“Eu posso caminhar sozinho!”
Situado no ano de 1863, quando foi abolida a escravidão nos Estados Unidos da América, “Emancipation – Uma História de Liberdade” (2022) apresenta-nos a Peter, um escravo de origem haitiana, que após trabalhar numa fazenda de algodão, é forçado a desempenhar atividades de guerra, separando-se de sua família e lidando com agressões cotidianas e fortuitas, de cariz cada vez mais violento. No percurso de Peter para a área onde ele é obrigado a erigir trilhos ferroviários, vemos vários corpos desmembrados e pessoas enforcadas, entre escravos e desertores de guerra. Até que ele consegue fugir.
As duas horas e doze minutos de duração deste longa-metragem são agrupadas em três blocos: no início, testemunhamos a brutalidade de um contexto em que a escravidão é reforçada através da repetição de versículos bíblicos. Os possuidores de escravos repetem trechos da Bíblia enquanto espancam os homens, declarando que a obediência aos mestres é uma condição do cristianismo. Quem tenta escapar do ferro quente no rosto é mastigado por cachorros ferozes ou alvejado por tiros e jogado aos animais selvagens.
No desenvolvimento, somos cúmplices audiovisuais das agruras enfrentadas por Peter, enquanto corre e nada pelos pântanos da Louisiana, demonstrando possuir uma inteligência sobressalente, além de um intensificado desejo de sobrevivência. A cena em que ele luta com um crocodilo é particularmente fascinante, dentro do escopo de filmes de ação no qual o cineasta especializou-se.
Créditos: Apple Tv+
Imani Pullum, Will Smith, Jeremiah Friedlander, Landon Chase Dubois, Charmaine Bingwa and Jordyn McIntosh em "Emancipation - Uma História de Liberdade," estréia esta sexta-feira (09) no Apple TV+.
Na conclusão, o filme recai nos clichês típicos do triunfalismo estadunidense, freqüentes nas tramas de guerra. Nesse trecho final, conhecemos a inspiração verídica do personagem, quando descobrimos que o protagonista é um ex-escravo que, ao deixar-se fotografar, expondo as cicatrizes chocantes em suas costas, virou um símbolo dos horrores da escravidão, ao redor do mundo. Paradoxalmente, essa mesma fotografia, no filme, gera um diálogo cínico, por parte de um general, que, ao encarar Peter, expõe a sua reação negativa à “Grande Questão Negra”, de maneira intimidadora: “tu és um lutador ou um fugitivo?”. Para ele, aquelas cicatrizes são símbolos de desobediência, ao invés de metonimizar os maus tratos absurdos associados à falsa idéia de que uma raça é superior às demais.
Entre erros (o uso um tanto pleonástico da trilha musical de Marcelo Zarvos) e acertos (a fotografia espertamente desbotada de Robert Richardson), o filme é exitoso em suas intenções sinópticas: o espectador é levado a torcer para que Peter continue vivo, por mais que o enredo force a barra ao mostrá-lo como um pai de família cuidadoso e como um homem que desafia quaisquer pessoas, a fim de ajudar quem está sendo espancado. Eficientemente submetido a uma maquiagem envelhecedora e esforçando-se na adoção de um sotaque estrangeiro, Will Smith não consegue dotar a sua interpretação da pujança necessária, visto que a caracterização do mesmo é estereotípica, não fazendo jus à importância da pessoa real que o inspirou.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Emancipation, 2022. Direção: Antoine Fuqua. Roteiro: Bill Collage. Elenco: Will Smith, Ben Foster, Charmaine Bingwa, Gilbert Owuor, Aaron Moten, Ronnie Gene Blevins, Jabbar Lewis, Michael Luwoye, Steven Ogg, Grant Harvey, Grant Harvey, Paul Ben-Victor, Jesse C. Boyd. Gênero: Ação, suspense. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Marcelo Zarvos. Fotografia: Robert Richardson. Edição: Conrad Buff IV. Design de Produção: Naomi Shohan. Direção de Arte: Tom Frohling. Figurino: Francine Jamison-Tanchuck. Produtoras: Apple TV+, CAA Media Finance, Escape Artists e McFarland Entertainment. Disponível no Apple TV+ em 09 de Dezembro (link aqui). Duração: 02h12min. Classificação: 16 anos.
No elenco, Peter é antagonizado pelo implacável capataz vivido por Ben Foster, que num testemunho revoltante, narra um episódio familiar de extrema crueldade, quando o seu pai esfaqueou uma escrava que ele tratava como amiga, durante um almoço. A justificativa para o ódio aos negros é convertida em lógica econômica: “se começarmos a oferecer-lhes lugares à mesa, logo eles desejarão também os nossos empregos e, por fim, tomarão as nossas terras”. Nenhum preconceito é gratuito, afinal, pois serve para financiar o poderio de outrem, geralmente sob o jugo do Capitalismo.
Apesar do desfecho bastante clicherosos e de algumas contradições insuficientemente exploradas na narrativa (a mencionada lógica religiosa, por exemplo), este filme maneja de maneira eficaz as convenções de gênero, possuindo muitos aspectos em comum com o oscarizado “12 Anos de Escravidão” (2013, de Steve McQueen), mesmo não possuindo a mesma dramaticidade. Em mais de uma situação, os personagens questionam o significado da palavra liberdade, frente às variegadas interpretações para ela. Em dado momento, um dos escravos que foge junto com Peter recusa os seus conselhos bem-intencionados, afirmando raivosamente: “tu não és o meu proprietário”. As belezas e perigos do cenário natural são muito bem explorados e o ritmo do longa é entretenedor, mas as discussões concernentes às mazelas da escravidão e aos eventos históricos são incipientes, a despeito dos letreiros que aparecem na tela. No que tange à reabilitação da imagem do ator, o filme é positivo, portanto. Merece ser visto, discutido e, quiçá, premiado!
09 DE DEZEMBRO NA Apple TV+
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