sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Abracadabra 2 - As Bruxas Estão de Volta | Assista no Disney+


Vinte e nove anos depois que a vela de chama negra foi acessa, a nostalgia é o grande apelo para que todos nós, saudosos dos clássicos dos anos 90, possamos resgatar um pouco disso, ao assistir Abracadabra 2. Mas o longa-metragem não sossegou em ser somente a continuação do primeiro e trouxe uma mensagem atual que se destaca por si só. Para Sarah Jessica Parker, estrela da série de sucesso Sex and The City, em entrevista ao Entertainment Tonight, foi fácil voltar a trabalhar com esse elenco, e com a diretora Anne Fletcher, poder voltar a cantar e voar.

A obra traz os rostos novos Becca (Whitney Peak), Izzy (Belissa Escobedo) e Cassie (Lilia Buckingham), como as jovens protagonistas desse novo capitulo. E ainda resgata a história de origem das Irmãs Sanderson, deixando claro que elas foram expulsas de Salem antes mesmo de conhecerem a magia. Elas eram diferentes e odiadas por dizerem não aos homens, coisa que mulher não deveria fazer, portanto, eram maltratadas pelo povo do vilarejo. Ao fugirem para a floresta proibida, encontram uma bruxa, interpretada por Hannah Waddingham (da maravilhosa série Ted Lasso), que enxerga nelas o vínculo de irmãs e as apresenta O Livro. Ela deixa um recado: a força de uma bruxa, vem de seu  Coven.

O elenco mirim escolhido para interpretar as versões mais novinhas de Bette Midler, Sarah Jessica Parker e Kathy Najimy, foi perspicaz. As atrizes Juju Journey Brener, Taylor Henderson e Nina Kitchen, conseguiram trazer para a tela o equilíbrio perfeito, entre a inocência de Sarah, Winifred e Mary, antes de se tornarem as maiores bruxas de Salem. Ainda assim, a química de Midler, SJP e Kathy continua hipnotizante. A dinâmica das três nos faz querer estar ali no meio, bolando planos vingativos com elas também. Bette contou ao programa matinal norteamericano ''Good Morning America'', que nunca duvidou da produção de um segundo filme, pois se divertiu muito na primeira vez.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Hocus Pocus 2, 2022. Direção: Anne Fletcher. Roteiro: Jen D'Angelo com argumentos de David Kirschner, Blake Harris e Jen D'Angelo - baseado nos personagens de David Kirschner e Mick Garris. Elenco: Bette Midler, Sarah Jessica Parker, Kathy Nadimy, Hannah Haddington, Whitney Peak, Belissa Escobedo, Lilia Buckingham, Froy Gutierrez, Sam Richardson, Doug Jones, Tony Hale. Gênero: Aventura, Fantasia, Comédia. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: John Debney. Fotografia: Elliot Davis. Edição: Julia Wong. Direção de Arte: Elizabeth Newton e Stefan Gesek. Figurino: Salvador Pérez Jr. Disponível no DISNEY+. Duração: 01h47min.

De volta aos dias atuais, Becca fará 16 anos no dia de Halloween, e a tradição de aniversário é se reunir com as amigas na floresta para brincar de conjurar encantamentos, contudo, neste ano, só ela e Izzy estão reunidas. As três estão brigadas. Elas acreditam na mágica, mas não acreditam que bruxas são reais, são só lendas sobre como a humanidade teme o envelhecimento feminino. Mas então, um encantamento traz de volta as temidas irmãs Sanderson.

Com cenas carregadas de um humor que brinca com o deslocamento das Sandersons em uma cidade no século 21, que as idolatra, por sinal, o filme segue com a mesma magia de seu antecessor. As cenas musicais tem quase a mesma autenticidade das dirigidas por Kenny Ortega. Mas Anne Fletcher não fica atrás, e consegue trazer novos personagens carismáticos para nos entreter em um filme típico de sessão da tarde.


E ainda que com alguns plots novos e um pouco soltos do núcleo principal, nos cativam com a espontaneidade dos atores em cena. Desde o popular burro, Mike (Froy Gutirrez), namorado de Cassie, muito medroso, no entanto, sensível, até o prefeito Traske (Tony Hale), apaixonado por Halloween, que só queria comer a maçã do caldeirão de Sandi. O longa resgata uma narrativa independente, que remete ao filme anterior, para trazer Gilbert (Sam Richardson), que viu as bruxas voarem no Halloween, 29 anos atrás, se ficcionou por elas, e reproduziu a vela que as traria de volta no revival.

O longa tem cenas musicais, com Hannah Waddingham cantarolando uma canção de ninar na floresta proibida. E claro, também traz nossas três bruxinhas favoritas, cantando One Way Or Another e The Witches Are Back. Abracadabra 2 tem tudo para conquistar o coração de um público jovem, enquanto reverencia o passado, e faz a gente se emocionar com a redenção das amadas e malvadas Sandersons. Para depois, nos dar aquele gostinho de quero mais, com o suspense de que ainda há uma vela encantada para ascender. A notícia ruim é que o gato preto não fala desta vez. Mas ainda assim, o bichano tem sua participação especial no filme. Talvez por não termos mais a presença de Binx (Jason Marsden), o felino da produção anterior.

'' - Aposto que estão procurando pelo palco?'' 
''- SEMPRE!''

Se em ''Hocus Pocus'', título original do primeiro filme, vemos um protagonista que desafia a vela de chama negra, só para ver o que aconteceria se a acendesse, mas acaba revivendo o drama do jovem Binx, que perdeu a sua irmã. Na obra de 2022, vemos três jovens nos lembrar que o que torna as bruxas mais fortes, é a irmandade entre elas. Como se o filme quisesse passar para essa geração, que foram os homens que ensinaram as mulheres que elas deveriam ser sempre submissas, e temer as diferenças entre elas, e sempre ficar na sombra destes.

No fim, o longa vem com uma roupagem progressista, e carrega a mensagem de que o poder da magia só é forte, quando dividido entre o Coven, que pode ser a família, os amigos e pessoas que você tem um laço muito forte. Mas tudo é compartilhado. E o plus dessa nova jornada, é que o novo filme traz uma tocante redenção das três bruxinhas mais amadas do cinema.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

No Outro Encontro Você, de André Bushatsky

 
André Bushatsky, diretor brasileiro do longa-metragem No Outro Encontro Você, foca suas lentes nos abastados brasileiros, nesta classe média/alta que não fica isenta aos problemas do país e à falta de oportunidades. Dois irmãos, a artista depressiva Bia (Carol Tilkian) e o empreendedor fracassado Marcelo (Bruno Autran), chamam um casal amigo, o investidor desonesto Rodrigo (Geraldo Rodrigues) e a infeliz dona de casa Michele (Julia Ianina), para um feriado de réveillon de despedida na sua casa de campo, que vai ser vendida pelo pai. Este quarteto de excelentes atores, nesta linda casa à margem da Represa Billings, interage na despedida da casa e do seu passado com muitas risadas, lágrimas, discussões e silêncios. Através destas sequências, vamos descobrindo pouco a pouco suas vidas frustradas, suas infelicidades e seus desejos e nestes outros nós nos encontramos.
A atriz Carol Tilkian e o diretor André Bushatsky fazem parte do grupo de roteiristas. O roteiro é o grande achado do filme. Sem muita ação, baseado principalmente nos diálogos, as sequências se sucedem para que os personagens exponham suas almas aos nossos olhos de espectador. Tristezas, raivas, angústias e frustrações são mostradas; mas também alegrias, esperanças, amores e brincadeiras, como as vidas de todos nós.
Trailer

Ficha Técnica
  • Título original e ano: No Outro Encontro Você, 2022. Direção: André Bushatsky. Elenco: Julia Ianina, Geraldo Rodrigues, Carol Tilkian, Bruno Autran. Gênero: Comédia dramática. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original:  André Abujamra. Financiamento parcial: Proac , Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Patrocínio: Usina Santa Fé e VR Entreposto de Decoração e Comércio Ltda. Apoio: Ramalho Filmes, Blimp, Set5 e Elitecam. Produção: Bushatsky Filmes. Distribuição: Bretz Filmes. Duração: 90min
Os atores defendem bem seus personagens. Os diálogos fluem com naturalidade, tanto nas cenas amenas como nas cenas difíceis. Esse recorte na vida da classe média e alta nos atrai! Temos pouco disso no cinema brasileiro, geralmente no viés de crítica social. Quanto mais o cinema for variado nos seus temas, mais rico e diverso ele é. Neste ponto, o cinema argentino, nosso vizinho fronteiriço, é admirável.
A casa de campo é um personagem à parte - aliás o filme foi rodado na  Chácara Charme Holandês, às margens da Represa Billings, em Riacho Grande, São Bernardo do Campo. Repositório das lembranças dos dois irmãos e testemunha de seus fracassos, ela é belíssima! Agora, vira palco de muitas situações vexatórias, que nos divertem com um sorriso triste, às vezes. Roubos de garrafas de vodca, adultérios, churrascos queimados, tortas azedadas, essa despedida do passado é um grande e retumbante fracasso. Mas os quatro terminam o filme em uma mesa de ceia de ano novo, confraternizando, machucados pela vida, mas prontos para recomeçar no ano que começa.
Créditos: Divulgação

Estreia nas telas de cinema desta semana no Rio de Janeiro e São Paulo, o filme de uma hora e meia é uma excelente sessão terapêutica, onde presenciamos os problemas de outros, mas nos encontramos na resiliência dos que resistem e tentam dar a volta por cima. Afinal, “No Outro Encontro Você”!
Nota: 7/10    
HOJE NOS CINEMAS

A Queda, de Scott Mann | Assista Nos Cinemas

Com um roteiro previsível, temática clichê e, ainda assim, uma experiência absolutamente intensa e assustadora, “A Queda”, produção dirigida por Scott Mann, que assina o roteiro com Jonathan Frank, que chega esta quinta-feira (29) aos cinemas.

Ao melhor estilo “cinema catástrofe”, gênero famoso e amplamente explorado nos anos 70 (vide “Inferno na Torre”), esta produção é estritamente vetada ao público que sofre de acrofobia (medo mórbido de altura).

A trama gira em torno das amigas Becky (Grace Caroline Currey) e Hunter (Virginia Gardner). Logo no início, as duas e o marido de Becky, o jovem atlético Dan (Mason Goodling) aparecem em cenas incríveis de escalada, com tomadas aéreas de tirar o fôlego, que lembram o documentário “Free Solo” que ganhou o Oscar de Melhor Documentário em 2019.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Fall, 2022. Direção: Scott Mann. Roteiro: Scott Mann e Jonathan Frank. Elenco: Grace Caroline, Currey, Virginia Gardner, Mason Gooding, Jeffrey Dean Morgan, Jasper Cole. Gênero: Thriller. Nacionalidade: Reino Unido e Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Tim Despic. Fotografia: MacGregor. Edição: Robert Hall. Distribuidora: Paris Filmes. Duração: 1h42min.

Uma tragédia arrasadora acontece, marcando drasticamente a vida dos amigos. Hunter se isola em sua dor e abandona a amiga. Um ano depois do ocorrido, Becky ainda se encontra no fundo do poço, fugindo do contato com seu pai (Jeffery Dean Morgan) que tenta inutilmente ajudá-la a sua maneira, pois a mulher está se afundando em álcool e remédios.

Quando está à beira de desistir de viver, Becky é procurada novamente por Hunter com a “brilhante” proposta de fazerem uma escalada para superarem seus traumas (teria sido melhor recorrer à terapia! rsrsrs). Hunter, agora Danger D, uma influenciadora que vive de monetizar vídeos radicais, fazendo qualquer coisa por likes e seguidores, convida Becky para juntas escalarem a Torre de TV B67, uma estrutura de 600m de altura, abandonada no meio do nada, com avisos de “Perigo de Morte”, totalmente enferrujada e com tantos parafusos soltos como a cabeça daquela que teve a idéia. O tipo de proposta “amigo da onça”, totalmente irrecusável. A partir daí, tudo que poderia dar errado, óbvio, acontece!

O filme é incrivelmente feliz ao criar situações que fazem o público suar frio, grudar na poltrona, prender a respiração, acelerar o coração, fechar os olhos e…querer mais! Sério! É uma experiência surreal. E a trilha sonora intensifica as emoções. E até as cenas mais absurdas e inacreditáveis são explicadas com reviravoltas plausíveis.

“A vida é curta, faça algo que te faça feliz!”

Como ir ao cinema, comprar um balde gigante de pipocas, um refri e curtir momentos aterradores e deliciosos com A Queda!

Avaliação: Três parafusos soltos e abutres famintos (3/5)

HOJE NOS CINEMAS

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Meu Tio José, de Ducca Rios | BIFF 2022


O ano é 1983. O garoto Adonias e sua família vivem num Brasil militarizado que lentamente ensaia uma emancipação da ditadura. Mas o autoritarismo do golpe militar de 1964 continua muito presente. O tio de Adonias (Cauã Levi), José Sebastião (Wagner Moura), se exilou na França para evitar a perseguição do regime e está de volta ao Brasil. Seu plano de retomar a vida em seu país-natal é interrompido por um atentado durante uma emboscada. Revoltado com a realidade, Adonias, então, embarca numa jornada para conhecer melhor a história de seu tio e, direta ou indiretamente, a si mesmo.

A animação de Ducca Rios pode soar simplista num primeiro momento, devido ao estilo despretensioso do traço usado no visual das cenas e a aparente ingenuidade do roteiro e dos diálogos de seus personagens. Mas é justamente onde está a sensibilidade e o impacto do longa. A perspectiva inocente do protagonista Adonias é o mesmo lugar onde o próprio Rios se encontrou na sua infância. Sobrinho de José Sebastião Rios de Moura, militante de esquerda perseguido pela ditadura e morto num crime com indícios de motivação política, o diretor usa o personagem Adonias como um alter-ego para exteriorizar de forma delicada e sincera questões vividas por ele. O viés autobiográfico dessa história garante à obra profundidade genuína para não cair no piegas. A vibe didática da trama é justificada pelo ponto de vista que mistura curiosidade e rebeldia de Adonias. Conforme o garoto descobre mais sobre a trajetória de seu tio através dos relatos de familiares, ele reflete sobre o quanto se identifica com a persona questionadora, subversiva e criativa que vê em seu tio.

Trailer
 

Ficha Técnica
  • Título original e ano: Meu Tio Jose, 2022. Direção e roteiro: Ducca Rios. Assistente de direção: Marcelo Vitz. Elenco: Wagner Moura, Tonico Pereira,Cauã Levi, Arthur Nascimento, Sophie Mendonça, João Caetano, Ian Trigo, Lorena Comparato, Jackson Costa, Bertrand Duarte, Evelin Butchegger, Neyde Moura. Script Doctor: Geraldo Moraes. Gênero: Ficção. Nacionalidade: Brasil. Diretor musical e engenheiro de som: Luciano Silva. Direção de arte: Chandler Vaz e Ducca Rios. Consultora de arte: Aida Queiroz. Animação tradicional: Mário Alves. Animação: Campo 4. Produtora executiva: Maria Luiza Barros. Duração: 89min. 
 
A escolha estética de contar tal história em forma de animação permitiu uma maior liberdade criativa para construir visualmente indagações de uma criança confusa com as injustiças do mundo, mas que ainda não possui discernimento e vivência suficientes para elucidar verbalmente sua indignação e impotência. Para sublinhar o momento desesperançoso pelo qual o Brasil passava, ‘Meu Tio José’ opta por negar cores em suas cenas, permitindo apenas o uso pontual da cor vermelha para enfatizar a paranoia que a cor causava na época (algo que infelizmente não é muito diferente dos dias atuais).

Assim como o filme em si, a conclusão de ‘Meu Tio José’ pode soar simplista e ingênua, ao representar através do olhar infantil uma mobilização coletiva pelo bem comum a fim de mudar o curso da História. Com o recente período político turbulento em que o impensável se tornou modus operandi e a normalização da barbárie anestesiou o Brasil com um cínico torpor de apatia, é inevitável encarar o tom positivo do desfecho agridoce desta animação como algo quase fantasioso, irreal. E não há nada de errado nisso. ‘Meu Tio José’ apresenta uma amostra da dose de esperança que precisamos neste momento de mobilização política diante do abismo. Acreditar que o futuro pode ser melhor, afinal de contas, talvez seja o ato político mais subversivo de todos.
 
 Créditos: Divulgação  -  BIFF 2022   
 
SERVIÇO:

Confira as exibições do longa ‘Meu Tio José’ no Festival Internacional de Cinema de Brasília:

Dia 27/09, às 09h, no Cine Brasília;

Dia 27/9, às 14h, no SESC Gama;

Dia 28/9, às 9h, no Complexo Cultural de Planaltina;

Dia 29/09, às 14h, No SESC Taguatinga.

Sobre o Festival:

O Festival Internacional de Cinema de Brasília (BIFF), pioneiro no setor ao realizar um festival no formato híbrido, comemora dez anos em 2022. O evento acontece entre os dias 23 e 30 de setembro. O evento promove uma grande e merecida homenagem em memória de Agnes Varda, diretora belga-francesa, referência e ícone do cinema feito por mulheres. Além disso, promove o BIFF JR, que oferece ao público presente uma programação internacional diversa, e também o Mosaico Brasil O Novo Cinema Brasileiro, pela primeira vez no BIFF, uma aposta potente na vitrine e janela de produções nacionais que dialogam com novas tendências, conteúdos e olhares.

Confira a programação completa e os filmes selecionados para o BIFF 2022: 

Carmen, de Valerie Buhagiar| Abertura BIFF 2022


O 8º BIFF, Festival Internacional de Cinema de Brasília, teve seu ponta pé inicial na última sexta-feira (23) e segue com sessões no Cine Brasília e em diversos ambientes culturais do Distrito Federal até o dia 30 de setembro. O festival conta com filmes de diversos países e também do Brasil divididos em várias mostras: Competitiva Internacional, BIFF Júnior, Panorama África, Cinema Latino, Mosaico do Novo Cinema Brasileiro, Arco-íris Sueco (de curtas com temática LGBT), além de pré-estreias e uma homenagem à cineasta Agnès Varda.

Em sua abertura, o festival contou com o filme maltês-canadense Carmen dirigido por Valerie Buhagiar, filha de malteses que se mudaram para o Canadá em uma onda de migração ocorrida nos anos 1960. Durante a apresentação do filme no palco do Cine Brasília, a cineasta contou que, em uma visita para apresentar Malta e os familiares malteses ao filho canadense, conheceu uma tia distante que vivia como beata a serviço do irmão religioso. Segundo a tradição maltesa (e presente em alguns outros países católicos), era comum que algumas mulheres fossem “dadas” aos homens da família que se tornassem padres. Essa mulher não tinha direito a estudo nem a uma vida própria, sendo obrigada a servir ao padre por toda a vida em todas as suas necessidades, como limpeza e manutenção da casa, alimentação, serviços gerais e qualquer outra coisa que o homem religioso mandasse. Lembra bem o dito infantil sobre quem chega por último em uma brincadeira, vira “mulher do padre”. Ou seja, não tinha qualquer gerência sobre a própria vida. Ao conhecer a história de sua tia, uma mulher muito fiel a seus deveres, devota e piedosa, a diretora Valerie começou a pensar: “e se…?”.

Trailer


 Ficha Técnica
  • Título original e ano: Carmen, 2022. Direção e Roteiro: Valerie Buhagiar. Elenco: Natascha McElhone, Michela Farrugia, Steven Love, Richard Clarkin, Henry Zammit Cordina, Peter Galea, André Agius, Pauline Fenech e Paul Portelli. Gênero: Drama. Nacionalidade: Canada, Malta. Trilha Sonora Original: Richard Feren. Fotografia: Diego Guijarro. Edição: Matt Lyon e Peter Strauss. Direção de arte: Jon Banthorpe. Figurino: Gina Bonello. Distribuidora: Elite Filmes. Duração: .
Conhecemos Carmen. Já de meia idade e envelhecida pelos anos de servidão, nossa protagonista é calada e distante de todos, tendo no irmão e na igreja a totalidade do mundo que conhece. Carmen segue sua vida solitária enquanto ouve a truculência do irmão, não tem amigos nem outros familiares. Depois da morte repentina do padre, a personagem percebe que está sozinha na pequena cidade maltesa. Não tem onde morar, não tem como encontrar emprego, pois não tem educação formal, nem conhece ninguém que possa recebê-la. A Igreja, a quem tanto serviu, não se interessa muito em ajudá-la já que o novo padre também já tem a sua própria irmã-criada. Os habitantes da cidade espalham histórias sobre como ela talvez seja uma bruxa e que é seca por dentro, como se tivesse um “cordeiro congelado” no lugar do peito. Carmen está só.

Começa então a perambulação da protagonista pela cidade tentando não ser notada. A igreja é o único espaço que conhece e, assim como nos interiores profundos do Brasil, é o centro social da cidade maltesa. É onde as vidas de todos se cruzam, das jovens sonhadoras que precisam viver a vida que lhes foi dada, das crianças da escola que vão com a professora se confessar, das senhoras casadas que encontram conforto longe do marido.
Créditos: Divulgação    

A partir daqui encontramos a parte mais interessante do filme, Carmen virando um fantasma uma vez que (quase) nunca encarnou a pessoa que poderia ter sido durante a vida. Seu corpo perambula pela cidade, dorme pelos cantos, se esconde em lugares sacros. Os espaços, então, são muito bem trabalhados e sentimos a pulsação de uma cidade, mesmo pacata, a partir do olhar distanciado de Carmen. Essa distância (ver sem ser vista) dá a Carmen uma sensação de poder, de ação, que nunca tinha experienciado, o que a leva a se “infiltrar” na vida da comunidade através do confessionário da igreja. Sua alma bondosa e quase ingênua transmite os valores que recebeu da igreja, sejam oriundos dos dogmas ou da forma como foi enxotada da vida que conhecia pela própria instituição religiosa.

Mas essa postura “fantasmagórica” de Carmen não segue por todo o filme, uma vez que a proposta aqui é justamente dar à luz a personagem. Corporificá-la, parir Carmen ao mundo de vez. A partir de algumas viradas que vão cada vez mais trazendo Carmen à convivência em sociedade, o filme conduz a personagem por um turbilhão de aventuras e sentimentos conflitantes. Quem ganha somos nós que vivemos tudo isso junto à protagonista. Ao vermos a personagem precisar descobrir as coisas simples do mundo, as emoções mais adolescentes, os perigos mais óbvios, o filme conduz perfeitamente quem assiste pelas emoções e ideias de uma pessoa ingênua que só agora pode agir e pensar por si mesma.

Créditos: Divulgação   

Carmen atravessa histórias de amor, encontros com Jesus Cristo, riscos de violências, roubos à igreja e até um vestido novo se mostra algo surpreendente e libertador. Tudo é conduzido de forma leve e que afaga o coração, mesmo se baseando numa realidade que pode se mostrar tão penosa. Afinal, uma vida inteira de serviços a outrem sem direito à educação e a dizer “não” daria muita abertura a representações menos esperançosas.

O roteiro acaba sofrendo um pouco por conta disso ao tentar fechar demais todas as pontas e explicar quase todos os motivos que trouxeram Carmen até aquele momento. Tudo isso enquanto conta sua história de paixão e sua relação com a cidade e a história recente de Malta. Nada que se perca muito uma vez que os sentimentos trazidos são sempre postos em primeiro plano.

O filme de Valerie Buhagiar se mostra como respiro pela facilidade de condução da diretora, mesmo que não assuma tantos riscos em sua forma de contar histórias. O sentimento final é de encontro com as coisas simples da vida. As que realmente valem a pena.


SERVIÇO:

Festival Internacional de Brasília 

Data: 23 a 30 de setembro

Local: Cine Brasília, Sesc 504 Sul, Sesc Gama, Sesc Ceilândia, Sesc Taguatinga e Complexo Cultural Planlatina

Sessões Gratuitas, sujeita à lotação dos espaços. 

Sobre o Festival:

O Festival Internacional de Cinema de Brasília (BIFF), pioneiro no setor ao realizar um festival no formato híbrido, comemora dez anos em 2022. O evento acontece entre os dias 23 e 30 de setembro. O evento promove uma grande e merecida homenagem em memória de Agnes Varda, diretora belga-francesa, referência e ícone do cinema feito por mulheres. Além disso, promove o BIFF JR, que oferece ao público presente uma programação internacional diversa, e também o Mosaico Brasil O Novo Cinema Brasileiro, pela primeira vez no BIFF, uma aposta potente na vitrine e janela de produções nacionais que dialogam com novas tendências, conteúdos e olhares.

Confira a programação completa e os filmes selecionados para o BIFF 2022: 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

O Perdão, de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha


O filme O Perdão, de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, junta dois personagens angustiados e desesperados numa jornada de amor sem esperança. Mina (Maryam Moghadam) é a viúva de um inocente executado erroneamente por enforcamento pelo estado iraniano. Reza (Alireza Sani Far) foi o juiz que assinou a sentença de morte do infeliz e que, carcomido pela culpa, se aproxima da viúva para ajudá-la materialmente. Desconhecendo quem realmente Reza é, Mina acaba se aproximando dele. E o amor, marcado por culpa, sofrimento e solidão, nasce no meio desta tragédia.

Centrado nesses dois personagens amargurados, o roteiro demora-se no estudo dos casal. Aos poucos, conhecemos suas famílias, suas tentativas de sair da infelicidade que os rodeia. A atriz principal também é uma das diretoras e roteiristas deste filme coproduzido pelo Irã e pela França. Exibido no Festival de Berlim de 2021, além de outras mostras mundo afora e ganhador de prêmio no Zurich Film Festival (Mensão Honrosa) e no Valladolid International Film Festival (Novos Diretores), demonstra bem a força do cinema iraniano que, aliado a uma crítica social ferrenha, trata com muita humanidade e compaixão seus personagens.


A criança surda-muda, filha de Mina, é um contraponto lírico e cômico, às vezes, a esse amor tão infeliz. Em participação rápida, mesmo que significativa, o jovem filho de Reza é um viciado que, após sair de casa para cumprir o serviço militar, morre de overdose de drogas. Os parentes do inocente executado só querem saber da indenização do estado, cobiçando os bens da viúva. O trabalho dos atores é muito forte! O tema não é fácil e as interpretações seguram bem toda a carga emocional da trama.


A ambientação no Irã é muito boa. Ver o dia a dia deste país asiático tão distante da nossa realidade nos faz adentrar um outro mundo. O Alcorão é citado algumas vezes para justificar a pena de morte - o nome do filme em inglês, ''The Ballad of a White Cow'', refere-se ao capítulo do Alcorão e a vaca branca é uma metáfora para uma pessoa inocente condenada à mote. É curiosa também a questão das indenizações que são pagas pelo governo com base em preceitos religiosos. As ruas, as fábricas, a vivência da população, todo esse cenário emoldura o envolvimento do casal que timidamente vai se aproximando até que a verdade seja revelada.

O final tende a deixar o espectador com um travo amargo na garganta, mas a tristeza faz parte da vida e refletir sobre a condição humana usando a sétima arte é muito recompensador, pois nos faz mais empáticos, mais solidários com o próximo.

Nota: 8/10

Trailer


Ficha Técnica
  • Título original e ano: Ghasideyeh gave sefid, 2021. Direção: Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha.  Roteiro: Mehrdad Kouroshniya e Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha. Elenco: Maryam Moghadam, Alireza Sani Far, Pouria Rahimi Sam, Avin Poor Raoufi. Gênero: Drama. Nacionalidade: Irã, França. Fotografia: Amin Jafari. Edição: Ata Mehrad eBehtash Sanaeeha. Figurino: Atoosa Ghalamfarsaie . Distribuidora: Imovision. Duração: 105 min.
EM CARTAZ NOS CINEMAS

Não Se Preocupe, Querida, de Olivia Wilde | Assista nos Cinemas

De tempos em tempos, uma produção cinematográfica ganha atenção do público e da mídia mais devido às polêmicas de seus bastidores do que necessariamente pelo conteúdo da obra em si. As notícias sobre as filmagens de ‘Apocalypse Now , ‘Mad Max: Estrada da Fúria’ e ’Liga da Justiça’, por exemplo, ganharam os holofotes e mantiveram o público morbidamente entretido com especulações a respeito de como as atribulações por trás das câmeras viriam a afetar o produto final visto em tela. Este ciclo já é conhecido na indústria do Cinema e foi responsável por edificar muita fofoca, mas também por destruir carreiras em ascensão ou já consolidadas. Mas não há registro recente de tretas de bastidores tão apetitosas como as do thriller de Olivia WildeNão Se Preocupe, Querida’. Baseado num roteiro há muito visado em Hollywood, o filme virou notícia tantas vezes que se tornou quase que uma piada interna dentre o público. Indícios de atritos entre o elenco, boatos de falta de profissionalismo e o mais absoluto silêncio da equipe sobre os ocorridos apenas atiçavam a curiosidade do resultado de tanto caos.

Nos anos 1950, um deserto na Califórnia esconde a utópica cidade de Vitória. Sua estrutura cosmopolita e vizinhança amigável sugere nada além de perfeição e harmonia. Alice (Florence Pugh) é uma dedicada dona-de-casa apaixonada por seu marido Jack (Harry Styles). A dinâmica entre o casal é simples: ele é um esforçado funcionário do chamado Projeto Vitória; ela cuida do lar e não faz perguntas. O mesmo modelo é seguido pelos demais casais da cidade, vivendo o sonho americano em suas casas impecáveis e relações superficiais. O idealizador da comunidade, o guru Frank (Chris Pine), alimenta as mentes de residentes com frases motivacionais e discursos sobre comprometimento e sacrifício em nome de um “bem maior”. Em troca, Frank recebe uma lealdade inabalável que beira a adoração. O desaparecimento de uma das moradoras e uma série de acontecimentos estranhos fazem Alice desconfiar que Vitória esconde mais segredos do que se imagina. 
 
Trailer 
 

 
Ficha Técnica

  • Título original e ano: Don't Worry, Darling. Direção: Olivia Wilde. Roteiro: Katie Silberman, Carey Van Dyke, Shane Van Dyke. Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Olivia Wilde, Nick Kroll, Chris Pine, Sydney Chandler, Kate Berlant, Asif Ali, Douglas Smith, Timothy Simons e Ari'el Stache. Gênero: Drama, Suspense. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: John Powell. Fotografia: Matthew Libatique. Edição: Affonso Gonçalves. Design de Produção: Katie Byron. Figurino: Arianne Phillips. Distribuidora: Warner Bros Pictures. Duração: 02h02min.

O thriller de Olivia Wilde parte de uma premissa instigante: o estranhamento daquilo que é familiar, uma situação em que nada é o que parece. A construção da ambientação do longa é muito bem-sucedida em estabelecer a sensação de desconforto vivido pela protagonista de Florence Pugh. A crescente claustrofobia de Alice é compartilhada com o público através de cenas perturbadoras e enfatizada pela ótima trilha de John Powell, que inclui vocais femininos lamentosos distorcidos que refletem a espiral de medo e paranoia vivenciada pela personagem. A convincente atuação de Pugh coroa algumas das sequências do filme como pesadelos vivos prontos pra assombrar. Infelizmente, tudo isso é posto a perder com escolhas questionáveis envolvendo a consistência da trama e a construção dos demais personagens da obra. Quando a grande reviravolta da história é revelada, ‘Não Se Preocupe, Querida’ entra no piloto automático ao invés de acelerar.

Horas depois da première da película no Festival Internacional de Cinema de Veneza, comentários jocosos na Internet definiam o filme como uma versão muito menos inspirada de ‘Corra!’. Verdade seja dita, tal comparação não é de todo injusta. Ainda que o suspense de Olivia Wilde não se aprofunde no subtexto social como o filme de estreia do cineasta Jordan Peele, ‘Não Se Preocupe Querida’ claramente busca construir questionamentos ficcionais que têm um pezinho na realidade. Só não dá pra entender ao certo se o filme compreende o que fazer com estas intenções, pois elas nunca são aproveitadas satisfatoriamente. Exemplo disso é a personagem Margaret, vivida por KiKi Layne. Margaret é uma das poucas moradoras racializadas da comunidade de Vitória. O destino violento encontrado pela personagem, o preço pago por ousar desafiar as intenções misteriosas do Projeto Vitória, pode ser interpretado como uma alegoria ao racismo estrutural que vê a perfeição apenas na branquitude, como se outras vivências não fossem válidas. Uma crítica bastante válida, inclusive. Mas, se for o caso, o filme deixa tal intenção tão implícita que se torna um desafio reconhecer tal mensagem. A outra hipótese é a de que o filme não tem qualquer pretensão de trabalhar questões raciais em sua trama, o que torna o arco da personagem soar no mínimo problemático. Ao arquitetar diversas possibilidades narrativas, mas escolher as mais óbvias sem se aprofundar em quase nenhuma delas, ‘Não Se Preocupe, Querida’ acaba por desperdiçar muito do potencial de seu roteiro promissor. O resultado é um punhado de enigmas, mas sem muito conteúdo a ser oferecido.

Com o material que é oferecido, nem mesmo o elenco com intérpretes estelares consegue brilhar aqui. Florence Pugh carrega o filme nas costas, fazendo o público se importar com uma história que sem ela não empolgaria. Mas a química entre ela e Harry Styles não engata e o próprio Styles nunca parece estar totalmente presente em sua atuação. Chris Pine faz o que pode com seu personagem canastrão, se sobressaindo junto com Pugh.


Esteticamente impecável, o retorno de Olivia Wilde ao cargo de direção, após o aclamado ‘Fora de Série’, acaba por não corresponder às expectativas criadas pelo hype. Apesar de bons momentos pontuais, o que poderia ser um dos maiores acontecimentos do ano, soa vazio e anticlimático. Talvez Você Devesse Se Preocupar, Sim, Querida. 
 

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O Livro dos Prazeres, de Marcela Lordy | Assista nos Cinemas

Lori é uma jovem mulher que leciona para o ensino infantil em uma escola do Rio de janeiro. Como educadora, não subestima a inteligência de seus pequenos alunos e os apresenta temáticas que vão além do aprendizado teórico e apropriado a idade deles, os instigando a refletir e crescer. Em seu tempo livre, vive sua sexualidade a flor da pele e não tem vergonha disso. A personagem é vivida pela esplêndida Simone Spoladore que contracena ainda com o ator Javier Drolas (Medianeras, The Good Intentions e Severina), intérprete de Ulisses, um professor de filosofia argentino com quem tem muitas conversas paradoxais e intrigantes. O Livro dos Prazeres também conta com participação do sempre excelente Felipe Rocha, na pele de Davi,o irmão de Lori. E fecham o elenco: Gabriel Stauffer, Martha Nowill, Leandra Leal, Julia leal Youssef, Ana Carbatti e Teo Almeida

O filme, dirigido por Marcela Lordy, adapta livremente a obra de Clarice Lispector ‘’Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres‘’, lançada ao fim dos anos 60, para os dias atuais e foi uma das películas que passaram pela 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A co-produção entre Brasil e Argentina foi exibida no país dos Hermanos, a convite da embaixada brasileira, por ocasião do Bicentenário da Independência do Brasil ao inicio do mês e contou com a presença da diretora. Agora poderá ser assistida nos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira (22).
 
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FICHA TÉCNICA
Título original e ano: O Livro dos Prazeres, 2020. Direção: Marcela Lordy. Elenco: Simone Spoladore, Javier Drolas, Felipe Rocha, Gabriel Stauffer, Martha Nowill e Teo Almeida. Participação Especial: Leandra Leal, Julia Leal Youssef e Ana Carbatti. Roteiro: Josefina Trotta e Marcela Lordy. Direção de Fotografia: Mauro Pinheiro Jr, ABC. Montagem: Rosário Suárez, SAE. Desenho de Som e Música Original: Edson Secco. Direção de Som: Federico Billordo. Direção de Arte: Iolanda Teixeira. Direção de Produção: Manuela Duque. Assistência de Direção: Renata Braz. Produção de Elenco: Marcela Altberg e Gustavo Chantada. Preparação elenco: Tomás Rezende. Produção: Deborah Osborn, Marcela Lordy, Felipe Briso e Gilberto Topczewski. Coprodução: Hernán Musaluppi, Natacha Cervi e Marcello Ludwig Maia. Produção Executiva: Marcello Ludwig Maia, Deborah Osborn, Camila Nunes e Rocío Scenna. Produtoras Associadas: Camila Nunes, Simone Spoladore. Empresas Produtoras: bigBonsai e Cinematográfica Marcela. Empresas Coprodutoras: Rizoma, República Pureza e Canal Brasil. Distribuidora: Vitrine Filmes. Duração: 01h39min. 
Vemos na tela uma mulher sem pudor e buscando respostas. Seja para ajudá-la a superar suas limitações ou para ter conexões diferentes das que costuma ter. Longe da família, o pai e o irmão moram no interior, Lori entende que seu pensamento progressista tem mais valor onde está. Que ali, mesmo que sozinha, pode levar a vida de uma forma menos conservadora. Afinal, sua família aparentemente até vota em candidatos deste estilo. 

Claramente ela não quer ser cobrada pela sociedade por não ser casada ou mãe, mas quer sim conseguir fechar os olhos a noite e saber que venceu seus medos e soube seguir caminhando sem dores e tristezas. Ela, obviamente, tem uma jornada árdua até chegar este ponto e quando ele chega revela que o início de tudo está ali, na superação. 

Lori é a todo momento instigada por um professor (Drolas) maluco por ela, mas que entende que a mulher não está pronta, afinal, ele sabe que ela pode mais, mas talvez Lori ainda não acredite nisto. A professora chega a se irritar com diversas conversas entre eles, todavia, a atração é impulsiva e tem seu ápice ao fim do longa. 
 
Simone Spoladore nos entrega uma uma mulher contemporânea e estimulante. Tem beleza real e não nos engana, pois não se mostra superficial. É opiniosa e quer que àqueles que com ela aprendem tenham ferramentas e conteúdo. Talvez exagere por uma pequena porcentagem, mas caminhar pela vida sem falhar não é algo que necessariamente ela procure. Seus diálogos com o maravilhoso Javier Drolas nos deixam atentos e a química entre os dois se reconhece pelo olhar. Drolas, inclusive, sempre que entra em cena, mesmo que ainda não tenha um português inteligível, nos tira do lugar e chama muito a atenção. Seu personagem é libertinoso, bissexual, um cadinho arrogante, mas ultra interessante e necessário para as motivações de Lori. A mulher também tem a aclamação do filho da amiga, para quem dá aula, e seu irmão vive a pedindo para não perderem o contato, mas esta sente que sua vida em um apartamento herdado no Rio é mais frutífera que na antiga casa da família. 

A direção da estreante Lordy faz com que entendamos esta mulher e sua vontade de prazer, de cura, de estar na sua. Temos uma câmera amiga e não julgadora. O texto, que também é assinado por Lordy em parceria com a argentina Josefina Trotta, lembra bem os livros de Clarice e seu jeito auto questionador. Um roteiro que narra a vida de uma mulher depois dos 30 e que não fere sua imagem, pelo contrário. Nos ensina a vê-la. 
 
O LIVRO DOS PRAZERES terá sessão especial no Petra Belas Artes, no próximo dia 23 de setembro, às 20h30. Após a exibição do filme haverá um debate especial com a presença da diretora Marcela Lordy, com os professores Eliane Fittipaldi e Evando Nascimento e a mediação de Paula Jacob, da Revista Claudia. A sessão será aberta ao público e os ingressos já estão disponíveis no ingresso.com e nas bilheterias do cinema.
 
Texto originalmente publicado no https://sitesejacult.blogspot.com em novembro de 2020
 
HOJE NOS CINEMAS

Cordialmente Teus, de Aimar Labaki | Assista nos Cinemas


Caro leitor, imagine-se zapeando entre vários canais de televisão na sua casa. Assim você consegue assistir vários programas de televisão ao mesmo tempo. Esta é a impressão que o filme brasileiro Cordialmente Teus passa. Pequenos episódios vão se sucedendo, interrompidos bruscamente como se alguém estivesse usando um controle remoto. Com o tema da história do Brasil, essas estórias pouco a pouco vão criando um sentimento de inquietude e desconforto, afinal ser brasileiro é viver no fio de uma navalha.
 
Nessa hora e meia de duração, o elenco passa por toda a nossa história, desde o Brasil Colônia até uma hipotética São Paulo do futuro. O elo que junta estas narrativas é o sofrimento dos excluídos, à mercê de uma elite sem escrúpulos, gananciosa e violenta. Temos indígenas torturados, escravizados africanos mortos, judeus aterrorizados com a inquisição, presos, etc, toda a gana de misérias humanas da trajetória do nosso país.
 
Os tons de cada trecho são variados. Temos desde a comédia até a tragédia, com sobretons irônicos, dramáticos, líricos ou aterrorizantes. Essa variedade de cores e matizes gera um desnível de qualidade nos contos. Alguns são magníficos, como o da judia louvando a memória do seu marido no porão de sua casa e a torturada política dando o depoimento de como seu bebê de seis meses foi queimado com um cigarro; outros nem tanto. Até mesmo a interpretação dos atores cria essa diferença, alguns se destacam bem mais que outros. 
 
Créditos: Divulgação   
 
É o primeiro longa-metragem do diretor Aimar Labaki. Ele ganha pontos por sua abordagem pouco usual. Tratar um tema importante como a história do Brasil com tantas camadas e subtextos é ousado e interessante, ainda que irregular. Os cuidados com a produção (cenário, fotografia, etc) demonstram um carinho especial pela ambientação da narrativa. É um trabalho autoral, feito nitidamente com paixão.

O roteiro é confuso para quem não conhece a história do Brasil. A curta duração de cada episódio não permite uma introdução adequada do momento histórico. Mas o sentimento de inquietude e revolta permanecem, mesmo que quem esteja assistindo não consiga compreender a totalidade do que está acontecendo. O nosso país não é fácil, definitivamente não é para iniciantes. 
 
Créditos: Divulgação    
 
Lançamento desta semana da Distribuidora Pandora Filmes em cinemas de todo o país, o filme Cordialmente Teus destaca-se pela paixão e pela crítica sociopolítica. Muito oportuno que seja lançado agora na época das eleições! Uma tragicomédia social brasileira para inquietar o seu eu acomodado! Imperdível!
 
Nota: 7,5/10          
 
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Ficha Técnica

 
  • Título original e ano: Cordialmente Teus, 2022. Direção e roteiro: Aimar Labaki. Elenco: Liz Reis, Marcos Breda, Agnes Zuliani Thaia Perez, Mawusi Tulani, Miriam Mehler, Maurício Xavier, Marina Mathey, Clovys Torres, Natalia Molina, Eduardo Silva, Igor Kovalewski, Debora Duboc, Diego Avelino, Ana Negraes, Edgar Castro, Eduardo Parisi, Aury Porto, Mariana Dias,  Anderson Kari Baia, Taty Godoi, Daniel Breda, Luah Guimarães, Vinicius Albano. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Figurino: Anne Cerutti. Fotografia: Jacob Solitrenick, ABC. Montagem: Pedro Jorge. Direção de Arte: Ana Rita Bueno. Produção: Liz Reis, Ricardo Aidar. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 94min.

 

HOJE NOS CINEMAS

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Me Farei Ouvir, de Bianca Novais e Flora Egécia


A inclusão de minorias em espaços públicos e esferas de poder se tornaram uma pauta frequente no pós-ditadura. E no Brasil, apesar de algumas vitórias para as mulheres datarem de 1827 com o direito a meninas frequentarem escolas e aos poucos irem vencendo lutas como: direito ao voto, a frequentar universidades, portarem cartão de crédito, se divorciarem, jogarem futebol ou terem uma delegacia específica para cuidarem de atos praticados contra elas, foi só com a constituinte de 1988 que fomos legalmente reconhecidas como ''iguais'' aos homens. 

Partindo desta premissa que a ocupação do espaço e do poder político e público pela mulher ainda precisar crescer mais por não ser representativo, o curta-metragem de Bianca Novais e Flora Egécia "Me Farei Ouvir'' ganha exibição hoje (21), às 20 horas, no Cine Brasília, o patrimônio da capital federal. O documentário foi realizado por uma equipe totalmente feminina e a partir de um financiamento coletivo que bateu sua meta e a ultrapassou. Ele exibe em seus quase trinta e um minutos depoimentos dos mais diversos entre as figuras públicas que conseguiram chegar a câmara dos deputados, senado ou trabalham no âmbito estadual público defendendo seus eleitores. Entre elas, a ex-Senadora Benedita da Silva, as Deputadas Federais Áurea Carolina, Luísa Canziani, Joênia Wapichana, a Deputada estadual de São Paulo Erica Malunguinho, a Cientista Política e Professora da UnB Flávia Biroli, a Advogada Eleitoral Gabriela Rollemberg, a Ex-candidata e Administradora Ilka Teodoro, a Prefeita Comunitária em Ceilândia Ivanete Oliveira, a Ex-Governadora do Distrito Federal Maria Abadia e a Ex-Senadora Marta Suplicy.

No filme, todas estas mulheres juntas relatam os abusos sofridos, os inúmeros preconceitos, a tentativa de desonra e situações que tiveram que passar ou ainda passam por estarem ocupando um espaço majoritariamente masculino, misógino, racista e etc.

Créditos: Divulgação         

O filme se abre com uma pergunta muito pertinente da advogada e Deputada Federal  Joênia Wapichana, a única representante indígena dentro da Câmara, '' Qual a finalidade desse filme?''. E ao assistirmos todas estas mulheres e figuras públicas declararem o que passam desde o dia que decidiram trilhar o caminho da vida política, entendemos que ele vem com a meta de instigar mais e mais o sexo feminino a buscar por igualdade de gênero em qualquer espaço e, principalmente, no meio político. Joênia reflete sobre falas extremamente preconceituosas que recebeu ao adentrar fisicamente este universo por parte de uma funcionária da câmara que deve orientar as pessoas a pegarem o elevador por lá, '' a senhora tem que ir para o outro lado, aqui só parlamentar''. A deputada retrucou dizendo que era sim, pois tinha o broche que a validava como tal, porém, a funcionária continuou a soltar frases descabidas sobre a aparência de Joênia e entre outros. Destaca então a deputada que o espaço como um todo não está preparado ainda para receber o seu povo e reconhecê-lo como demandante de direitos e deveres como diz a constituição.                                                                                                                       
       Créditos: Divulgação        

Outro depoimento que causa bastante impacto é o da Deputada estadual de São Paulo Erica Malunguinho que relembra com ironia os nomes que escuta por ser uma mulher trans e estar neste ambiente que ela conquistou e tem todo o direito de ocupar. Também comenta que o tal ''racismo velado'' ou a transfobia causam perseguição e os preconceitos com sua pessoa, ou com mulheres pretas e trans, vão se somando. Extremamente bem preparada e eloquente, Erica fala que a diversidade é sim uma obrigação do espaço politico e que quando criança já se via neste lugar de destaque, pois simulava eleições e vendia os candidatos que encontrava nos coleguinhas da rua - ali um interpretava Lula e outro Collor. Com argumentações que enaltecem o poder feminino e o seu levante, a Deputada, assim com a parlamentar e Ex-Senadora Benedita da Silva, são representações muito relevantes dentro do quadro político como um todo.

Benedita da Silva, tem uma história impressionante de luta, aliás, e fala desta culpa ou deste sentimento de estar em um lugar esperando para dar a mão a outras mulheres, principalmente, mulheres pretas, e estas demorarem a chegar - ''eu estou aqui para fazer com que outras mulheres venham para cá''. Participou da Constituinte, assim como a Ex-Governadora Maria Abadia, e conhece dos pormenores da época para uma mulher estar ali. 

Me Farei Ouvir destaca dois pontos marcantes da jornada feminina recente que são o Impeachment da Ex-Presidenta Dilma e o assassinato da Vereadora Marielle Franco. Estes dois momentos são interrompimentos do caminhar feminino dentro do poder público escrachadamente machistas e misóginos. No entanto, também houve uma alavancada das estatísticas que evidenciam o aumento de mulheres na política. Ainda que estas tenham surgido para cumprir algum tipo de cota partidária e agir de forma mais masculinizada.

Créditos: Divulgação      

Se os espectador tem medo que o filme venha ser de esquerda ou de direita, fique tranquilo. O curta não toma partido neste sentido. Ele vem para falar do feminino e suas lutas. Assim, traz figuras de diversos pensamentos políticos distintos - o que evidencia ainda mais o poder do patriarcado e o que sua misoginia faz. Pois em qualquer lado que a mulher esteja, as situações constrangedoras por não serem ''machos'' poderá vir. A ex-senadora Marta Suplicy, por exemplo, fala de como a mulher pública recebe criticas por um sapato que usa, por uma roupa ou se estão sequer arrumadas. Desaprova o trabalho da mídia neste ponto e revela que esta é muito mais cruel com uma mulher no poder do que com um homem. Também diz que o partido só trabalhava a favor dela quando ''havia o interesse'' e este podia não ocorrer - algo equivocado já que o partido deveria sim exercitar suas ferramentas de influência para construir um melhor espaço para o feminino. Marta Suplicy que já foi apresentadora de tevê, enquanto seu ex-marido era um homem público, conta que a política também chegou a atrapalhar seu relacionamento com o filho Supla, comentário até inesperado, mas que cabe via a questão da maternidade na vida das mulheres. 

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Ficha Técnica

Título original e ano: Me Farei Ouvir, 2022. Direção: Bianca Novais e Flora Egécia Roteiro e Pesquisa: Dandara Lima. Participações de: Senadora Benedita da Silva, Deputadas Federais Áurea Carolina, Luísa Canziani, Joênia Wapichana; Deputada estadual de São Paulo Erica Malunguinho; Cientista Política e Professora da UnB Flávia Biroli; Advogada Eleitoral Gabriela Rollemberg; Ex-candidata e Administradora Ilka Teodoro; Prefeita Comunitária em Ceilândia Ivanete Oliveira; Ex-Governadora do Distrito Federal Maria Abadia; e Ex-Senadora Marta Suplicy. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Trilha original: Ellen Oléria e Paola Lappicy. Som direto: Jéssica Barros e Juliana Santana. Assistência de Direção: Natália Duarte. Direção de Produção: Julia Tolentino e Lia Tavares. Operação de Câmera: Liss Fernández, Barbara Rodarte e Heloisa Abreu e Lívia Brito. Assistência de fotografia: Erica Oliveira. Fotografia Still: Janine Moraes. Direção de Arte: Bianca Novais e Flora Egécia. Produção de objetos: Rafaelly. Godoy Transporte: Angélica Rodrigues. Design de Som: Lyn Santos. Color Grading e Finalização: Raíssa Vilela. Pesquisa de Imagens: Cibele Tenório. Consultoria de Roteiro: Alice Lanari. Tradução e Legendagem: Entreasas Tradução e Acessibilidade. Produção Executiva: Vanessa Medrado. Realização: Estúdio Cajuína e Pavio Criativo. Duração: 30min.
Há relatos ainda sobre a questão da jovialidade, não só como a aparência destas figuras, dos ataques midiáticos que ferem a família, dos relacionamentos amorosos que podem se acabar por conta do crescimento e da exposição e muitas outras reflexões que transparecem uma necessidade ainda latente de que este estar na política tenha força o suficiente para superar o leque de dilemas que mulheres precisam enfrentar e homens não.   

Serviço:

Documentário Me Farei Ouvir

Local: Cine Brasília

Endereço: EQS 106/107, Brasília-DF

Data: 21 de setembro de 2022 (quarta-feira)

Horário: 20h

Entrada gratuita (ingressos de acordo com a lotação do local)