MOSTRA BRASIL
Ainda o “Fora Temer!”, ou as rasteiras da História estão cada vez mais violentas!
Não foram poucos os cineastas que atreveram-se a filmar a famosa tragédia shakespeariana sobre os dilemas existenciais de Hamleto, o jovem príncipe da Dinamarca: a maioria (Laurence Olivier, Franco Zeffirelli, Kenneth Branagh) seguiu o percurso da adaptação clássica, enquanto outros (como o outrora promissor Michael Almereyda, por exemplo) optaram por versões heterodoxas. Em todos os casos, interessava o modo como essa peça fazia despertar o imperativo da ação, “que movimenta a narrativa”, conforme faz questão de explicar o ator Marcelo Restori ao seu filho adolescente Fredericco, no filme ora resenhado.
Filmado durante as ocupações estudantis que eclodiram no ano 2016 – quanto também aconteceu o ‘impeachment’ da ex-presidenta Dilma Rouseff –, “Hamlet” (2022, de Zeca Brito) funde estratégias de ficção em seu entrecho documental: o protagonista, vivido pelo supracitado Fredericco Restori, reluta em assumir-se como líder de uma das células estudantis mostradas no filme. Defendendo insistentemente a lógica da horizontalidade de reivindicações, a modéstia do personagem é confrontada pelas escolhas de ênfase actancial do filme em si, que acompanha muitas de suas (in)decisões. Num momento-chave, ele questiona a relevância do célebre monólogo sobre o “ser ou não ser” com seu pai, que aparece como uma extensão conscienciosa. Ele é incitado a agir (e/ou atuar), portanto.
Antes que Fredericco esforce-se para solicitar algo à própria Dilma Rousseff, que participava de um comício no Rio Grande do Sul, uma das reflexões iniciais do mentor Marcelo dissolve-se na maneira como o filme é elaborado: segundo ele, na trama de William Shakespeare [1564-1616], todos os personagens são normados, exceto os atores que protagonizam uma peça dentro da peça, fundamental para que algumas situações sejam compreendidas enquanto “espelho” de atitudes decisivas. Ao longo do filme, porém, não ouvimos os nomes dos partícipes das ocupações dos espaços escolares. Todos têm direito à voz, nem que sejam como colaboradores dos jograis que permitem um maior alcance sonoro das pautas compartilhadas pelos discentes.
Título original e ano: Jamlet, 2022. Direção: Zeca Brito. Roteiro: Frederico Ruas e Zeca Brito. Elenco: Fredericco Restori, Jean-Claude Bernardet e Marcelo Restori. Participação especial: Dilma Rousseff. Gênero: Híbrido de Ficção e Documentário. Nacionalidade: Brasil. Trilha sonora original: Rita Zart. Desenho de som e Mixagem: Tiago Bello. Supervisão de pós-produção: Tyrell Spencer. Montagem: Jardel Machado Hermes. Fotografia: Bruno Polidoro, Joba Migliorin, Lívia Pasqual e Zeca Brito. Produção executiva: Clarissa Virmond, Frederico Ruas, Tyrell Spencer e Zeca Brito. Empresa Produtora: Anti Filmes. Coprodutora: Galo de Briga Filmes. Duração: 87 min. P&B. Duração: 87 min. P&B.
Fotografado num preto-e-branco ostensivamente granulado, este filme é prejudicado pelas contingências políticas da realidade, no sentido de que o bolsonarismo demonstrou-se muito mais vilanaz que as perseguições, censuras e cortes de verbas ocorridos no governo ilegítimo do golpista Marcelo Temer. Conforme ocorreu noutros Estados, em insurreições similares, os estudantes são chamados de “vagabundos”, hostilizados pelos agentes terceirizados do poder público e ignorados quanto tentavam dialogar diretamente com o Secretário de Educação e outras autoridades. Numa palestra inserida como chamariz espectatorial, o crítico de cinema Jean-Claude Bernardet afirma que a consideração de que o aprendizado escolar determina irrestritamente as escolhas do cidadão seria uma continuidade do pensamento conservador. A rejeição dos currículos escolares tendenciosamente pré-definidos permanece urgente enquanto estímulo à renovação pensamental. Pena que, de 2016 para cá, tudo piorou em escala avassaladora...
Num esforço por situar esse filme na época em que foi realizado, acrescentamos que “Hamlet” oferece um bem-vindo contraponto sulista a obras que fizeram sucesso ao conferirem um necessário protagonismo aos alunos secundaristas, como “Espero Tua (Re)Volta” (2019, de Eliza Capai) ou “Selvagem” (2019, de Diego da Costa), além do petardo nordestino “Cabeça de Nêgo” (2020, de Déo Cardoso). Estas produções beneficiaram-se de uma certa contemporaneidade em relação aos seus lançamentos e os eventos reconstituídos, enquanto “Hamlet” soa um tanto anacrônico no período em que foi concluído, visto que a ascensão do atual presidente, lamentavelmente candidato à reeleição, demonstra um retrocesso nacional acerca do que era reclamado pelos estudantes, dotando o desfecho do filme de um julgamento que reforça a impotência do protagonista. Afinal, quando exortado a agir – depois que, metalingüisticamente, aceita a sanha de personagem central –, o que Fredericco faz é entregar um documento a uma representante executiva deposta de seu cargo. Será que ele não entendeu bem o que o seu pai falou? Ou o que o crítico disse, em seguida? Sua imaturidade etária talvez não sirva como justificativa.
Dentre os bons momentos do filme, convém destacar uma situação muito interessante de embate midiático, em que uma repórter da TV Record é confrontada, numa transmissão ao vivo, por um fotógrafo imiscuído em meio aos estudantes revoltosos. Durante os gritos de protesto, havia quem se preocupasse com o mau uso de palavrões. Não obstante seus bons intentos e sua abnegação militante, Fredericco não é suficientemente dotado de carisma para comparar-se ao Hamleto shakespeariano. Cabe-lhe seguir em frente com algumas acrobacias, apresentadas como ‘flashforwards’ durante a projeção. Contrariando o que ocorre ao final da peça que serviu de inspiração, que o silêncio não se instale como único “resto” possível!
Vinheta da Mostra SP
Horários de exibição
25/10
21:20
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1
27/10
14:00
CINE SATYROS
25/10
21:20
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1
27/10
14:00
CINE SATYROS
Mais informações e compra do ingresso, visite o site da Mostra SP.
Site Oficial: https://46.mostra.org/
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