quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Tár, de Todd Field | Assista nos Cinemas


Indicado a seis cateorias no Oscar 2023, incluindo ''Melhor Filme'' e ''Melhor Atriz''

A compositora e condutora Lydia Tár é a primeira maestra da Filarmônica de Berlim. É uma das seletas personalidades multipremiadas que alcançaram o EGOT (acrônimo que se refere a pessoas agraciadas com os prêmios Emmy, Grammy, Oscar e Tony). Celebrada e reconhecida por seus pares, Lydia também leciona na prestigiada Juilliard School, em Nova Iorque. Entre o lançamento de seu vindouro livro e a gravação de uma performance ao vivo, a carreira de Lydia parece estar num excitante crescendo. Lydia Tár é um fenômeno, Lydia Tár é o momento. Mas quando polêmicas relacionadas a seus métodos e conduta vêm à tona, seu legado parece ameaçado. Quanto dura o poder? Seria o controle de influência uma mera ilusão? O diretor e roteirista Todd Field não parece interessado em responder tais questões, preferindo focar, ao invés disso, na construção de questionamentos acerca das diversas dinâmicas de poder possíveis em relações movidas a egocentrismo. 

Não obstante, ao fim da sessão de Tár, a vontade é imediatamente pesquisar a biografia desta mulher impactante na internet para saber mais detalhes sobre sua vida, quais ganharam mais destaque por serem considerados cinematograficamente engajantes, quais foram deixados de lado devido ao ritmo da trama ou por não serem tão dramaticamente polêmicos. Mas Lydia Tár é uma persona ficcional, todos os detalhes relacionados à sua trajetória pessoal e profissional começam e terminam no novo longa de Todd Field [Pecados Íntimos, 2006]. E o cineasta escolhe propositalmente deixar lacunas para que o público as preencha com sua própria visão de mundo e possível julgamento de valor. Tal proposta fica ainda mais evidente ao considerar que o próprio filme parece fazer questão de não tomar partidos. É um convite a refletir e desconstruir a imagem de uma pessoa que não existe, mas que simboliza muito bem a contemporânea volatilidade da opinião pública e da relevância midiática baseada em projeções morais.

A imponência de Tár (o filme) é visível em cada frame, cada escolha de figurino e cenário. As escolhas da construção cênica impecável ressaltam o senso de poder e controle da protagonista, figura central de um mundo frívolo com mania de grandeza e autoimportância. Por outro lado a imponência de Tár (a personagem) depende de uma delicada construção narrativa que estabelece sua grandiosidade. Antes mesmo de Cate Blanchett ter sua primeira grande fala no longa, o público já foi convencido da relevância de Lidya Tár. Quando Blanchett finalmente tem oportunidade de se esparramar pela tela, com sua fala decidida e semblante intimidador, a audiência não tem como fugir do fato de que já está na mão dela. O papel, por sua vez, foi escrito especialmente para a atriz australiana, e ela tira proveito da honraria em cada cena, cada gesticulação expansiva e firme de sua batuta, cada atitude controversa e potencialmente problemática. 

                                                                                                 Créditos: © 2022 Focus Features, LLC.
Cate Blanchett não só teve que re-aprender a tocar piano para o filme, como também aprendeu alemão e a conduzir uma orquestra. No filme, ela conduz a ''Desdren Orquestra''.

Blanchett está muito ciente das vulnerabilidades de sua personagem, usando isso para extrair ainda mais potência de sua interpretação, trazendo nuances muito humanas e atraentes para Lydia. As habilidades que a tornam uma maestra incomparável são as mesmas que a assombram em sua rotina: sua audição hipersensível frequentemente causa dores de cabeça e sobressaltos ao menor tinido. Gritos femininos distantes durante suas corridas no parque, bipes e ruídos vindos da rua ou de apartamentos vizinhos ao seu a perturbam. Algo está errado. O império de controle de Lydia nunca está totalmente intacto. Sua armadura de autoridade e postura durona não consegue protegê-la de seus próprios fantasmas particulares. Tudo em Tár depende diretamente da excelência da interpretação de Blanchett e ela não titubeia perante tamanha responsabilidade, entregando um interessantíssimo estudo de personagem e construindo uma protagonista igualmente desprezível e fascinante. Certamente, um dos maiores papeis de sua carreira.

Ao lado de Blanchett no elenco, estão Nina Hoss, Noémie Merlant (do ótimo Retrato de uma Jovem em Chamas) e Mark Strong. Interpretações competentes, mas sempre secundárias frente ao impacto intimidador e sedutor do protagonismo de Blanchett. Em momento algum duvida-se da grandiosidade e da competência de Lydia Tár, a postura da atriz afastando qualquer questionamento do poder de sua maestra. Mesmo após a decadência da carreira da artista, Blanchett mantém uma postura que se agiganta e rouba a cena independentemente da situação.

                                                                                                 Créditos: © 2022 Focus Features, LLC.
Na primeira imagem, Noémie Merlant, na segunda, Mark Strong e na sequência, Blanchett, no filme do ano, segundo os veículos da Vanity Fair, o Atlantic, Variety, o Hollywood Reporter, a Entertainment Weekly e também a votação anual da renomada ''IndieWire'' que contou com mais de cento e sessenta críticos de diversos lugares do mundo.

Um grande exercício de reflexão sobre a discussão tão atual de se considerar (ou renegar) a relevância cultural da obra de artistas cuja índole ultrapassa qualquer possibilidade de admiração, Tár se estabelece como uma película poderosa e grandiosa, assim como sua protagonista.

Trailer

Ficha Técnica
Título Original e ano: Tár, 2022. Direção e Roteiro: Todd Field. Elenco: Cate Blanchett, Mark Strong, Noémie Merland, Sidney Lemmons, Nina Hoss, Adam Goonik, Sylvia Flore, Nicolas Hopchet, Kitty Watson, Alan Corduner, Julian Glover, Alec Baldwin (voz em podcast). Gênero: Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Hildur Guðnadóttir. Fotografia: Florian Hoffmeister. Edição: Monika Willi. Design de Produção: Marco Bittner Rosser. Direção de Arte: Patrick Herzberg e Petra Ringleb. Figurino: Bina Daigeler. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 02h38min. 

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