Curral | Assista nos Cinemas

A população está dividida entre governo e oposição. Bandeiras, camisetas e adesivos vermelhos se opõem aos azuis enquanto crimes políticos são cometidos. Em meio a esse cenário já conhecido de muitos anos, surge um candidato novo, de fora da política e que promete dar vazão aos clamores populares. Não é o Brasil real de Bolsonaro, Moro, Huck, Doria, Amoedo. É o Brasil fictício (embora baseado em fatos verídicos) de Joel (Rodrigo Garcia) e Vitorino (José Dumont).

Quem já morou em cidade de interior conhece bem a dinâmica mostrada em Curral. Uma desigualdade social ainda mais gritante que nas capitais, ruas sem asfalto, a falta de água como realidade cotidiana, rádios populares influentes e políticos cujos crimes não se resumem àqueles de colarinho branco. A compra de votos é descarada, a polícia conhece boa parte dos cidadãos pelo nome e os funcionários do prefeito são amplamente conhecidos por todo o município.

É nesse cenário que Chico Caixa (Thomas Aquino) vira cabo eleitoral de Joel, um amigo de infância que decide entrar na política como vereador. Apesar de não querer se envolver com política, o homem está desempregado e o colega advogado insiste que será um político diferente, representante do povo, que irá levar água aos bairros afastados do centro. Essa questão é pessoalmente importante para o protagonista. Afinal, ele foi demitido justamente por distribuir água do caminhão-pipa que dirigia para a população carente que não estava prevista para ser contemplada pelo veículo.

Chico é natural do bairro de Caixa D'água (o nome é outra constante nas cidades interioranas), que, ironicamente, é um dos mais desabastecidos do recurso natural. Carismático, comunicativo e bem quisto pelos moradores, Chico dá a sua palavra de que Joel será a solução dos problemas daquela gente, conquistando votos para o advogado. Não é um trabalho fácil, afinal Joel é rico, branco e "nunca carregou um balde na cabeça", portanto a primeira reação da comunidade é de desconfiança.

Dessarte, a decepção de Caixa é ainda maior quando percebe que aos poucos o amigo está aliando-se aos políticos e às políticas já estabelecidos para eleger-se. Instalada na cidade de Gravatá, a narrativa é certeira ao retratar a realidade eleitoral brasileira. Contudo, assim como a vida real, Curral não apresenta soluções. Contenta-se em escancarar um ciclo vicioso que deixa a todos (personagens e espectadores) com a sensação de que não há saída, apenas resignação ou violência expiatória. Tal pensamento já se provou perigoso na política contemporânea.

Talvez fosse mais interessante e produtivo focar nas lutas travadas por Mariana e sua companheira, mulheres sáficas e ativistas por uma vida comunitária e ecológica. A primeira até tem participação relevante na trama, mas fica limitada a uma atuação de força de obstáculo aos planos de Joel e, até certo ponto, Caixa. Tal colocação não invalida o filme, que continua comovente e intrigante. Mas reitero que para além de reconhecer nossas dores e vícios, é preciso pensar saídas. Ainda que esta não seja a função da arte, esta pode ao menor propor este debate.

Trailer

Ficha Técnica

Título original e ano: Curral, 2020. Direção: Marcelo Brennand. Roteiro: Marcelo Brennand , Fernando Honesko e Marcelo Muller. Elenco: Thomás Aquino, Rodrigo García, Carla Salle, José Dumont, Thardelly Lima, Clébia Sousa, Fernando Teixeira. Gênero: Comédia, Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Arte: Juliano Dornelles. Direção de Fotografia: Beto Martins. Figurino: Rita Azevedo. Som Direto: Guga Rocha e Danilo Carvalho. Realização: Zéfiro Filmes. Produtores: Bárbara Maranhão e Marcelo Brennand. Produção: Zéfiro Filmes. Coprodução: Querosene Produções. Produção Executiva: Carol Ferreira e Luiz Barbosa. Direção de Produção: Mariana Jacob.Casting: Renata Roberta. Preparação de Elenco: Renê Guerra. Produtores Associados: Jaraguá Produções, Bárbaros Produções, João Queiroz , Justine Otondo e Rachel Braga. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 01h27min. 

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