Quando o enfermeiro local que os atendia é substituído por Juracy (Aline Marta Maia), que, logo na primeira visita, apresenta uma proposta que mudaria completamente o tipo de vida que eles levavam. A oferta é sussurrada ao ouvido de Irene - quem realmente toma as decisões da casa.
Nesse momento, o espectador deduz o que se passa. O plano parece ser óbvio o suficiente para ser inferido. Engano. Jamais seríamos capazes de imaginar o que estava por vir. A chegada de um completo estranho na rotina da família balança as estruturas de todos. Como em O Estranho que Nós Amamos (Don Siegel, 1971), o homem desperta desejos diferentes em cada um dos habitantes da casa. Mesmo que esse desejo surja disfarçado de repulsa. É notável como a frustração sexual dos personagens potencializa o conflito.
Neste primeiro longa-metragem da diretora Carolina Markowicz - que já havia surpreendido o público recentemente com seu curta O Órfão - tudo o que é mais interessante fica na esfera do não-dito. Nunca é revelado exatamente qual foi o acordo entre Juracy e a família (nem o inicial, nem o final). Muito menos entre Juracy e a responsável por Miguel (César Bordón), o estrangeiro. Também não se sabe o que se passa na casa da vizinha Luciana (Camila Márdila). Nem sequer o envolvimento do pequeno Jean na trama. Esse conjunto do que é depreendido, mas não se pode ter certeza, junto com a decupagem de enquadramentos, é crucial para estabelecer o suspense do filme.
No fim das contas, essa gente que grita enquanto fala pra dentro, essa gente de sotaque carregado que só reza e labuta, vai muito além da preconcepção que se estabelece do brasileiro humilde, ignorante, reprimido e de bem. E vemos esse estereótipo se mostrar errado da maneira mais gostosa e assustadora. Junto à revelação da família atrás da máscara, vem uma desconfiança de tudo e todos. Se eles não são quem pensávamos, por que seria Luciana? E o marido desta? E o padre?
As atuações são um trunfo à parte. O alcance de Maeve Jenkins não é novidade para ninguém. Aqui, ela faz sentirmos de tudo por Irene. Da antipatia à compaixão, da pena ao medo. No início, há o estranhamento da dicção truncada do jovem ator. Mas logo que os ouvidos se acostumam, isso se torna um deleite. Jean Costa foi dirigido com uma potência tamanha que vemos em poucas atuações mirins. Sua naturalidade e malemolência encantam.
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