Este texto contêm spoilers
E se fosse Romeu e Rosalina?
Conhecida como a maior história de amor de todos os tempos, Romeu & Julieta, de William Shakespeare, teve e continua tendo, grande relevância como inspiração para outras obras, sejam elas literárias, musicais ou filmes. São incontáveis as produções que se baseiam numa das peças mais conhecidas de Shakespeare, muitas delas conseguem se sobressair ao conto, e outras usam a obra original como pano de fundo para algo novo. É perigosa a segunda alternativa, mas quando feita sem se levar muito a sério, pode alcançar um resultado autêntico. É o que aconteceu com Rosalina, da diretora Karen Maine, que quis dar a Romeu uma ex-namorada, e contar a versão dela, dos fatos já muito conhecidos do público.
Algo raro de se realizar quando se trata da ambientação de clássicos, de um jeito que converse com o público contemporâneo, é adaptar uma obra de época, de um jeito que não soe forçado. Rosalina pode levar os créditos por trazer um diálogo informal, com uma roupagem progressista, para a obra, sem parecer que está tentando demais se misturar com as gerações mais novas. Esse longa trouxe a atriz Kaitlyn Dever como a protagonista da história, Rosalina Capuleto, e como a nova queridinha das comédias românticas, ela assumiu seu papel com um carisma genuíno, ao interpretar uma mulher traída, cheia de ambições proibidas às mulheres da época, e cheia de opiniões igualmente reprováveis para o gênero.
Kaitlyn tem no currículo o bonzão Booksmart, longa com direção de Olivia Wilde, e recentemente interpretou a filha de Julia Roberts e George Clooney, em 'Ingresso Para o Paraíso', de Ol Parker (leia comentários aqui). Ao que parece, Julia pode muito bem ter passado o manto das comédias românticas para Kaitlyn, e agora ela pode até fazer a carreira dela nesse gênero que teve sua fase de ouro nos anos 1990, e que talvez esteja em sua renascença.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Rosaline, 2022. Direção: Karen Maine. Roteiro: Michael J. Weber e S cott Neustadter - Baseado no livro de Rebecca Serle ''Quando Tu Eras Meu'' que tem como inspiração os personagens clássicos criados por William Shakespeare. Elenco: Kaitlyn Dever, Kyle Allen, Bradley Whitford, Sean Teale, Isabela Merced, Spencer Stevenson, Christopher McDonald, Minnie Driver, Nico Hiraga, Alistair Toovey. Gênero: Romance, Comédia. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Drum & Lace, Ian Hultquist. Fotografia: Laurie Rose. Edição: Jennifer Lee. Figurino: Mitchell Travers. Distribuição: 20th Century Studios. Duração: 01h35min.
Em Rosalina, a mocinha do título, vive um romance proibido com Romeu (Kyle Allen), que a visitava em sua sacada todas as noites. Mas em uma tentativa de Adrian Capuleto (Bradley Whitford), o amoroso e compreensivo pai da moça, para arranjar um marido para a filha, o romance dos dois fica comprometido. Enquanto Rosalina está em um barco com o pretendente, Dario Penza (Sean Teale), Romeu vai ao épico baile de máscaras dos Capuleto para encontra-la e acaba esbarrando com Julieta (Isabela Merced). Aqui os destinos de Romeu e Julieta são traçados para sempre e a gente já sabe o que está prestes a acontecer.
Mas o desenrolar do longa, nos leva a conhecer os fatos pelo olhar crítico e questionador da personagem que nomeia o filme. E vemos que todos os acontecimentos se sucederam, por conta de ações vilanescas de Rosalina, na tentativa de separar o casal. Tudo isso enquanto está acompanhada de Dario, que fica intrigado com a personalidade de Rosalina, e a química de Sean com Kaitlyn é impressionante. Dario consegue argumentar no mesmo nível que Rosalina e a questiona sobre o amor que a mesma sente por Romeu. E quando os atos da mulher abandonada acabam por resultar na trágica morte de Teobaldo (Alistair Toovey), ela enxerga que estava errada o tempo todo, e Romeu não a pertencia.
A costura entre a história original, que nós já conhecemos, e a interferência de Rosalina, se tornam uma história só e o espectador se sente contemplado pelas ações da protagonista que questiona cada acontecimento que se dá na trama. Como ''por tanto tempo, Romeu e Julieta foram considerados o maior casal de todos os tempos, se eles mal se conheciam e esse suposto amor acabou em tragédia''? ''De quantas maneiras o plano de Julieta poderia dar errado''? Com sutileza, as falhas da história original vão sendo apontadas por Rosalina, que vai mudando o final da história, sem alterar seu resultado. Para o mundo, Romeu e Julieta morreram por amor, como resultado do ódio entre suas duas famílias, e a morte deles, significa um recomeço para Verona. Só que Rosalina os ajudou a forjar ambas as mortes, e a escaparem da cidade para serem felizes para sempre longe dali.
Enquanto Dario e Rosalina foram se conhecendo ao longo da trama, se acostumando um com o outro. Enxergando um ao outro de verdade, e aprendendo a gostar da presença um do outro. Romeu e Julieta só tinham o fogo de uma paixão repentina e momentos fugazes às escondidas que os ligava. Quando enfim conseguiram fugir de Verona, descobriram que não tinham nada em comum.
Créditos: 20th Century Studios
Na peça original, escrita por William Shakespeare, Rosalina termina com Romeu antes do inicio dos conflitos e sequer é vista na peça.
Rosalina é uma obra carismática e genuína, com roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber, que não traz incômodo por ter diálogos informais, tidos como atuais. Seria uma grata surpresa, ver Kaitlyn Dever quebrar a quarta parede, porque ela certamente tem carisma para isso e caberia no tom jovial que o filme quis passar. Com a presença de Minnie Driver, como a ama da nossa heroína, que também é formada em enfermagem, e Spencer Ryashon Stevenson, como Paris, o noivo contrariado de Julieta, e melhor amigo de Rosalina, a obra tem traços progressistas que, de novo, não soam forçados ou fora do lugar. Tudo tem um motivo, tudo se encaixa.
A trilha sonora do filme dá um toque especial, com uma vibe a la Bridgertons, transformado músicas atuais em versões mais lentas e clássicas, para se ambientar à época. Como o filme busca essa linguagem mais informal, em uma cena, Rosalina se encontra deitada em seu quarto, escutando uma versão mais lenta de All By Myself, que um violinista está tocando exclusivamente para ela, que estava na fossa, porque descobriu que Romeu parou de a visitar, para recitar os mesmos poemas para outra. Toques como esse, dão a leveza e o ar inovador e divertido que a obra pede. O filme acaba e a gente nem vê o tempo passar.
É importante notar, que enquanto outras releituras de obras clássicas, como Cinderela (2021), o feminismo abordado parece insinuar que não há espaço para o amor na vida de uma mulher empoderada. Todavia Rosalina faz o contrário disso, a protagonista sonha com uma carreira de cartunista, sonha com uma vida melhor, mas dentro disso, ela coloca o amor com igual importância em sua vida. Numa época de casamentos arranjados, ela quer se apaixonar genuinamente, e também quer sua independência pessoal. Kaitlyn em entrevista para o Screen Rant Plus (assista aqui), cita os vários níveis da personagem que interpreta, e como ela é corajosa, feminista e determinada.
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