. O "acampamento" transmite uma sensação de enclausuramento e sufoco e as cenas tem um colorido hospitalar para envolver o espectador no processo de "cura" e criar uma sensação de  empatia com os personagens. Incômodo e repugnante o filme deixa a qualquer um atônito em ver o que estes adolescentes passam. Um absurdo que ainda existam pessoas que pensem desta maneira preconceituosa e submetam outras a tal tipo de violência.


Na instituição, Cameron faz amizade com Jane (Sasha Lane) e Adam (Forrest Goodluck) e juntos eles resistem bravamente e tentam sobreviver aos discursos moralistas e abusivos dos coordenadores do centro Lydia (Jennifer Ehle) e o irmão Rick (John Gallagher Jr.) supostamente curado de sua homossexualidade.

Por fim, o que se tem é uma jovem mulher descobrindo sua sexualidade e se encontrando com a "família" que a reconhece como ser inteiro e a aceita como tal. Afina, muitas vezes os amigos tem essa força em nossas vidas e nem sempre a família de sangue tem. 


"E eu choro às vezes deitada na minha cama, apenas para tirar o que está na minha cabeça. Me sinto um pouco peculiar. E eu grito - o que está acontecendo?" (4 Non  Blondes)
A história de Cameron se passa no verão de 1989, porém pode perfeitamente ser transposta para os dias atuais, onde famílias conservadoras ainda criam seus filhos sob dogmas de um discurso religioso de certo- errado, vendo sua sexualidade como algo a ser moldado de acordo com seus pré- conceitos, forçando indivíduos a disfarçarem atitudes e sentimentos para se sentirem "aceitos" no contexto social.
Um filme com uma temática atual e extremamente necessária.

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quinta-feira, 10 de junho de 2021

Spirit - O Indomável | Somente nos Cinemas


Lucky Prescott é uma jovem de muita personalidade e tem dado trabalho ao avô e a tia.  O trio mora na cidade grande e pertence a uma família renomada na sociedade. Com os últimos acontecimentos, Lucky acompanha tia Cora em uma viagem ao vilarejo onde o pai da menina, Jim, vive e trabalha. Por lá, ela faz novos amigos e também conhece o Corcel selvagem Spirit. Além de saber mais sobre o passado da mãe.

Spirit - O Indomável é dirigido por Elaine Bogan e Ennio Torresan e traz de volta as telas o personagem adorável apresentado no belíssimo ''Spirit - O Corcel Indomável'' (2002) e que foi reintroduzido ao público na série infantil ''Spirit - Caminhando Livre'' (2017), disponível na Netflix. A trama tenta retomar as ideias de liberdade, amizade e conexão familiar, apresentadas no primeiro filme, mas em um tom menos adulto do que aquele. Tem momentos engraçadinhos, vilões cheios de marra, personagens representativos, mas o traço do desenho se distingue bastante do filme de Kelly Asbury e Lorna Cook.

No áudio original, temos a participação de Jake Gyllenhaal, Julianne Moore, Andre Braugher, Eiza González, Marsai Martin, Mckenna Grace, e Isabela Merced. O filme entra hoje em cartaz com cópias dubladas.


Ao passo que Lucky (Merced) se reencontra com o pai (Gyllenhaal), entende que este ainda está muito traumatizado pela morte da mãe da garota, Milagro (González). A mãe de Lucky fazia parte de um grupo de mulheres que se apresentavam em cavalos e veio a falecer por conta de um acidente. Quando vai conhecer as redondezas da sua nova casa, encontra as garotas Pru (Martin) e Abigail (Grace), ambas são ótimas com cavalos e Lucky fica encantada. 

O Pai de Pru, Al (Braugher), alugou seu curral para que uns homens recém chegados ao lugar treinassem seus cavalos. Um dos bichos capturados, é muito selvagem e vem sofrendo muito por estar preto ali. Lucky sente empatia pela situação do cavalo e começa a alimentá-lo e se aproximar dele, criando um novo lado de amizade dia-após-dia. Jim não concorda com as atitudes da menina e pede que ela pare de se encontrar com o Corcel Selvagem. Certo dia, ela consegue o montar e ele foge com ela na garupa chegando a lugares perigosos da região. Esse 'espirito indomável' ganha o nome de Spirit da garota e está em busca dos seus que devem o estar procurando pela região. Enquanto isso, os homens que o pegaram tramam raptar também todos os cavalos d ogrupo de Spirit e levar dali para faturar um bom dinheiro. As meninas não necessariamente sabem deste plano, mas assim que estão correndo com seus cavalos vêem tudo acontecer e saem em busca de ajudar Spirit e a família. 

Na primeira imagem, o filme com Lucky e Spirit, na segunda, Spirit com seu amigo Little Cricket na versão de 2002.

A narrativa tem um tom bastante infantil e pode divertir a tarde dos pequenos. Cheia de falas inusitadas e, que provavelmente sairia da boca de uma criança, diverte e consegue convencer ao que se propõe. O traço mais moderno também alcança facilmente a turminha. O filme tem ligação direta com a série de oito temporadas que a menina Netflix tem disponível em seu catálogo, então para quem já assistia, tem mais uma aventura de Lucky para acompanhar. Nesta versão, é comum ver diversidade na tela com personagens negros e latinos tendo representatividade em tempos passados de um Tio Sam explorador de suas próprias terras.

Contudo, a animação se distancia bastante da proposta de 2002. Aquela vinha com um tom mais universal e adulto, ainda assim agradou muitas famílias por todo o mundo. Outro aspecto incrível do filme anterior é que não havia tantas falas e conhecíamos com muita clareza os pensamentos do cavalo. Naquele, aliás, tivemos a participação de Matt Damon para a dublagem de Spirit. E a trilha sonora era um personagem a mais dentro da história. Na versão norte-americana e francesa, Byan Adams era o responsável por todas as canções e cada uma falava intimamente ao que estava acontecendo na tela. No Brasil, o conteúdo musical foi traduzido e cantado por Paulo Ricardo.

Trailer


Ficha Técnica

Título original e ano: Spirit Untamed, 2021. Direção: Elaine Bogan e Ennio Torresan. Roteiro: Aury Wallington, Kristin Hahn e Katherine Nolfi - baseado nos personagens criados por John Fusco  e Aury Wallington. Audio OriginalJake GyllenhaalJulianne Moore, Andre Braugher, Eiza González, Marsai Martin, Mckenna Grace, Isabela Merced. Gênero: Animação, aventura, família, velho oeste. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Amie Doherty. Fotografia: Robert Edward Crwaford. Edição: R. Orlando Duenas. Distribuição: Universal Pictures/Warner Bros Picutres Brasil. Duração: 01h28min.

Com uma direção convencional e um claro olhar infantil, Spirit tem sua valia e pode agradar não só as crianças que já conhecem a série, mas aos que sabem da jornada do cavalo de alma livre. Boa pedida para a programação do fim de semana para toda a família.


SOMENTE NOS CINEMAS

Acqua Movie | Assista nos Cinemas

 
Nesta continuação passada cerca de dez anos depois de Árido Movie (2005), o então protagonista Jonas sofre uma morte abrupta nos primeiros minutos do filme e passamos a acompanhar seu filho Cícero em uma viagem para a cidade natal do pai a fim de dar um destino a suas cinzas, jornada análoga a do primeiro filme.

Com seus treze anos aparentes, Cícero é um personagem bem construído na volatilidade de sua pré-adolescência: os rompantes de amor e ódio com a mãe; seus hábitos de criança mimada da cidade grande contrastando com o desejo de conhecer o novo, o rio, os animais; sua opinião preconceituosa acerca dos indígenas colidindo com a curiosidade e a abertura para viver novas aventuras com estes; a receptividade ao tio Múcio apesar de querer respeitar os desejos de Jonas. Tais contradições que em personagens adultos seriam um defeito, aqui surgem com beleza através do deslumbramento do olhar ainda infantil.

As boas interpretações de Antônio Haddad (Cícero), Alessandra Negrini (Duda), Augusto Madeira (Múcio) e Marcélia Cartaxo (Cátia) encontram problemas em uma direção de atores truncada que funciona em interações um a um, mas que desanda no momento que um terceiro elemento entra em cena, gerando momentos como o do almoço na fazenda, em que o estranhamento vislumbrado ultrapassa a mera estranheza pretendida entre os personagens.


Além disso, o filme não se decide entre o registro completamente naturalista e um tom que extrapola o realismo, seja para o caminho do fantástico ou para o caminho do escracho, o que causa enorme inconsistência, impedindo o espectador de se acostumar com um ou outro.

Mas o grande defeito do longa-metragem é não conseguir evocar a estética da água quando o rio não está sendo mostrado. Por mais que isso tente ser feito através de garrafas de água mineral, aquários e da presença do surf na vida de Cícero por meio de quadros e jogos eletrônicos, no fim das contas a estética da aridez predomina, principalmente pelo uso de cenas estouradas e luz amarela forte. O uso de planos com movimentos fluidos poderia cumprir essa função, mas estes são intercalados demais por planos estáticos em uma montagem dura.

O encanto da obra reside nas sequências aquáticas da primeira cena e do Rio São Francisco e naquelas que traz a presença dos povos indígenas, seja em seu protesto por demarcação de terra, seja em seus rituais ou em seu dia-a-dia na Ilha de Conceição.

Trailer


Ficha Técnica

Título original e ano: Acqua Movie 2019. Direção: Lírio Ferreira. Roteiro: Lírio Ferreira, Marcelo Gomes e Paulo Caldas. Elenco: Alessandra Negrini, Antonio Haddad, Augusto Madeira, Guilherme Webber, Marcélia Cartaxo. Gênero: Drama, Road Movie. Nacionalidade: Brasil.  Trilha Sonora Original: Antônio Pinto. Edição: Vânia Debs. Fotografia: Gustavo Hadba. Distribuição: Imovision: . Produção: Chá Cinematográfico. Duração: 105min.

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