Medida Provisória, de Lázaro Ramos

 
Baseado na peça de Aldri Anunciação, "Namíbia, Não!" (2009-2011), o longa dirigido por Lázaro Ramos, Medida Provisória, retrata um Brasil distópico onde, após o Governo Brasileiro ter que arcar na justiça com o sofrimento e descaso de todo um povo que foi escravizado, libera então uma lei que diz para aqueles que tem vontade de retornar ao continente africano, que terão suas passagens só de ida compradas. O chamado a população não surte efeito e os lideres no poder criam então o Ministério da Devolução e iniciam o retorno forçado dos negros brasileiros, descendentes dos escravos africanos, à mãe África. 
 
A trama joga luz nas jornadas de três importantes personagens, o advogado Antônio (Aldred Enoch), seu primo e jornalista André (Seu Jorge) e a médica Capitu (Thais Araújo), namorada de Antônio. O primeiro homem luta pela causa do povo negro no Brasil e apesar de ser competente no que faz, não é ouvido na tribuna com muito respeito. Os vizinhos dos três também não tem um mínimo de consideração e se mostram claramente racistas. André, como jornalista e comunicador, desdenha dos informes à imprensa sobre o que vem por ai. Assim quando servidores públicos, a mando dos líderes nacionais, comunicam a população sobre a Medida 188 que levará os negros de volta a África, o país vira um caos e este tem que correr para se manter a salvo. 
 
Não demora e as pessoas começam também a serem retiradas de suas casas, ação policial que não respeita sequer artigos do código penal ou da constituição que inferem sobre a segurança dos brasileiros, e muitas ou são presas ou mortas. E o nosso trio de protagonistas tenta ficar bem meio a tudo isso. Enquanto Capitu está desbravando as matas, após sair correndo do hospital que trabalha, André está tentando retornar para casa e Antônio acabou não indo trabalhar naquele dia e está em casa dormindo. Cidadãos de bem, brancos e com algum tipo de ''educação'' se tornam voluntários para apontar onde os negros estão. Dona Izildinha (Renata Sorrah), vizinha de Antônio, André e Capitu, é uma dessas pessoas e assim que pode tenta entregar os negros do bairro a inspetora Isabel (Adriana Esteves), representante do governo.
 

É instigante ver Ramos estreando na direção de um filme com uma temática tão relevante e que trará muito debate e reflexão para as questões sociais no país. O casal Antônio e Capitu tem pesos distintos no filme. Antônio vive na luta contra o racismo e os maus tratos de um povo que nada tem culpa do que foi feito no passado contra ele. Recebe muito descaso, apesar de atuar com muita garra. Capitu, a principio, se mantém alienada das questões que dilaceram a nação e só entende quando nem para continuar trabalhando como uma médica renomada tem mais essa ''licença''. É ela, a mulher negra, quem dá de cara com a revolução acontecendo e se junta à ela. André mantém um relacionamento com Sarah (Mariana Xavier),  uma mulher branca e aceita pela sociedade, e o casal não é necessariamente pauta, mas serve para representar as uniões que vemos na realidade. O homem entende perfeitamente a luta e não para um minuto de confrontar o governo e todas as injustiças que não só ele passa, mas o Brasil inteiro. Chama atenção do mundo através da câmera de seu celular e não se cala. 
 
Pequenos detalhes de um racismo estrutural, que é conveniente a sociedade branca há séculos, são jogados na tela. Homens e mulheres proferindo palavras de um horror sem igual as pessoas negras e os tratando como nada. Olhares de ódio e nojo que eles deveriam ter por si mesmos e não com a população negra.

Trailer

Ficha Técnica

Título original e ano:  Medida Provisória, 2020. Direção: Lázaro Ramos. Roteiro: Lázaro Ramos, Lusa Silvestre, Elisio Lopes Jr., Aldri Anunciação. Elenco: Elenco: Alfred Enoch, Taís Araujo, Seu Jorge, Adriana Esteves, Renata Sorrah, Mariana Xavier, Flavio Bauraqui, Emicida. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Plínio Profeta. Fotografia: Adrian Teijido. Edição: Diana Vasconellos.Figurino: Alex Brollo. Direção de arte:Tiago Marques Teixeira. Produção: Lereby Produções e Lata Filmes. Coprodução: Globo Filmes. Distribuição: Elo Company. Duração: 01h43min.

As atuações de Seu Jorge e Araújo crescem na tela ao passo que os personagens se movimentam, mas é o nosso garoto Alfred Enoch quem chama a atenção. Filho de mãe brasileira e pai inglês (que aliás faz parte da equipe do filme), o ator, que ficou conhecido por trabalhos realizados na saga Harry Potter e na série ''How To Get Away With Murder'', traz um português impecável e toda uma revolta necessária aos acontecimentos na vida da população brasileira. Outra estreia aqui é a participação do rapper e apresentador Emicida. Ele vive Berto, um dos homens que une o povo negro em um esconderijo.

Por outro lado, Adriana Esteves e Renata Sorrah representam uma classe média branca que é racista, fascista e solidária as ações sem cabimento algum do governo. Um espelho muito triste e frustrante de uma nação que condena as vítimas e não enxerga o sangue nas próprias mãos. 


A produção é extremamente questionadora, não exatamente por tudo que evidencia, pois percebe-se a falta e tato para explorar muito mais as pautas raciais (colorismo, alienação da população, cotas, relações entre brancos e negros, solidão da mulher negra e etc). Contudo, exibe com força a cara dos causadores de muita dor e seus atos contra os direitos humanos. 
 
O povo negro é visto sofrendo e se rebelando como pode e é impactante de se assistir. Se une, se ajuda e contesta os seus e o que acontece a sua volta. Mas sabe que agir com impulsividade não os levará a lugar nenhum, somente as mãos daqueles que os perseguem.

 
Medida Provisória foi exibido na última edição do Festival do Rio, passou pelo Huelva Latin America Film Festival e o Indie Memphis Film Festival recebendo prêmio pelo roteiro em ambos e vem ai com criatividade o suficiente para tirar o espectador da zona de conforto. E se conseguir, estará cumprindo o seu papel!

Oxalá!
 
Avaliação: Dois gritos de rebeldia e setenta e cinco corações pulsando (2,75/5).
 
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See Ya!

B-

atualizado às 13h24, em 18.04.22

Escrito por Bárbara Kruczyński

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