quinta-feira, 12 de maio de 2022

O Homem do Norte, de Robert Eggers

Este texto pode conter spoilers
 
Se há um período na história que transborda riqueza de acontecimentos, a era dos exploradores e guerreiros da Escandinávia é sim um deles. Na literatura e nos programas de tevê, os fãs sempre puderam encontrar boas iniciativas e nos últimos anos, contos nórdicos chegaram a ser explorados com muita verossimilhança em séries como Vikings (leia mais aqui), ou até superficialmente nos filmes Marvel. Mas foi o encontro entre o ator sueco Alexander Skarsgård e o diretor Robert Eggers que gerou uma obra de arte impecável com ''O Homem do Norte'', novo lançamento da Universal Pictures Brasil. 
 
Apesar dos artistas terem se aproximado para falarem de outra produção, foi a vontade do ator em fazer um filme sobre o povo germânico que se interligou as andanças de Eggers. O cineasta havia se reunido com a cantora e atriz Björk, na Islândia, e ela o apresentou ao escritor Sigurjón Birgir Sigurðsson, ou apenas Sjón. Assim a temática começou a vir naturalmente e as pesquisas para o filme começaram a ser realizadas. Conhecido por ser detalhista e super preocupado em trazer veracidade em seus filmes (A Bruxa e O Farol), ele não hesitou em conhecer os contos e livros que Sjón indicou. Chegaram então a figura mitológica de um príncipe chamado ''Amleth'', a história que, dizem por ai, pode ter inspirado Shakespeare a escrever 'Hamlet'.
 
O conto segue a jornada de dois irmãos, Orvendil e Fengi, no reino dinamarquês do rei Rørik. Orvendil consegue acumular muita riqueza e cai nas graças do nobre ganhando a mão da filha do rei, Gerutha. A união gera Amleth e o enciumado Fengi acaba matando Orvendil como justificativa de que o ato era necessário. O herdeiro temendo por sua vida se finge de louco e tem sua vingança muito tempo depois, apesar das tramóias do tio. Em The Northman, título original do longa, temos a base destes acontecimentos, mas costurados de formas ainda mais instigantes.


 
Quando a trama se inicia, o pequeno Amleth se entusiasma com a chegada do pai, o rei Aurvandil War-Raven (Ethan Hawke), ao castelo. Sua mãe, a rainha Gudrún (Nicole Kidman), repreende o garoto por entrar em seus aposentos de sopetão. Logo eles se encontram e ceiam. O rei informa que está ferido e prevendo sua possível morte avisa a rainha que o filho deve ser iniciado nas artes profanas e lidar com questões mais profundas para estar preparado. Leva então o menino a um ritual com Hemir, o tolo, (Willem Dafoe) e ali o faz prometer que se vingará de todo aquele que vir a ferir seu pai.

A traição se dá e ocorre pelas mãos de alguém inimaginável, o próprio tio Fjölnir (Claes Bang), e o garoto foge do reino para se salvar deixando para trás um promessa feita ao pai, além da intenção de salvar a mãe. Anos mais tarde, Amleth se torna uma fera. Um explorador viking que mata sem pestanejar todos que passam pela sua frente.
 
 
Vivendo em grupo e aniquilando aldeias, chega ao seu conhecimento que escravos estão sendo levados a Fjölnir e o homenzarrão recebe a visita de uma vidente (Björk) o relembrando de seu destino. É quando ele se mascara como escravo e segue rumo a Islândia. Nesse período, ele faz amizade com a jovem Olga (Anya Taylor-Joy), uma das escravas que também está sendo levada ao seu tio. A moça confessa ter poderes para quebrar as mentes dos homens e se diz intrigada com a decisão de Amleth em fingir ser um escravo quando tem forças para derrotar no braço qualquer um.

Como serviçais, ela na cozinha, e ele no auxilio para cuidar da fazenda, unem forças e não se perdem de vista. Enquanto isto, o guerreiro revê o tio, a mãe e conhece os filhos do agora casal. Fjölnir, na verdade, não sustentou o reino que Aurvandil construiu e foi expulso por outro conquistador ficando isolado próximo a um vulcão e a terras estranhas.

Aos poucos, Amleth vai ganhando a confiança de todos, e a partir de um ato de bravura, recebe privilégios como capataz e inicia então sua ardilosa vingança contra o tio. O que o jovem, contudo, não esperava, era que o amor fosse surgir em sua vida e o deixar confuso, seja este da parte familiar ou advindo da aliança que forma com Olga.


Eggers e Sjón nos entregam um roteiro minucioso. Um texto que esbanja conhecimento histórico e remexe o caldeirão dos mitos nórdicos com bom gosto. A simbologia das representações pagãs são belíssimas e impactam o nosso imaginário. A figura de Odin e seus corvos, Valquírias e da própria Valhala se misturam a narrativa e fazem crescer o desejo de vingança que a Amleth é imputado. Sua sede por justiça sofre talvez alterações que nem ele mesmo poderia crer e engrandece sua caminhada quase que profética. 

Se no conto original, as mulheres não necessariamente tem destaque, aqui elas tem algum tipo de representação de força e são donas de si, ferindo ou não aqueles que estão no caminho. A rainha se torna uma personagem importante tanto quanto Olga. Isto porquê, ainda pequeno, Amleth soube que existia uma árvore dos reis e volta a ter visões sobre ela no futuro, algo crucial para sua tomada de decisão nos atos finais da película.

Trailer

Ficha Técnica 

Título original e ano: The Northman, 2022. Direção: Robert Eggers. Roteiro: Sjón e Robert Eggers. Elenco: Alexander Skarsgård, Nicole Kidman, Willem Dafoe, Claes Bang, Ethan Hawke, Anya Taylor-Joy, Gustav Lindh, Elliot Rose, Björk, Ineta Sliuzait, Oscar Novak.Gênero: Ação, Drama, Aventura. Nacionalidade: Eua. Trilha Sonora Original: Robin Carolan e Sebastian Gainsborough. Fotografia: Jarin Blaschk. Edição: Louise Ford. Supervisor de Direção de Arte: Paul Ghirardani. Figurino: Linda Muir. Design de Produção: Craig Lathrop. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 02h17min.
Alexander Skarsgård, ironicamente, viveu um vampiro nórdico chamado ''Eric Northman'' na série da HBO, ''True Blood'', e, após ter interpretado Tarzan (leia texto aqui), se vê novamente encorpado para um grande papel, e um que só ele poderia ter interpretado. Europeu e com o tipo físico perfeito, o ator não só já atinge o grande público há anos como vem de uma família repleta de bons atores. É filho de Stellan Skarsgård e irmão de mais sete ''Skarsgård's', entre eles os também atores Bill, Valter e Gustaf-  este último, aliás, esteve no elenco de Vikings como um dos amigos de Ragnar, ''Floki''. A interpretação de Alexander aqui é intensa e vai além da exigência corporal. Trabalha aspectos mentais e que o fazem sair da caixinha de ''astro de ação''. Algo que ele não se encaixa, devido a uma filmografia repleta de filmes e séries com as mais diversas temáticas. Trabalha com Nicole Kidman pela segunda vez, sendo que na primeira, na série ''Big Little Lies'' (HBO), a atriz interpretou sua esposa. 
 
Kidman tem camadas e mais camadas para uma personagem que entrega além do que se pede e é possível compreender qualquer uma das atitudes que sua Rainha Gudrún articula. Willem Dafoe é caracterizado de forma a deixar seu rosto assustador e seu ''Hemir, o tolo'' até chega a mostrar as partes íntimas em certo momento. A participação é pequena, mas é representativa. O tio traidor é vivido pelo ator Claes Bang. O personagem se mostra fiel a deusa Freya e tenta se livrar de maldições, ainda assim, os filhos são atingidos por estas. A cereja do bolo é Anya Taylor-Joy, que como Dafoe e outros atores, faz nova parceria com Eggers. Enraivecida de ter sido aprisionada, a personagem entende que é seu destino encontrar Amleth e o ajudar no que for preciso. É destemida, inteligente e se tiver a chance de salvar o amado, o fará. Ethan Hawke tem poucas cenas, mas se encaixou muito bem nesse rei conquistador. Björk não aparece na telona do cinema desde 2005 e sua sobrevida como vidente é satisfatória.

Robert Eggers agracia seus fãs e o mundo dos cinéfilos com mais uma obra audiovisual de excelência. O sobrenatural é personagem ávido em seus filmes e as veias mitológicas que são nos apresentadas são agradabilíssimas. Obscuro, forte e apaixonante, O Homem do Norte tem tudo para ser uma experiência cinemática magnânima.
 
Avaliação: Cinco duelos sangrentos. (5/5)

HOJE NOS CINEMAS

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