Em coprodução com França, Bélgica, Alemanha, Suiça e Turquia, a diretora tunisiana Kaouther Ben Hania apresenta em O Homem que Vendeu Sua Pele, uma história típica do teatro do absurdo, embora vestida com roupagem realista.
Refugiado no Líbano, Sam passa a trabalhar em uma granja, divide moradia com um colega de trabalho e sofre de todo o estigma reservado aos árabes refugiados. Sua antiga namorada Abeer, agora está casada com outro e sua comunicação com ela se limita a chamadas por vídeo de qualidade ruim. Aliás, o contato do homem com qualquer um de seus antigos conhecidos se limita a isto, uma vez que encontra-se preso no Líbano.
Um de seus passatempos é ir a exposições de museu, onde analisa as obras pós-modernas e fila comida do catering servido aos convidados. Em uma dessas ocasiões, é praticamente enxotado do local pela produtora do evento. Mas o expositor Jeffrey Godefroi, apresentado como o mais prolífico artista plástico da atualidade, se interessa por ele e lhe faz a proposta pela qual o espectador ansiava.
Jeffrey deseja tatuar as costas de Sam, transformando-a em sua mais nova obra. O desenho trata-se de um gigantesco e irônico visto Schengen e aposta em levar ao público a reflexão sobre a liberdade de trânsito de expatriados como Sam. O homem que não era bem quisto por nação nenhuma, agora tem a presença desejada em diversos países e eventos devido à obra de arte que carrega em seu corpo. No entanto, a existência do sírio passa a se resumir à sua tatuagem, para a maioria.
Embora ganhe milhões de euros e tenha uma vida de luxos, Sam tem sua liberdade contratualmente limitada a estar nos mesmos locais que Jeffrey e seus eventos. Seu corpo torna-se alvo de uma apólice de seguro milionária e seu trabalho consiste em sentar-se imóvel durante horas para que analisem sua tatuagem. Seu rosto e sua voz não interessam e ele é proibido de falar com o público que está ali para vê-lo. No escalonamento do absurdo, suas costas chegam a ser vendidas a um colecionador na Suíça, único país que permite tal transação por ter leis menos rígidas quanto ao tráfico humano.
Se o lugar de objeto não lhe convém, tampouco o faz o papel de vítima. Sam recusa a oferta de ajuda de uma instituição que representa os direitos de refugiados, uma vez que aceitar um resgate formal àquela situação e reconhecer-se como oprimido pelo artista seria negar sua força de protagonismo no seu processo de transformação em obra de arte, dizer que sua escolha não foi parte primordial do processo.
A direção e a fotografia são trabalhadas primorosamente, enquanto a iluminação do filme remete aos feixes de luz decorativos próprios para iluminar peças de arte e os enquadramentos reforçam o lugar do protagonista como um item em meio a uma coleção de artefatos, como uma cena em um leilão em que vemos seu rosto emoldurado pela lacuna de um tríptico.
A dualidade da situação do protagonista é bem explorada, - sempre por seu próprio ponto de vista - esquivando por pouco dos clichês e paradigmas morais. O encerramento é inesperado e traz uma alternativa sofrida por sabermos que é possível somente ao personagem e não aos demais refugiados.
Trailer
Título original e ano: The Man Who Sold His Skin, 2020. Direção: Kaouther Ben Hania. Roteiro: Kaouther Ben Hania. Elenco: Yahya Mahayni, Dea Liane, Koen de Bouw, Monica Bellucci, Saad Lostan. Gênero: Drama. Nacionalidade: Tunísia, França, Bélgica, Alemanha, Suiça, Turquia. Trilha Sonora Original: Amin Bouhafa. Fotografia: Christopher Aoun. Direção de arte: Julien Defasque.. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 01h44min.
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