Fabulesco, surreal e alegórico, Um Animal Amarelo, de Felipe Bragança, chega a ser difícil de descrever. Centrado no personagem de Fernando, um cineasta da classe média carioca que é mostrado desde a infância, o filme passeia pelo Brasil contemporâneo, pelo Brasil do passado, por Moçambique e por Portugal, traçando uma rota temática da formação da nossa dita nação. Passeia também, propositalmente, por alguns tropos marcantes, flertando com diferentes gêneros do cinema em aventuras recheadas de realismo fantástico que levam o protagonista Sebastião, papel de Higor Campagnaro, a se envolver com sua vizinha Luísa, tentar minerar pedras preciosas na África, virar servo de um trio moçambicano para tentar vender pedras semelhantes na Europa, onde vive um grande amor com Suzaninha, que sonha substituir seu coração por um grande rubi, assim como fez com seu clitóris.
Porém, para descrever a obra de forma mais simples, basta dizer que este é um filme sobre heranças. A herança de um povo e a herança de um homem. Sebastião herda um karma, um destino, um desejo, um amuleto, cacarecos sentimentais e um monstro peludo e amarelo que o acompanha e lhe serve de agouro. Esse legado vem parte de seu avô e parte da sina de homem branco brasileiro.
O live action - permeado aqui e ali por cenas pontuais em uma animação bonita e instigante - adiciona a seu caldeirão de elementos o fator metalinguístico, transformando a narrativa em um ciclo em que os acontecimentos são experienciados enquanto fatos e arremedos. Separada em capítulos, a história nunca é desinteressante. A linguagem e estética menos ainda. No entanto, tudo é costurado com um ritmo heterogêneo que torna-se cansativo ao decorrer de tantas experimentações distintas.
E este não é o único ponto sensível. Talvez por referenciar tanto algumas construções marcantes do cinema mundial, como a da femme fatale e da manic pixie dream girl, o filme de Felipe Bragança caia no equívoco de retratar as mulheres ainda com os vícios do male gaze, aquele olhar masculino objetificante que mostra-se presente principalmente nas cenas de nudez. E cabe dizer que as críticas à branquitude heteronormativa do homem médio marteladas pela narração de Catarina (Isabél Zuaa) constroem uma mea culpa que não funciona em sua totalidade a ponto de comprarmos Sebastião como o protagonista controverso e interessante que o roteiro pinta.
Trailer
Título original e ano: Um Animal Amarelo, 2020. Direção e Roteiro: Felipe Bragança.Elenco:Higor Campagnaro, Schnapps, Isabél Zuaa, Catarina Wallenstein, Tainá Medina, Herson Capri, Thiago Lacerda, Sophie Charlotte. Gêneros: Drama, Fantasia. Nacionalidade: Brasil e Portugal. Fotografia: Glauco Firpo. Direção de Arte: Dina Salem Levy. Produção: Marina Meliande, Luis Urbano. Distribuidora: Olhar Distribuição. Duração: 115 min.
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