Crescer não é tarefa fácil. Feliz e privilegiado é o ser humano que passa pela adolescência sem traumas, inseguranças ou pelo menos grandes doses de constrangimento. É no início desta imprevisível fase da vida que está Meilin Lee, uma estudiosa nerd sino-canadense de 13 anos super confiante e, acima de tudo, independente. Ou quase. Filha exemplar, ela está sempre à mercê dos planos de sua mãe amorosa e adoravelmente controladora, não vendo problema em abrir mão de sua modesta vida social ao lado de suas amigas para ajudar com as tarefas no templo ancestral de sua família. Mei logo se encontra dividida entre estas duas facetas de sua personalidade: uma filha obediente que se esforça para atender as altíssimas expectativas da mãe e, ao mesmo tempo, uma adolescente cheia de opinião e hormônios que sonha acordada com os integrantes de sua boy band preferida. As mudanças mais drásticas e inconvenientes trazidas pela puberdade, é claro, se refletem no corpo de Mei. No caso dela, contudo, isso significa se transformar num gordo e felpudo panda-vermelho gigante a cada vez que ela perde o controle de suas emoções. Coisa de família, sabe como é.
O 25º longa-metragem da Pixar tem todos os elementos que mantém vivo o amor do público pelo estúdio há mais de 2 décadas: uma história cheia de coração ao mesmo tempo trivial e fantástica, uma animação de encher os olhos, repleta de cores e texturas, e personagens cativantes. Mas Red: Crescer é Uma Fera vai muito além de ser apenas mais um título da Pixar. O filme da diretora Domee Shi, o 2º da empresa a ter a direção-solo de uma mulher, é doce, divertido, despretensiosamente emocional e bastante pessoal. Co-escrito por Shi, Sarah Streicher e Julia Cho, o roteiro tem toques autobiográficos da trajetória das duas para desenvolver a protagonista Mei, assim como de outras mulheres da equipe majoritariamente feminina. Da mesma forma, as experiências particulares das mulheres da equipe que são mães foram ouvidas para construir a personagem da mãe de Mei, Ming Lee, a fim de estabelecer apropriadamente a dinâmica de companheirismo e superproteção, evitando vilanizá-la. Neste sentido, a animação ecoa o único outro crédito de direção de Domee Shi, o vencedor do Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação em 2019, Bao, que também reflete sobre o amor materno. E ter vozes de mulheres contando esta história certamente a torna muito mais autêntica. Tal visão intimista, porém, não dilui a linguagem Pop e despreocupada do longa, o mais divertido e leve produzido pelo estúdio em tempos.
Ainda que o filme não se proponha desafios visuais grandiosos como ousar imaginar o funcionamento das emoções humanas ou tentar conceber a origem da alma, como outras obras da Pixar, o longa animado de Domee Shi se destaca por apresentar uma estilização mais cartunesca que mistura traços já característicos do estúdio com maneirismos influenciados por mangás e animações japonesas, paixões da diretora que fizeram parte de sua formação criativa. O estilo mais frenético e caricaturesco, que por vezes contém intervenções gráficas para enfatizar sentimentos e situações cômicas chega a lembrar, ainda que de forma muito mais contida, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, devido à liberdade de usar técnicas que emulam a animação tradicional dentro de um ambiente computadorizado.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Turning Red,2022. Direção: Domee Shi. Roteiro: Julia Cho, Sarah Streicher e Domee Shi. Vozes originais: Rosalie Chiang, Sandra Oh, Ava Morse, Hyein Park, Maitreyi Ramakrishnan, Orion Lee, Wai Ching Ho, Tristan Allerick Chen, Lori Tan Chinn, Mia Tagano, Sherry Cola. Dubladores: Nina Medeiros, Flavia Alessandra, Maria Clara Rosis, Raquel Carlotti, Ary Fontoura, Manuela Macedo, Rodrigo Lombardi, Cecília Lemes, Suzete Piloto, Lúcia Helena, Adriana Pissardini, Angélica Santos. Gênero: Animação,comédia, familia. Nacionalidade: Estados Unidos da América e Canadá. Trilha Sonora Original: Ludwig Göransson. Fotografia: Mahyar Abousaeedi e Jonathan Pytko. Edição: Steve Bloom e Nicholas C. Smith. Design de Produção: Rona Liu. Disponível no Disney+. Duração: 01h40min.
A cor vermelha, representada pelo gigante fofinho no qual Mei se transforma e que dá nome ao longa, dá margem a diversas interpretações. Vermelho pode ser uma metáfora para a menstruação (algo que o filme corajosamente faz questão de deixar explícito), mas também simboliza raiva e paixão, duas emoções bastante presentes neste momento hormonalmente borbulhante vivido pela protagonista. Esta simbologia apenas enriquece a trama, trazendo camadas que talvez passem despercebidas, mas que possibilitam outras leituras. Esta e outras sutilezas do desenho talvez possam dificultar o engajamento de parte do público, acostumado a histórias bem mais óbvias, vistas através de uma perspectiva quase que exclusivamente masculina e estadunidense. Mas não duvide da universalidade e do alcance de Red: Crescer é uma Fera.
Dentro de suas peculiaridades, esta é uma história sobre autodescoberta e autoaceitação, sobre buscar familiaridade dentro da estranheza, sobre a importância de nos apropriarmos de nossas raízes e transformá-las em algo novo. Há muita beleza em abraçar nossos monstros, aqueles que tememos por serem diferentes. Mas são eles quem nos tornam pessoas únicas, nos tornam quem somos.
ASSISTA NO DISNEY+ (clique aqui).
0 comments:
Postar um comentário
Pode falar. Nós retribuímos os comentários e respondemos qualquer dúvida. :)