Damien Chazelle (Whiplash, 2014 e La La Land, 2016) traz em sua nova produção uma grande homenagem ao cinema. Vez por outra, Hollywood precisa de filmes como esse para se retroalimentar. E é engraçado como Babilônia utiliza até um plot recauchutado como forma de tributo. Um dos pontos de virada do filme consiste na chegada do som sincronizado ao cinema e a mudança que isso gera na indústria - o ponto central de obras como Cantando na Chuva (1952) e O Artista (2011).
Babilônia não poderia ter um título melhor. A primeira parte do filme se dá em uma enorme e excêntrica festa com centenas de convidados, dezenas de atrações e de empregados, música ao vivo ininterrupta, todos os tipos de drogas possíveis e pessoas engajadas em atividades diversas concomitantemente. Quem entra no cinema desavisado, sem ler a sinopse ou ver o trailer, pode até achar que o filme é sobre aquele evento (com toda a certeza Chazelle teria fôlego para fazer um filme de três horas passado em uma única festa). Babilônia poderia mesmo se referir à loucura daquela celebração, em que há literalmente pessoas tentando se comunicar em línguas diferentes. Mas o que é apresentado no restante do longa-metragem é retratado em ritmo tão frenético como esta sequência inicial.
Sem silêncios nem pausas para respiro, o filme delineia um set de filmagem com o mesmo frenesi de uma festa caótica. Uma cena de briga conjugal com o mesmo furor de uma sequência de ação. É nesta cadência que o diretor vai desabrochando a história de Manny (Diego Calva), um trabalhador empenhado em entrar no ramo dos filmes; Nelly (Margot Robbie), uma jovem que sonha em ser uma estrela; e Jack (Brad Pitt), um galã de Hollywood. Mas como nada em Babilônia pode aparecer em pouca quantidade, os três protagonistas ainda revezam tempo de tela com as histórias secundárias da letrista e cantora hipnotizante Lady Fay Zhu (Li Jun Li), do trompetista Sidney Palmer (Jovan Adepo) e de Elinor (Jean Smart), uma crítica de cinema respeitada. A narrativa usa estes casos para mostrar como a indústria cinematográfica é especialista em sugar o melhor das pessoas para então jogá-las fora sem o menor senso de gratidão, cabendo aos trabalhadores (artistas ou não) desenvolver a habilidade de se reinventar ou se arrastar como baratas para sobreviver.
Créditos: Divulgação
Damien Chazelle iniciou a escrita do roteiro em 2009, bem antes de ''La La Land''. No seu pitching a um produtor de Hollywood, recebeu a dica de escrever um musical e foi ai que o filme de 2016 passou na frente de Babilônia no quesito de produção.
Com um elenco de peso, Babilônia poderia ser melhor caso fosse mais conciso. Não que devesse ser menos intenso, mas talvez mais enxuto. A existência do personagem de Toby Maguire (o ator é um dos produtores do filme), por exemplo, se mostra completamente descartável em termos de roteiro. A sequência em que ele surge parece estar ali por puro apreço estético, sem que isso carregue algum conteúdo. E é tão exagerada que chega a fugir do tom do filme, descambando para o nonsense não proposital.
Enquanto isso, temas importantes como o racismo e a homofobia sofridos por Sidney Palmer e Lady Fai Zhu, respectivamente, chegam a ser pincelados, mas não têm espaço para se desenvolver. E já que o assunto é representação de minorias sociais e as injustiças sofridas por estas, cabe ressaltar a decisão do filme em retratar uma mulher como uma das grandes diretoras de estúdio da década de 1920, algo que só iria acontecer décadas depois na vida real. Mas filmes de ficção não existem para retratar o mundo exatamente como ele é, mas sim realidades possíveis, sonhadas, desejadas ou até temidas.
Contudo, não há como apontar os acertos sem revelar os erros. E Babilônia erra grotescamente na representação de corpos gordos, limitando-se a mostrá-los como alívio cômico ou mesmo motivo de ridicularização, mesmo que dentro da diegese. Também há de se mencionar o uso dos corpos femininos de maneira fetichizada pelos personagens, de uma forma que isso transborda para os realizadores. As figurantes (constantemente seminuas) geralmente são filmadas sob o típico “male gaze”. Isso para não falar da personagem de Nelly, que tem diversas cenas filmadas sob o mesmo tom com a desculpa de ser uma mulher bem resolvida com sua sexualidade.
Créditos: Divulgação
Todos os personagens do filme tem inspiração real em artistas da indústria. Margot Robbie vive atriz inspirada em ''Clara Bow'', It Girl que chochou os norte-americanos por ter uma sexualidade aflorada.
Apesar da grande homenagem ao cinema, as tramas e subtramas focam em mostrar o ambiente de trabalho desumano empregado nas filmagens e as consequências desastrosas da fama. Mas nem por isso a visão de Chazelle deixa de ser romantizada. A mensagem que fica (e que chega a ser verbalizada por mais de uma vez) é a de que o cinema, enquanto resultado, é algo muito maior que qualquer trabalhador do ramo, artista ou empresa. Esses vêm e vão enquanto a máquina continua a girar e entregar ao público experiências inesquecíveis.
A despeito desta ideia ficar bastante clara durante todos os 189 minutos, Chazelle decide encerrar sua obra com uma declaração de amor escancarada à sétima arte que beira o piegas, mostrando a trajetória que o cinema traçou desde a época vivida por seus personagens até os dias atuais. Ao final de tão longa duração, o que fica é a sensação de arrebatamento por sequências extensas montadas de forma inquieta que deixam o espectador em verdadeiro estado de voyeurismo. Parabéns à equipe de assistência de direção pela coordenação impecável de numerosos figurantes.
P.S.: O trabalho de legendagem em português tentou adequar-se à linguagem dos personagens utilizando gírias e expressões datadas, mas que remetem muito mais aos anos 1970 que ao início do século XX. Talvez seja uma forma de homenagear a forma como o cinema chegava ao Brasil até pouco tempo? É possível. Mas ainda soa anacrônico.
Trailer
Ficha Técnica
Título origiginal e ano: Babylon, 2022. Direção e Roteiro: Damien Chazelle. Elenco: Daniel Calva, Margot Robbie, Brad Pitt, Jean Smart, Jovan Adepo, Li Jun Li, Tobey Maguire, Flea, Olivia Wilde, Eric Roberts, Patrick Fugit, Lukas Haas,Shane Powers. Gênero: Musical, Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Justin Hurwitz. Fotografia: Linus Sandgren. Edição: Tom Cross. Figurino: Mary Zophres. Supervisor de Direção de Arte: Eric Sundahl. Design de Produção: Florencia Martin. Distribuição: Paramount Pictures Brasil. Duração: 03h09min.
19 de Janeiro nos Cinemas
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