“Todo mundo merece uma grande história de amor”, dizia a divulgação do filme ‘Com Amor, Simon’, comédia adolescente de 2017 cujo protagonista gay buscava a aceitação das pessoas que amava. O longa não foi o mais próximo de uma comédia romântica gay que tivemos vindo de um grande estúdio de Hollywood, mesmo que se tratasse mais de uma “dramédia” de amadurecimento do que propriamente uma comédia romântica, isto porquê muito antes da era das redes, lá em 1997, o cinema norte-americano entregava ao mundo Kevin Kline como um professor que se descobria Gay em ''Será Que Ele É'', produção com direção de Frank Oz que foi um baita sucesso comercial e de crítica levando até indicação ao Oscar na categoria de atriz coadjuvante. Nos anos recentes, ainda que títulos como ‘Alguém Avisa?’ e ‘Fire Island: Orgulho & Sedução’, chegaram para preencher uma necessidade de comédias românticas protagonizadas por personagens LGBTQIAP+, estes mesmos filmes não obtiveram recepção e seus pequenos orçamentos e divulgações modestas com lançamento direto em serviços de streaming não foram suficientes para colocá-los no radar do grande público - ainda que a pandemia também tenha certa culpa nisto. Logo, faltava uma comédia romântica gay de orçamento mais generoso e que fosse lançada com toda pompa nos cinemas. Quer dizer, não falta mais.
Protagonizado e co-roteirizado por Billy Eichner, ‘Mais que Amigos’ é lançado com um grande desafio: convencer o público que não se trata de um filme de nicho. Tendo como diretor o veterano de comédias Nicholas Stoller, que assina o roteiro ao lado de Eichner, o longa tem em seu DNA uma carga mais sexual e desbocada, o que o coloca mais perto de filmes como ‘Ligeiramente Grávidos’ e ‘Vizinhos’ do que das comédias românticas protagonizadas pelas rainhas Sandra Bullock ou Julia Roberts. A intenção parece tentar abraçar e, ao mesmo tempo, questionar as convenções do gênero.
Também estão no elenco os comediantes Kenan Thompson, Amy Schumer e Seth Meyers. Eles interpretam três figuras históricas LGBTQ da vida real, James Baldwin, Eleanor Roosevelt e Harvey Milk, respectivamente. O trio, assim como as atrizes Debra Messing e Kristin Chenoweth, não fazem parte da comunidade gay.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Bros, 2022. Direção: Nicholas Stoller. Roteiro: Nicholas Stoller e Billy Eichner. Elenco: Billy Eichner, Luke Macfarlane, Guy Branum, Miss Lawrence, TS Madison, Dot-Maria Jones, Jim Rash, Eve Lendley, Monica Raymund, Guillermo Diaz, Jai Rodriguez, Debra Messing, Peter Kim, Kenan Thompson, Amy Schumer, Kristin Chenoweth. Gênero: Comédia, Romance. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Marc Shaiman. Fotografia: Brendon Trost. Edição: Daniel Gabbe. Design de Produção: Lisa Meyers. Figurino: Tom Brocker. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 01h55min.
Bobby Leiber (Billy Eichner) tem muito a dizer. Verbalmente afiado e adoravelmente ranzinza, ele usa seu podcast para abordar suas experiências como autor frustrado de livros infantis e as desventuras amorosas que um quarentão gay enfrenta em aplicativos de paquera. Além de entreter seus ouvintes com suas lamúrias, Bobby é uma personalidade reconhecida por sua comunidade, status que o garantiu um convite para ser curador de um museu sobre a História LGBQIAP+. Durante uma festa, o homem conhece Aaron (Luke Macfarlane), um advogado crossfiteiro que é descrito por um amigo de Bobby como “gato, mas chato”. O flerte desajeitado ressalta as diferenças entre eles: enquanto Bobby é falastrão e extrovertido, Aaron é mais calado e reservado; enquanto Bobby parece inseguro com seu corpo, Aaron desfila orgulhosamente seus músculos pela balada. Mas eles têm algo em comum: não estão em busca de compromisso sério. Uma relação pouco convencional surge entre eles, provando que se apaixonar não é nada fácil.
Luke Macfarlane é conhecido por produções realizadas para o canal Hallmark e esta é a primeira vez de Billy Eichner como um protagonista de um grande filme para um grande estúdio
‘Mais que Amigos’ é uma comédia que não tem medo de ser ousada. Ao mesmo tempo que se vende como uma comédia romântica, o filme não tenta se afastar das comédias sexuais dirigidas por Judd Apatow, este que aliás produz o longa, ou ainda pelo próprio Stoller: o primeiro encontro oficial entre o protagonista e seu interesse amoroso, por exemplo, termina envolvendo sexo com outro casal; outras cenas incluem uma transa fruto do tesão após um embate físico entre Bobby e Aaron, uma orgia mal-sucedida com a participação do crush de adolescência de Aaron, além de uma tentativa fracassada de Bobby de tirar nudes para um cara que conheceu num aplicativo (e que o bloqueia logo em seguida). Todas estas situações sexuais que garantem a classificação indicativa de 16 anos para o filme no Brasil não diminuem o clima de romance da história, em especial pela ótima química entre Eichner e Macfarlane. Apesar de representarem arquétipos, ambos os personagens soam como pessoas reais que existem independentemente um do outro. Eles têm medos, inseguranças, sonhos, traumas, tesão. Tanto Bobby quanto Aaron são personas interessantes o suficiente para segurarem um filme inteiro individualmente, e é isso que torna a interação entre eles ainda mais gostosa e envolvente. É impossível não torcer pela dupla.
A produção surpreende ao, no meio de cenas constrangedoras de sexo e piadas sobre divas Pop, se permitir ser emocional. A trama reflete sobre a construção da masculinidade no meio gay, a hipermasculinização na pressão estética, a constante imposição social que homens gays sofrem desde a infância para evitarem trejeitos afeminados e, por consequência, censurarem partes de si que são consideradas “inadequadas”. O 2º ato do filme se aprofunda nestas questões, em como elas afetaram e continuam afetando as vidas de Bobby e Aaron e como estas mesmas indagações eventualmente acabarão se tornando um problema na relação deles. A construção destes sentimentos intensos e humanos é a chave para causar a identificação do público, usando de experiências vividas pela comunidade gay para lidar com temas universais como a formação da própria identidade, a dor da rejeição e a busca por aceitação e acolhimento.
Luke Macfarlane e Billy Eichner revelaram que as cenas mais calientes foram coordenadas por um coach especializado.
O elenco, composto quase que totalmente por intérpretes LGBTQIAP+, mostra que não foi escalado à toa. As performances, mesmo de personagens coadjuvantes, trazem vida e cores às amizades, discussões e paqueras mostradas em tela. O destaque, sem dúvida, fica para Billy Eichner e Luke Macfarlane, que oferecem a vulnerabilidade necessária para os personagens e suas histórias funcionarem. Macfarlane, inclusive, já é conhecido por comédias românticas, tendo protagonizado quatorze filmes natalinos do Hallmark Channel (dos quais ‘Mais que Amigos’ faz questão de zombar), além de ter atuado na comédia romântica gay da Netflix ‘Um Crush para o Natal’. Por sua vez, o personagem Bobby respira sarcasmo, neurose e tagarelice, mostrando que Billy Eichner emprestou muito de sua persona pública a seu protagonista.
Ainda que soe um tanto indeciso (e talvez até meio moralista) ao tratar temas como o debate monogamia versus relacionamento aberto, ‘Mais que Amigos’ abre espaço para reflexão, por exemplo, sobre a máxima conservadora de que crianças não devem ser expostas a histórias com teor LGBTQIAP+ (por causa do fantasma da famigerada ideologia de gênero), e como essa visão retrógrada impacta negativamente a vida das pessoas. Cheio de referências Pop e piadas ágeis, a produção ainda tem espaço para os clichês românticos do gênero, presenteando o público com doses adoráveis de cafonice e fofura. Porque é perfeitamente normal e até saudável acreditar no amor. Especialmente aqueles que duram 3 meses e depois são renovados a depender do que rolar.
“Eu não sou a pessoa certa pra escrever uma comédia romântica”, diz o personagem de Billy Eichner num dos episódios de seu podcast. Se essa piada metalinguística era reflexo de alguma insegurança de Eichner ao co-escrever o roteiro de ‘Mais que Amigos’, bom, ele estava errado.
Saúde!
HOJE NOS CINEMAS
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