Batem À Porta, de M. Night Shyamalan | Assista nos Cinemas


Lá se vão mais de 20 anos desde a estreia de O Sexto Sentido, suspense psicológico que pôs o cineasta M. Night Shyamalan no mapa de Hollywood com um grande estrondo. Na época, mais do que imediatamente a mídia e a indústria, assim como boa parte do público, logo começaram a compará-lo a Alfred Hitchcock e a considerá-lo digno do título de Mestre do Suspense. Motivos para isso não faltavam. Seus filmes cheios de tensão, tramas surpreendentes e personagens bem construídos, além do hábito do próprio Shyamalan de fazer curtas aparições em suas obras, assim como Hitchcock fazia, tornaram-no uma figura merecedora da marca. Contudo, o título nunca foi reivindicado pelo próprio Shyamalan. E assim que o diretor e roteirista tentou se desvencilhar das expectativas projetadas nele, foi escorraçado por público e crítica. A queda foi grande: de indicado ao Oscar a persona non grata em menos de 10 anos. Após um período de acentuado desprestígio dirigindo filmes de grandes estúdios (os indefensáveis O Último Mestre do Ar e Depois da Terra), Shyamalan começou uma nova fase na carreira em sua parceria com a Blumhouse no found-footage A Visita, apontado como uma volta a suas raízes. A partir de então, o cineasta tem se focado em dirigir películas de orçamento modesto, com elenco pequeno e poucas locações, sempre atuando também como roteirista e produtor, como vem fazendo em seus projetos desde Corpo Fechado.

Com Batem à Porta, Shyamalan dá continuidade à parceria iniciada com o thriller Tempo entre sua produtora Blinding Edge e a Universal Pictures. Na trama, uma família composta pelo casal Eric (Jonathan Groff), Andrew (Ben Aldridge) e sua filha Wen (Kristen Cui) decide passar as férias numa casa de campo. Logo, são surpreendidos por um quarteto de desconhecidos que invadem a casa e anunciam notícias nada animadoras: o apocalipse está prestes a acontecer. Segundo eles, a completa aniquilação da vida na Terra é iminente e apenas esta família pode evitar que o cataclisma ocorra. Para tal, devem escolher um dentre os 3 para servir de sacrifício. Encarando a proposta alarmante com assombro e ceticismo, a família feita de refém pelo grupo desconhecido será testada e terá suas crenças questionadas conforme desastres que podem ou não ter ligação entre si começam a acontecer pelo globo.
                                                                                              Créditos: © 2023 Universal Studios.
Para se exibir como um "clássico suspense dos anos 90", a produção foi filmada em 35mm.
Após o divisivo Tempo, filmado e lançado durante o isolamento social da pandemia de COVID-19, o público esperava o retorno de Shyamalan com alguma desconfiança. Convenhamos: ele foi amado e odiado tantas vezes e em tantos graus de intensidade nas últimas duas décadas que ninguém ousaria considerá-lo uma unanimidade. Talvez Batem a Porta não venha a polarizar tanto as plateias como obras mais controversas de Shyamalan, mas a reação do público dificilmente irá agradar de forma homogênea. A começar por um detalhe considerável. Uma das marcas principais do estilo de Shyamalan desde o início de sua carreira foi o estabelecimento de reviravoltas rocambolescas, plot twists que fazem o público repensar a trama desde o início e encarar tudo com um novo olhar. Tal artifício acabou por se transformar numa espécie de maldição: a expectativa por uma grande guinada no enredo era tanta que a pirueta narrativa por vezes acabava por perder o impacto quando acontecia. O diretor se desvencilha desse vício em Knock The Cabin, título original da produção. O ápice da narrativa não é caracterizado a partir de um grande ponto de virada, se baseando na tensão construída nos dois primeiros atos e que conduzem a trama a uma apoteótica conclusão. Sem truques, sem firulas, apenas o bom e velho suspense cozinhado em banho-maria.
Mas isso não significa que o roteiro baseado no romance “O Chalé no Fim do Mundo”, de Paul Tremblay, não possua complexidade narrativa e emocional comparável a outras obras do cineasta. A trama entrecortada por flashbacks com momentos marcantes do relacionamento do casal vivido por Jonathan Groff e Ben Aldridge resgata muito da genética de Sinais, ficção científica de Horror dirigida por Shyamalan em 2002. Ambos filmes refletem sobre a fé impactando uma família, contrapondo a crença no inexplicável e a razão. Além de serem protagonizados por grupos vivendo uma situação potencialmente apocalíptica, ambos longas também lidam com a perda. Enquanto o luto presente em Sinais vem de antes do início da trama, diluindo no enredo detalhes do passado dos parentes do reverendo interpretado por Mel Gibson, Batem a Porta constrói este senso de pesar a partir da possível iminência da perda. É quase insuportável, a mera ameaça à família feliz da curiosa e falante Wen. Seja por sacrifício, seja pelas mãos de um grupo de pessoas desconhecidas ou pelo fim do mundo em si. Especialmente após o luto coletivo vivido globalmente devido à pandemia, a sensação de medo da destruição através do desconhecido é algo não muito distante de nós. Não saber no que acreditar, não conhecer aquilo que ameaça a nós e a quem nos cerca: nós estivemos nesta posição. Este sentimento nos conecta diretamente à situação vivida pelo protagonistas e é impossível não se comover.

Créditos: © 2023 Universal Studios.
O roteiro inicial que Desmond e Sherman escreveram entrou para a "Black list" de melhores roteiros não produzidos em 2019.
Ainda que seu último ato por vezes possa soar um tanto expositivo ou literal demais (um outro vício conhecido do diretor), Batem à Porta é uma surpresa bem-vinda. Uma experiência emocionalmente impactante e brutal, mas também bela. No décimo quinto trabalho de sua carreira, M. Night Shyamalan continua mostrando uma genuína paixão por contar histórias fantásticas sobre pessoas comuns. Mesmo com algumas derrapadas em sua jornada, se estabelece como um artista autoral que ousa se arriscar numa indústria que vive de certezas genéricas e indiferentes. Pro bem ou pro mal, ainda bem que cineastas como ele existem.
Trailer

 
Ficha Técnica
Título Original e ano: Início the Cabine, 2023. Direção: M Night Shyamalan. Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond e Michael Sherman - baseado no livro de Paul Tremblay "O Chalé no Fim do Mundo". Elenco: Dave Batista, Rupert Grint, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Kristen Cui, Abby Quinn, Nikki Amuka-Bird, Mckenna Kerrigan, Ian Merrill Peakes, Denise Nakano, Lee Avant, Bill Vargud e Rose Luardo. Gênero: Suspense, terror, mistério. Nacionalidade: Estado Unidos Da América. Trilha Sonora Original: Herdís Stefánsdóttir. Fotografia: Jarin Blaschke e Lowell A. Meyer. Design de Produção: Naaman Marshall. Edição: Noemi Katharina Preiswerk. Figurino: Caroline Duncan. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 01h40min.
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Escrito por Petterson Costa

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