Scott Derrickson é uma pessoa do Horror. Sua filmografia prova a proximidade do diretor e roteirista com o gênero em ‘O Exorcismo de Emily Rose’ e ‘A Entidade’, alguns dos títulos que aparecem listados em seu currículo. Contudo, o trabalho pelo qual Derrickson se tornou mais conhecido pelo grande público está longe das raízes do cineasta: o longa de 2016 ‘Doutor Estranho’, filme-solo que apresenta o personagem dentro do Universo Cinematográfico da Marvel e é interpretado elo ator britânico Bennedict Cumberbatch. A expectativa era de que Derrickson pudesse misturar as aventuras de fantasia do mago místico com sua paixão pelo Horror na sequência ‘Doutor Estranho no Multiverso da Loucura’, mas a relação com a Marvel azedou devido às tão-temidas “diferenças criativas”. O estúdio começou a interferir no roteiro do filme e, por fim, descartou totalmente as ideias de Derrickson, optando por focar em tramas e personagens que dessem continuidade ao universo compartilhado da franquia, mas mantendo os elementos aterrorizantes tão familiares ao diretor (que acabou sendo substituído pelo também amante do Terror Sam Raimi). Vinculado a ‘Multiverso da Loucura’ apenas como produtor executivo, Derrickson pôde retomar seus pesadelos em menor escala, aproveitando a oportunidade para levar adiante um projeto baseado num conto (veja aqui) do escritor Joe Hill chamado ‘O Telefone Preto’.
No fim da década de 1970, desaparecimentos de crianças e adolescentes aterrorizam uma comunidade no subúrbio. Para o casal de irmãos Finney (Mason Thames) e Gwen (Madeleine McGraw), o medo potencial do desconhecido das ruas é apenas extensão da abusiva realidade doméstica que vivem, sob a tutela de um pai alcoólatra e violento (Jeremy Davies). Quando Finney é raptado por um homem misterioso (Ethan Hawke), Gwen tenta encontrar pistas para localizar o irmão através das visões paranormais que tem em seus sonhos. Em seu cativeiro, Finney recebe ajuda de fantasmas de outras vítimas do assassino, que se comunicam por meio de um antigo telefone desativado, desejando vingar-se do Sequestrador.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: The Black Phone, 2021. Direção: Scott Derrickson. Roteiro: Scott Derrickson e C. Robert Cargill - baseado no livro de contos de Joe Hill. Elenco: Ethan Hawke, Mason Thames, Madeleine McGraw, Jeremy Davies, E. Roger Mitchell, Troy Rudeseal, Miguel Cazarez Mora, James Ransone, Rebecca Clarke. Gênero: Suspense, Horror. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Mark Korven. Fotografia: Brett Jutkiewicz. Edição: Frédéric Thoraval. Design de Produção: Patti Podesta. Figurino: Amy Andrews. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 0143min.
Em ‘O Telefone Preto’ Scott Derrickson realiza o filme mais sólido de sua carreira até o momento. A construção da trama leva o tempo necessário não apenas para que se conheça as personas que protagonizam esta história, mas principalmente para que o público se importe com elas. A relação fraternal e a perseverança dos personagens são o fio condutor de uma narrativa que dialoga sobre quão solitária e violenta pode ser a infância. O bullying sofrido por Finney é naturalizado no contexto em que vive, como se a hierarquia social da escola onde estuda justificasse as agressões que sofre, e que não difere muito da criação oferecida por seu pai. Esta realidade de desesperança e violência tem tons autobiográficos do próprio Scott Derrickson, que até hoje lida com os traumas de agressões que sofria quando era criança, tanto dentro quanto fora de casa, tornando esta uma história íntima e pessoal, mas que também ressoa para o público dentro de sua universalidade.
Parte do sucesso da construção desta trama está na parte técnica do filme. A ambientação na cidade-natal do diretor num período que coincide com sua infância traumática garante que não haja espaço para nostalgia barata aqui. Não há cercas brancas ou famílias nucleares felizes: estas crianças crescem tendo no horizonte uma existência cinza e nada acolhedora, na qual a busca por conexão humana é tudo que têm. Isso é mostrado até mesmo em momentos que supostamente deveriam dar medo, mas que elucidam a ligação que Finney cria com os fantasmas em seu cativeiro para tentar encontrar alguma justiça dentro de uma vida tão injusta. Derrickson faz um ótimo trabalho lidando com o uso dos espaços limitados das locações. O porão que é cenário de boa parte das cenas do suspense, em especial, é filmado de forma bastante criativa e competente, criando composições visuais surpreendentes em situações que poderiam ser perigosamente entediantes. Por vezes, a produção nem parece ter tido um orçamento tão barato quanto teve.
Infelizmente, o excesso de esmero do roteiro fechadinho, co-escrito por Derrickson e C. Robert Cargill, acaba sendo uma armadilha na qual o próprio filme cai. Se não fosse pelo satisfatório desenvolvimento de personagens no 1º ato do longa e as ótimas atuações que sustentam a afeição do público, seria um tanto difícil ignorar os atalhos narrativos que a trama segue em seu desenvolvimento até sua conclusão, que soa mecânica, apesar de convincente. Nos derradeiros momentos do filme, é quase possível ouvir os mecanismos narrativos criados no decorrer das cenas anteriores sendo acionados para o grande clímax, de forma muito pouco orgânica e excessivamente calculada. Incomoda um pouco, também, o simplismo da conclusão da história, em especial a da subtrama do núcleo familiar dos protagonistas (cujo desfecho soa preocupantemente ingênuo e até irresponsável).
Um dos maiores destaques de ‘O Telefone Preto’ são as atuações de seu elenco principal, que elevam ainda mais o nível da produção. A performance de Mason Thames como o protagonista Finney traz um misto de vulnerabilidade e obstinação, ingredientes muito bem dosados em sua interpretação. Madeleine McGraw empresta vida à fofíssima Gwen, personagem mais interessante aqui. A atuação de McGraw é tão encantadora e rouba a cena em tantos momentos que seria uma tremenda injustiça chamar sua personagem de coadjuvante. O antagonista vivido por Ethan Hawke é nada além de assombroso. Sua interpretação torna o Sequestrador um personagem imprevisível e, de alguma forma, fascinante. Uma vez que a marca registrada deste vilão é sua máscara modular (criação do lendário Tom Savini), Hawke atua com seu olhar, voz e expressão corporal e é responsável por cenas de extremo suspense.
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