A narrativa acompanha uma família de imigrantes alemães no sul do Brasil durante a metade do século XX. Proibidos pelo Estado de se expressar em sua língua natal, os colonos se isolam em uma fazenda, onde produzem milho. O pouco contato que têm com os demais cidadãos resulta em humilhação, roubo e ameaças. Se a comparação entre a exclusão social de imigrantes alemães e de indígenas brasileiros hoje soa estapafúrdia, nesse contexto específico em que a segunda grande guerra era recente e boa parte do povo germânico buscava refúgio e fugia da fome, é possível traçar um paralelo. Embora os colonos não tenham passado pelo mesmo nível de violência, a condição de párias sociais os colocou em posição de empatizar com os chamados “bugres”.
A interdição da língua nativa funciona como analogia para a forma de comunicação truncada que levam os personagens. O silêncio impera na casa e os diálogos, quando existem, se dão em voz baixa, de forma seca e concisa. Apenas os protagonistas Mayla (Andressa Matos) e Christoffer (João Pedro Prates) parecem conversar e se entender e, ainda, se entender sem conversar também.
Há no casal um clima velado e platônico de um amor que nunca se concretiza além da forma fraternal. Mais que irmãos gêmeos, os dois são parceiros, cúmplices, confidentes. Arquitetam juntos planos para escapar física e espiritualmente da vida que levam e da família repressora. Os demais jovens da família também demonstram certa insatisfação com a lida e a forma de vida que têm na região, mas sua revolta não vai além do uso de bebida alcoólica, espelhos escondidos e manifestação de sua opinião diante de pessoas de fora, o que não compromete seu papel dentro da estrutura familiar. Embora nunca fique claro se estes são irmãos ou primos, Kasper (Samuel Reginatto) e Lila (Renata de Lélis) parecem não ter grande vínculo emocional, mas consumam seu prazer no celeiro da fazenda em que vivem, escondidos dos demais.
Ainda que tal história pudesse render um ótimo drama, o trabalho dela sob a forma de um cinema de gênero eleva a potência da obra. A fotografia escura não deixa de delinear muito bem as silhuetas e contornos dos rostos calados através de velas, lampiões, fogueiras. O isolamento, a religião, a supressão dos desejos e sentimentos e o ambiente rural aliados a um rico desenho de som criam um crescendo de agonia, paranóia e apreensão que são benéficos para a construção do ambiente de terror psicológico. Uma alta densidade dramática transforma um corte de cabelo em uma mutilação; um jantar em um banquete de horrores; uma aparição pontual em uma sugestão apavorante.
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Ficha Técnica
Título original e ano: A Colmeia, 2020 . Direção: Gilson Vargas. Roteiro: Gilson Vargas, Matheus Borges, Diones Carvalho. Elenco: Andressa Matos, Janaina Pelizzon, João Pedro Prates, Martina Fröhlich, Rafael Franskowiak, Renata de Lélis, Samuel Reginatto e Thais Petzhold. Gênero: Drama/Suspense. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Bruno Polidoro. Direção de Arte: Iara Noemi, Gilka Vargas. Edição: Gabriela Bervian. Departamento de Som: Gabriela Bervian. Som Direto: Higor Rodrigues e Tiago Meyer. Desenho de Som: Gabriela Bervian. Trilha Sonora: Leo Henkin. Produção Executiva: Gabriela Bervian e Gilson Vargas, Francisco Caselani. Direção de Produção: Deise Chagas, Eduarda Nedel e Gabriela Bervian Distribuição: Lança Filmes. Duração: 110min.
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