domingo, 23 de outubro de 2022

A Noiva, de Sérgio Tréfaut | 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo


                                                                                                       PERSPECTIVA INTERNACIONAL

Exibido na Seção ''Horizontes'' do Festival de Veneza

“Tu vais morrer, pai. Eu vou morrer, os meus filhos vão morrer – não necessariamente nessa ordem!”

Quando lemos a sinopse de “A Noiva”, de Sérgio Tréfaut, ficamos a nos indagar o porquê de um cineasta brasileiro, radicado há muito tempo em Portugal, ter se interessado por uma trama sobre viúvas de jihadistas iraquianos. À medida que vamos imergindo na sessão – dividida em pequenos capítulos, numerados através de algarismos romanos –, percebemos que não foi uma escolha casual: há muito conhecimento, por parte do cineasta, em relação a esta abordagem!

Conhecido dos críticos por conta do longa-metragem “Raiva” [2018 – homenageado em “Objetos de Luz” (2022, de Acácio de Almeida & Marie Carré – comentado aqui)], Sérgio Tréfaut utiliza a sua larga experiência como documentarista para deslindar parcimoniosamente o drama de Umm (Joana Bernardo), que, além de ter dois filhos pequenos e de estar grávida do terceiro, testemunha a execução de seu marido e é presa por conta de sua associação com bombardeadores islâmicos. Gradualmente, sabemos que, na verdade, ela chama-se Bárbara, é portuguesa, e, após viver algum tempo na França, conhece o seu marido, onde é convertida de maneira misteriosa a uma religião que admite como violenta.

Numa das seqüências iniciais, quando está sendo conduzida para o lugar onde o seu cônjuge foi capturado e está prestes a ser alvejado por metralhadoras, acompanhamos em plano muito aproximado o olhar de Bárbara, destacando-se no ‘niqab’, que ela é eventualmente obrigada a levantar. Ao ser perguntada se deseja testemunhar a morte de seu marido, ela responde afirmativamente, demonstrando não ser uma mulher melindrosa. Pelo contrário, quando o filme permite que a sua narração em português impregne o roteiro, escrito pelo próprio diretor, ouvimos a mulher orar de maneira decidida, desejando que os opositores de “Alá misericordioso” sejam exterminados ou vingados. Aliás, ela prefere ser chamada de Umm (‘mãe’), conforme seu marido a rebatizou...



Numa cena de forte impacto emocional, Umm é visitada pela mãe de seu esposo, senhora Gonzalez (Lola Dueñas), que alega discordar de tudo o que ele fez, mas insiste em enterrar o seu corpo. É o segundo momento em que ela precisa levantar o seu ‘niqab’, a fim de expor a sua face de aparência enganosamente pueril. As crianças que moram na mesma residência que ela referem-se aos estrangeiros como “infiéis” e, em brincadeiras com forte derivação bélica, dois garotos orgulham-se de expor os prédios destruídos por seus parentes: “estás vendo aquelas ruínas ali? Foi o meu pai que explodiu!”

Não sabemos qual o grau exato de parentesco destas crianças com Umm, nem quais foram exatamente os seus crimes. O diretor prefere que completemos as lacunas do enredo através de nossas projeções emocionais, a fim de não recair numa perspectiva julgamental e eurocêntrica sobre os comportamentos da protagonista ou sobre os costumes iraquianos. Mas, ao mesmo tempo, deparamo-nos com representações muito bonitas de permutas com as noções islâmicas de pecado. Vide o instante em que, após subornar um soldado, Umm experimenta uma calça enfeitada com lantejoulas por sobre a sua vestimenta austera de mulher enlutada ou o momento em que ela escuta, em fones de ouvido, a canção “Back to Black”, de Amy Winehouse, instaurando um desconforto desejoso em relação às mulheres que estão confinadas na mesma cela que ela…

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: A Noiva, 2022Direção, roteiro e produção: Sérgio Tréfaut. Elenco: Joana Bernardo, Lola Dueñas, Hugo Bentes, Hossein Hassan Ali, Saman Mustefa. Gênero: Drama. Nacionalidade: Portugal. Direção de Fotografia: João Ribeiro. Trilha Sonora original: Rowal Gelal. Edição: Pedro Filipe Marques. Produtora: Faux. Duração: 81 min. Classificação Indicativa: 18 anos.

Quando o pai de Bárbara (interpretado por Hugo Bentes, com quem o diretor já trabalhara anteriormente) entra em cena, o filme torna mais ostensiva a sua ascendência lusitana, e compreendemos os motivos para que o diretor tenha se afeiçoado a este bruto relato. A fotografia matrimonial que surge nos créditos de encerramento é deveras impactante, sobretudo porque sabemos que a saga imigrante de Umm/Bárbara não é isolada. Numa inversão interessante do que ocorre aos borbotões na Europa – quando refugiados sírios, curdos e de tantos outros países são maltratados em tentativas desesperadas de fuga –, Umm é julgada por ter adentrado o Iraque sem possuir um visto de viagem. E, por mais que ela declare-se arrependida em seu julgamento, sabemos que ela permanece intencionalmente fiel aos novos valores em que acredita. Mais uma vez, o que acontece nas cenas é contrabalançado por suas orações irascíveis, em ‘off’.

Num estilo corajosamente frontal, Sérgio Tréfaut converte-nos em companheiros de aprisionamento daquelas mulheres, lidando com situações chocantes, como a proibição de que crianças maiores de cinco anos fiquem ao lado de suas mães, o esfacelamento de pedaços de carne animal servidos às viúvas desfavorecidas e o desamparo dos parentes dos estrangeiros convertidos ao islamismo que, por extensão, participaram de uma violenta guerra, ainda em curso. Nos créditos finais, sabemos que esta obra foi filmada no Curdistão e que a Embaixada do Iraque em Portugal contribuiu para que o realizador obtivesse êxito em sua empreitada narrativa. Trata-se de um filme muito forte, que evita as concessões melancólicas concernentes ao gênero dramático. Ao invés disso, ele prefere lidar com o fardo de aceitar a morte, não apenas como um fato esperado da vida, mas enquanto consequência inevitável das decisões estouvadas de seus artífices.

Vinheta da Mostra SP



Horários de exibição

23/10

16:15

RESERVA CULTURAL - SALA 1

25/10

18:15

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA ANEXO 4

27/10

18:10

INSTITUTO MOREIRA SALLES - PAULISTA


Mais informações e compra do ingresso, visite o site da Mostra SP.


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