sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Setembro Amarelo: Representatividade na Literatura


Estamos em setembro, mês das campanhas de conscientização e prevenção de suicídio. É um tema que ainda é um grande tabu. Pouco ainda é realmente discutido sobre saúde mental e muitas vezes são perpetuadas na mídia noções que contribuem para a existência desse estigma.

Eu sofro de depressão e ansiedade desde que era adolescente e por muito tempo eu me senti um ET, isolado e único em meu sofrimento. Hoje, é ainda muito difícil separar onde acaba a doença e eu começo. Por isso, é muito importante ter obras que tragam uma representatividade real, que façam você se enxergar e perceber que não está só. Elas também podem ajudar pessoas que tenham um ente querido que enfrente uma luta com a saúde mental a entenderem como essa pessoa se sente, para assim saber como ser de auxílio.

Trouxe aqui uma listinha com alguns livros que lidam com saúde mental e que eu super indico!

Observação: como os livros lidam com temas delicados, fica aqui o aviso de gatilhos!

Redoma de Vidro (Sylvia Plath)

Um dos grandes clássicos da literatura, o livro é tão comentado quanto a vida de sua autora, a escritora Sylvia Plath. Não poderia ser diferente, já que o livro é uma obra semiautobiográfica. Eu confesso que por muitos anos adiei a leitura, com medo de ser muito pesado. Quando finalmente parei para ler, me surpreendi. Sim, Sylvia lida de forma muito real e pungente com depressão, mas não é aquele livro cheio de tragédias. Ele é provocativo e te faz refletir sobre as pressões que a gente sofre para sermos pessoas “funcionais” na sociedade, como não há um cuidado e tolerância para transtornos mentais. É algo que a sociedade no geral não endente, e pior, vilaniza e oprime quem sofre como ela. O livro é considerado um grande clássico feminista, pois escancara as pressões que as mulheres – não só da época,  mas ainda hoje – sofrem para exalarem perfeição.

A história é centrada na personagem Esther Greenwood, que vai participar de um estágio em uma revista de Nova York. A vida na cidade nova trás grandes oportunidades, um ciclo social badalado e muitas expectativas. Porém, enquanto as colegas de Esther parecem se encaixar, ela começa a sentir um grande vazio. Ela, então, começa a questionar sua posição e seu futuro, o que gera uma grande uma crise existencial.   

"Para a pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imóvel como um bebê morto, o mundo inteiro é um sonho ruim."

Os Sofrimentos do Jovem Werther (Goethe)

Quando foi publicado, em 1774, na Alemanha, a obra gerou uma onda de suicídios pela Europa; o que mais tarde ficou conhecido como “efeito Werther”. Se ainda hoje “saúde mental” é um grande tabu, imagina no século XVIII! O que Goethe fez em sua obra prima foi dar voz ao sentimento que muitas pessoas carregavam em si, mas não conseguiam expressar. Talvez hoje em dia, ao ler o livro, você julgue as motivações do personagem (estamos afinal falando do ultrarromantismo), porém tudo o que ele descreve é muito identificável. Eu sinto que a depressão se manifesta de forma muito individual e pessoal, porém, ainda assim, é uma doença que deixa marcas que são universais. Eu vivo levando frases do livro pra terapia!

O livro é organizado em cartas que Werther manda para seu amigo Wilhelm. Werther é um artista e ele muda para uma pequena vila em busca de uma vida mais simples. Ele se encanta não só pela vila, mas também pela jovem Charlotte. Só tem um problema: a moça não retorna os sentimentos e acaba noiva de Albert. A angústia do amor não correspondido leva Werther a afundar cada vez mais em um poço de dor e sofrimento (você fica: meu deus homem, para com isso. É só um crush! Mas ao mesmo tempo se identifica profundamente com a dor e o vazio que ele descreve).  

"E tu, boa alma, que sentes o Ímpeto da mesma forma que ele sentiu, busca consolo em seu sofrimento e deixa que o livreto seja teu amigo se, por fado ou culpa própria, não puderes achar outro mais próximo do que ele."

Pessoas Normais (Sally Rooney)

Agora saindo dos clássicos e indo para obras contemporâneas. É muito bom ver que tem crescido a conscientização e a discussão sobre saúde mental na mídia. “Pessoas Normais” deu origem a uma série de mesmo nome que ano passado fez bastante sucesso e foi muito comentada (leia resenha da Bárbara sobre a adaptação aqui). A história segue o relacionamento de Marianne e Connell, desde a época do colégio até os últimos anos da faculdade. A autora faz um trabalho de construção de personagens fantástico. Marianne e Connell são ambos complexos, com suas virtudes, falhas e desafios. É daquele tipo de livro que você se apega intimamente aos personagens e sofre junto.

Connell é filho de mãe solteira. Na escola, ele é aquele garoto popular, que todo mundo gosta e todas as garotas querem. Porém, ele tem um lado sensível e inseguro que esconde. Quando se apaixona por Marianne, a garota esquisita do colégio, ele tenta esconder o relacionamento, pois tem medo do que as pessoas vão dizer. Mais tarde, Connell vai estudar em uma cidade grande. O que ele não esperava era ter tanta dificuldade para formar laços com os novos colegas. A solidão começa a ficar pesada. Na série tem uma cena em que o Connell desabafa para a terapeuta que é simplesmente de quebrar o coração. O ator Paul Mescal arrasou.

Já Marianne é vivida pela igualmente talentosa Daisy Edgar-Jones na série (disponível na Starzplay). A personagem tem muitas camadas. Marianne vem de um lar abusivo, com pais ausentes e uma mãe agressiva. Por isso, ela cresceu aprendendo que amar e sofrer são indissociáveis. Além disso, ela não acha que merece afeto real. Ela sempre se mete em cada roubada! O livro debate muito sobre relacionamentos tóxicos e auto estima através da personagem da Marianne.

“Marianne tinha a sensação de que sua vida real estava acontecendo em algum lugar distante, acontecendo sem ela. E ela não sabia se algum ia iria encontra-la ou mesmo fazer parte dela.”

O Lado Bom da Vida (Matthew Quick)

Outro livro que virou filme e, me atrevo a dizer, que esse é um dos raros casos em que o filme é melhor que o livro. As mudanças que o diretor David O. Russell fez (e eu nem gosto muito dele) trouxeram para a história uma profundidade ainda maior.

O protagonista é Pat Peoples, um professor que após flagrar a esposa o traindo teve um surto psicótico e foi admito em um hospital psiquiátrico. O livro começa após seu tempo no hospital, quando ele vai morar com os pais. Ele acredita que sua vida é como um filme, onde há conflitos antes de chegar ao final feliz, que seria conseguir reconquistar a esposa, Nikki. Ele conhece Tifanny, uma jovem que também mudou de volta para a casa dos pais após a morte de seu marido. Tiffany conhece Nikki e promete que vai ajuda-lo com a ex se ele aceitar ser seu parceiro de dança em uma competição. É uma história mais leve, que mostra como você pode encontrar alguém que realmente enxerga quem você é como um todo.

“A vida é escrota, aleatória e arbitrária, até que se encontre alguém que faça tudo isso fazer sentido, mesmo que apenas temporariamente.”

The Charm Offensive (Alison Cochrun)

Esse foi um dos últimos livros que eu li. É uma delícia! Daqueles que te deixam super envolvido e com o coração quentinho. Refletindo sobre meu estado de solteirice perpétuo, eu fico sempre me perguntando se eu simplesmente não sou “demais” para alguém aguentar; se sou muito instável, muito quebrado, muito antissocial e etc.. Histórias como essa são como um sopro de ar fresco, trazendo esperança de que há alguém para mim por aí (se é você, por favor entre em contato).

Dev é produtor de um reality show, Ever After. Claramente inspirado em The Bachelor, o programa coloca 12 mulheres para disputar um “príncipe”. Dev sempre acreditou na fantasia de finais felizes para sempre, mas não é o que ele tem encontrado na vida pessoal. Mesmo assim, ele continua certo que o programa é uma grande oportunidade para as pessoas acharem o amor da vida delas. Imagina o quão incomodado ele fica ao descobrir que o novo “príncipe” da temporada, Charlie, está ali só por causa da publicidade.

Charlie é um empreendedor da área de tecnologia lindo e rico. O que ninguém sabe, no entanto, é que ele sofre de TOC e ansiedade.  Por causas de suas crises, os membros do conselho da empresa em que ele criou decidem que ele não está mais em condição de comandar o negócio e, por isso, votam para que ele seja dispensado do cargo de CEO. Charlie vê no programa a chance de recuperar sua imagem e voltar a trabalhar no campo de tecnologia. Ele não está lá para achar o amor. Porém, à medida que Charlie e Dev vão se conhecendo, Charlie percebe que talvez o amor tenha o achado. O problema é que ele deveria se apaixonar por uma das participantes, e não pelo seu produtor.

(ainda indisponível no Brasil)

“Eu aprendi que é possível estar tão apaixonado com a idea de algo, que você fca cego para a realidade. E eu aprendi que quero algo real”

Brave Face (Shaun David Hutchinson)

Pensa em um livro que me fez desidratar de tanto chorar. É uma obra autobiográfica, mas eu juro que o Shaun parecia estar escrevendo sobre mim. Cada palavra me acertava como uma faca pontiaguda, mas também me confortava como um cobertor quente durante o inverno. A identificação foi tão poderosa que eu fiquei obcecado com os livros do autor! Já li quase todos (algum dia eu faço um post sobre ele).

Em “Brave Face”, Shaun conta como foi crescer no armário, acreditando que por ser diferente ele não teria um futuro. O livro deixa claro o quão vital é a representatividade. Tem uma passagem em que ele diz: “eu era só um garoto confuso, que aprendeu o vocabulário de ser gay em um mundo que odiava bichas”. Como isso ficou comigo. Como não ter sua auto estima sabotada vivendo assim? Qualquer um que cresce sendo “diferente” sofre um abuso psicológico gigantesco, que deixa marcas profundas, devastadoras e muito difíceis de ser superadas. Há uma razão para as taxas de suicídio entre a população LGBT serem tão altas.  Durante a maior parte da minha vida, eu mesmo não tinha nenhuma referência do que era ser gay. E assim como o Shaun, sofri muito por isso. Tenho certeza de que se eu tivesse livros como esse, minha história seria diferente. Me sentiria mais validado e confiante. Fico muito feliz que os jovens de hoje tem essa representatividade e enxergam “possibilidades” em ser quem são!

(ainda indisponível no Brasil) 

“Fica melhor. As vezes não rápido como queríamos, mas eventualmente. Você melhora. Você aprende e cresce e aceita quem você é e sabe que isso é o suficiente. Dá trbaalho. Exige paciência e, muitas vezes, exige ajuda. Mas fica e vai melhorar. E você não está só. Você não precisa fingir estar bem e que tudo vai ser perfeito. Tudo bem sentir dor, tudo bem pedir por ajuda. Você pode mostrar para as pessoas quem você realmente é e que você ainda é digno de ser amado.”

Tartarugas Até Lá em Baixo (John Green)

Há alguns anos eu estava bem obcecado com o John Green. Aqui no blog tem até um post em que comento dos livros dele (leia aqui)! “Tartarugas Até Lá em Baixo” foi a última obra lançada por ele. 

Embora não seja a melhor, o livro faz um ótimo trabalho retratando como é conviver com o TOC (condição que afeta o próprio escritor). A protagonista da história é a jovem Aza, que se envolve no mistério do desaparecimento de um bilionário, que é pai de um colega de escola.  

"A questão da espiral é que, se a seguimos, ela nunca termina. Só vai se afunilando, infinitamente."




Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo (Benjamin Alire Sáenz)

Um dos meus livros preferidos! Inclusive, mal posso esperar a sequência, que vai ser lançada na semana que vem. Acredito que ele me impactou tanto porque quando eu li estava em uma posição muito parecida com a do Dante e me sentia muito como ele descrevia. O livro tem uma linguagem poética, belíssima, e mostra o impacto de conhecer alguém que te enxerga e te aceita (algo que me identifico muito. No meu caso, minha vida mudou quando conheci minha melhor amiga). Lembro de ir comprar o livro morrendo de vergonha, pois sabia que tinha conteúdo LGBT e eu ainda estava no armário. Li, amei e depois escondi bem no fundo da estante, com medo de alguém ter curiosidade de ver sobre o que era.

A narrativa é contada pela perspectiva de Dante, um garoto solitário e deprimido que conhece Aristóteles em um clube e formam uma forte amizade. Amizade essa que vai abalar o mundo de ambos os meninos, levando-os a uma profunda jornada de autodescoberta.

"Pensei em falar que a felicidade era difícil para mim. Mas ela já sabia disso."

Uma História Meio Que Engraçada (Ned Vizzini)

Outro livro do qual eu vivo usando frases! Quando alguém me pergunta como é ter uma crise depressiva, dá vontade só de mandar ler esse livro. Tem uma adaptação para o cinema também, mas nesse caso o livro é bem melhor (embora seja fiel). O livro conta a história de Craig Gilner, que ao sentir o impulso de pular de uma ponte decide se internar em um hospital psiquiátrico. Lá, ele vai conhecer as peculiares figuras que habitam o hospital e desmitificar o que significa ser “louco”, ao mesmo tempo em que descobre seus potenciais e verdadeiros desejos para o futuro.

“O seu problema é que você tem uma visão de mundo totalmente moldada pela depressão.”



As Vantagens de Ser Invisível (Stephen Chbosky)         

Quando me perguntam qual é o meu livro preferido, eu sempre digo que é esse! Nem ligo que é uma obra jovem-adulta. Eu não sei nem expressar direito o que essa história significa pra mim, mas tentei aqui antes. Falei sobre o livro (leia aqui) e o filme (leia aqui). Eu me enxergo muito no Charlie e em toda sua jornada para achar pessoas que o aceitam e lidar com seus traumas. Eu acho que já li o livro umas cinco vezes (tenho uma cópia em português e uma em inglês) e chorei em todas elas.

O livro é estruturado em cartas que Charlie manda anonimamente (ou seja, Charlie não é o nome verdadeiro dele) para alguém que ele nem mesmo conhece pessoalmente.  Ele decide mandar a primeira carta depois de seu melhor (e único) amigo se suicidar e ele ficar com medo de enfrentar o começo do High School sozinho. Depois, o garoto continua a mandar os relatos contando o que acontece com ele durante aquele ano.

"Então, eu acho que somos o que somos por várias razões. E talvez nunca conheçamos a maior parte delas. Mas mesmo que não tenhamos o poder de escolher quem vamos ser, ainda podemos escolher aonde iremos a partir daqui. Ainda podemos fazer coisas. E podemos tentar ficar bem com elas."

Se sua saúde não vai bem e você está sofrendo, não hesite em pedir ajuda! Ligue 188 para o centro de valorização da vida. Ademais, muitas faculdades por todo o país oferecem atendimento psicológico a preços acessíveis! Clica nesse link!

Isso é TUDO!

Espero que tenham curtido e adicionado alguma das obras as listas de vocês. ah, e se gostaram ou já leram algum dos livros que citei, comenta aqui em baixo.

Love, Victor.

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