A Felicidade das Pequenas Coisas, de Pawo Choyning Dorji


É inegável o fato de que o primeiro longa-metragem do butanense Pawo Choyning Dorji é construído sobre uma ideia governante moralista. A oposição entre tradição X modernidade; campo X cidade; coletividade X individualismo e apatia X felicidade é martelada ao longo de todo o filme com maniqueísmo e pouco espaço para zonas cinzas.

O protagonista Ugyen (Sherab Dorji) é um professor que não gosta de dar aulas. Ao invés disso, sonha em alcançar o sucesso cantando rock. Ele mora com sua avó e a trata com indiferença e impaciência e sonha em sair do país, mesmo vivendo na nação dita mais feliz do mundo. Quando é mandado pelo governo para dar aulas na remota vila de Lunana, que não dispõe de eletricidade e é acessível apenas por uma trilha de oito dias de caminhada, isto é o fim do mundo para o personagem.

Durante a viagem e seu primeiro dia na comunidade, Ugyen usa seu headphone com música alta para se desconectar da nova realidade que o cerca, mesmo que isto seja grosseiro com seus companheiros de caminhada e prestadores de serviço. Como uma criança contrariada, o homem executa as tarefas de má vontade e faz pouco caso das refeições e maneiras locais.


No entanto, bastam alguns dias em contato com a comunidade que não usa sapatos, aquece-se incendiando estrume de iaque e passa sua existência pastoreando animais e colhendo sementes para que floresça em Ugyen uma verdadeira vocação para ensinar e cuidar de crianças, um desejo de ajudar o próximo e até um sentimento de gratidão por sua avó, que ficou sozinha em Timbu.

O professor se torna alegre, simpático, carinhoso e em profunda conexão com a natureza. É como se o ar puro, o som dos animais e a falta de tecnologia fizessem dele um homem melhor. Sua paixão pela música ajuda-o a se conectar com os habitantes locais, que constantemente utilizam canções regionais para se distraírem durante o labor e até as oferecem como um presente para o mundo e a aldeia.

Trailer


Fica Técnica
Título original e ano:  Lunana - A Yak in the classroom, 2019. Direção e Roteiro: Pawo Choyning Dorji. Produção:  Pawo Choyning Dorji, Jia Honglin, Stephanie Lai, Steven Xiang. Elenco: Sherab Dorji, Kelden Lhamo Gurung, Ugyen Norbu Lhendup,Pem Zam, Kunzang Wangdi, Sonam Tashi, Tsheri Zom, Tshering Dorji, Tashi Dema, Dophu, Dorji Om. Gênero: drama, comédia. Nacionalidade: Butão, China. Direção de Fotografia: Jigme Tenzing. Desenho de Produção: Tshering Dorji. Montagem: Ku Hsiao-Yun. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 110 min.
Isto dito, é preciso legitimar o filme como uma boa peça audiovisual. Apesar de se escorar sobre uma tese rasa, a obra é construída com qualidade técnica competente e uma narrativa de progressão bastante agradável. A ideia central é defendida com rigor, mas também com certa naturalidade. Não chega a aborrecer o espectador e nem impregna a direção com soluções clichês e sentimentalistas que levariam a audiência a um choro fácil.

As paisagens de tirar o fôlego são privilegiadas por enquadramentos bem escolhidos e assim como Ugyen tem o humor contagiado pelos aldeões, nos encantamos com o carisma de Pem Zam e o canto de Saldon (Kelden Lhamo Gurung). E por falar em canto, uma das decisões mais acertadas foi deixar a trilha do filme ser composta majoritariamente pelos sons da natureza e as músicas diegéticas entoadas pelos personagens.


Infelizmente, o título genérico que a obra ganhou no Brasil retira a ligação com um dos aspectos mais interessantes da história. Em original, o nome "Lunana - A Yak in the classroom" (Lunana - um iaque em sala de aula, em tradução livre) reforça uma visão do diretor que é posta de maneira mais sutil. A de que animais de convívio humano têm funções sociais tão importantes quanto os homens e mulheres, a de que todos os seres vivos estão em comunhão.

Assim como um professor é importante por ensinar as futuras gerações e um coletor é importante por levar comida até os cidadãos, um músico é importante por compartilhar seu dom com quem pode ouvi-lo e um animal é importante por fornecer matéria prima para comida, roupas, aquecimento. Por mais que o animal ainda seja explorado nesta comunidade, é tratado com enorme respeito e gratidão. Ugyen, afinal, demonstra seus valores como professor, músico e jaque.

A última cena do longa reitera sua função pedagógica, mostrando o protagonista em seu ciclo completo de aprendizado e funcionando como uma certa "lição de moral”. A despeito disso, ainda é um belo filme.

A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS estreia nesta quinta-feira, dia 27 de janeiro, em São Paulo, e a partir de 3 de fevereiro em outras cidades brasileiras.

Escrito por Luana Rosa

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