Sem Ursos, de Jafar Panihi | 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

                                                                                                         PERSPECTIVA INTERNACIONAL

                                                                                                   Exibido no Festival de Veneza e Toronto

Em 2010, Jafar Panihi foi condenado a seis anos de prisão e proibido de deixar o país e de filmar por vinte anos, sob a alegação do crime hediondo de fazer propaganda contra o regime odioso do Irã. Sem se calar e usando técnicas de enfrentamento a este mesmo regime, o grande diretor iraniano não foi silenciado. Desde então, já entregou às plateias de todo o mundo os filmes Isto Não É um Filme (2011); Cortinas Fechadas (2013); Táxi Teerã (2015); 3 Faces (2018) e agora em 2022, Sem Ursos, vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Veneza 2022.

Usando muita auto ficção, o diretor iraniano utiliza com muita inteligência metalinguagem em três narrativas paralelas, com apelo emocional certeiro e crítica política contundente à situação iraniana. Na primeira camada do roteiro, temos o próprio cineasta Jafar Panahi num vilarejo de fronteira com a Turquia. De lá, ele consegue orientar, através do seu notebook, as filmagens de um novo filme na Turquia, onde um casal de atores interpreta perseguidos políticos que planejam conseguir passaportes para migrar para a Europa; esta é a segunda narrativa. E, para completar a complexidade narrativa do longa, a terceira estória é a vida real do casal de atores, que realmente são perseguidos e planejam fugir para um país melhor.

As três narrativas vão se desenvolvendo paralelamente e o tempo todo se cruzando. Jafar, no vilarejo, acaba se metendo em uma grande confusão: em um dos seus momentos de ócio por estar sem internet, fotografa um homem e uma mulher cujo amor é proibido, pois a jovem tinha sido prometida ainda recém-nascida a um adulto de família rival. No filme, o casal ficcional consegue finalmente passaportes falsos e vão migrar para Europa. Na vida real, só um dos dois consegue o documento libertador e o outro se suicida.

Ficha Técnica

Título original e ano: Khers Nist, 2022. Direção e Roteiro: Jafar Panihi. Elenco: Jafar Panahi, Naser Hashemi, Vahid Mobaseri, Bakhtiar Panjei, Mina Kavani, Sinan Yusufoglu, Bülent Keser. Gênero: Drama. Nacionalidade: Irã. Desenho de Som: Mohammadreza Delpak. Fotografia: Amin Jafari. Edição: Amir Etminan. Departamento de arte: Federico Mazza. Design de Produção: Babak Jajaie Tabrizi. Duração: 107min

Assim o filme vai registrando o cotidiano opressor do regime iraniano, onde as pessoas são coibidas de sair, de se envolver com quem gostam, todos sob perseguição política e religiosa. Cenas chave são de cortar o coração, como por exemplo, a hora em que Zara, interpretada por Mina Kavani, sai de seu personagem e revela para as câmeras seu passado de prisão, tortura e desespero.

O diretor, nesses quiproquós engraçadíssimos e ao mesmo tempo assustadores com a comunidade, que insiste que ele entregue a foto do casal de jovens, também se sente atraído pela possibilidade de sair do país e alcançar a liberdade. Sua proximidade com a fronteira em estradas controladas pelos contrabandistas; sua insegurança em tomar a rota da fuga; seus anseios por voltar a dirigir são momentos melancólicos. No final deste excelente filme, o diretor precisa sair rapidamente do povoado; o casal de jovens apaixonados tem um final trágico ao tentar fugir da vila e um grande sentimento de desesperança se abate sobre quem está assistindo. Sem Ursos é cinema político de primeira qualidade e um que abala a alma..

Nota: 8,5/10.

Escrito por Marcelino Nobrega