Morte a Pinochet, de Juan Ignacio Sabatini


“Um povo que é atacado por balas não pode se defender com ‘slogans’”!

Na década de 1970, as obras de realizadores como Costa-Gavras, Elio Petri e Gillo Pontecorvo foram acusadas, por parte de uma crítica de esquerda vinculada ao ideário maoísta, de serem apenas superficialmente políticas. Segundo os seus detratores, alguns destes filmes, apesar de serem consagrados nos festivais e de possuírem enredos ostensivamente combativos, serviam-se de uma abordagem cinematográfica que assimilava os gêneros narrativos tradicionais. Se, por um lado, havia quem defendesse que tais estratagemas de facilitação estilística proporcionavam o acesso de conteúdos marxistas a um público mais amplo, por outro, questionava-se se isso não era uma capitulação frente aos paradigmas de mercado. O recente “Argentina, 1985” (2022, de Santiago Mitre - vide texto aqui) é um exemplo contemporâneo desse debate. O filme chileno ora resenhado também!

Dirigido por um cineasta egresso das produções televisivas, “Morte a Pinochet”, de Juan Ignacio Sabatini, aproveita-se de eventos reais, ocorridos em meados dos anos 1980, para, mais uma vez, demonstrar o quão elaboradas são as produções latino-americanas, no que tange à abordagem conscienciosa dos abusos de poder que ocorreram durante as temíveis ditaduras militares. O problema é que o ponto de partida contestatório é dissolvido em idas e vindas melodramáticas que não se desenvolvem a contento. Ou seja, apesar da narração poética da jovem interpretada por Daniela Ramírez, não nos envolvemos afetivamente com os personagens. 

Essa excelente atriz interpreta Tamara, codinome de guerrilha de uma jovem rica chamada Cecília, cujo pai (Luis Gnecco) é o proprietário de uma fábrica que financia os militares. Por razões óbvias, pai e filha não se falam por muito tempo e, quando ela tenta lhe entregar algumas cartas de despedida, antes de um ousado atentado, ele as rejeita: “como adulto, prefiro que nós nos olhemos nos olhos”. Ela não permite que haja envolvimento sentimental quanto às pessoas que a circundam, não obstante falar de amor o tempo inteiro: para ela, o amor não deve ser concedido a poucos privilegiados, mas a todos os habitantes da nação pela qual ela luta.

Trailer

Fica Técnica
Título original e ano:  Matar a Pinochet,2020. Direção: Juan Ignacio Sabatini. Roteiro: Pablo Paredes, Juan Ignacio Sabatini e Henrique Videla. ElencoDaniela Ramírez, Cristián Carvajal, Juan Martín Gravina, Gabriel Cañas, Gastón Salgado, Julieta Zylberberg. Departamento de Arte: Ricardo Risho Herrera. Design de Produção: Marichi Palacios. Edtor de Efeitos Sonoros: Fernando Ribero. Distribuição: A2 Filmes. Duração: 81min.
Na curta duração do filme (pouco mais de uma hora e vinte minutos), acompanhamos as interações entre Tamara e dois colegas de treinamento, o professoral Ramiro (Cristian Carvajal) e o abnegado Sacha (Gastón Salgado). O primeiro deles possui formação em Educação Física, mas não teve muitas oportunidades para lecionar, enquanto o segundo viveu uma infância bastante pobre, mas deseja erigir um futuro melhor para sua esposa e seu filho pequeno. Junto a outros companheiros, eles planejam assassinar o general Augusto Pinochet (Héctor Aguilar), mas, como de praxe nesse tipo de empreitada, pode existir um traidor infiltrado na célula militante.

Num instante pontual, um dos sobreviventes das circunstâncias verídicas que deram origem ao livro “Los Fusileros: Crónica Secreta de una Guerilla en Chile”, de Juan Cristóbal Peña, relata a sua versão sobre o que acontecera, dotando o filme de honestidade quanto às suas intenções discursivas. Entretanto, o roteiro não sabe qual percurso tomar: se optará pela reconstituição eficaz dos fatos, se aderirá à lógica de ambivalência dramática ou se, em menor grau, incitará o espectador a revoltar-se contra a ascensão atual da extrema-direita em diversos países. A trama finda de maneira anticlimática, ao dedicar o minuto derradeiro à resolução de um suspense tangencial, acerca da identidade de alguém responsável pela narração quase fantasmática da protagonista. Em âmbito político, isso poderia ser considerado um fracasso, infelizmente.

                                                                                                                         Créditos: Divulgação
Lançado em 2020, o longa recebeu duas indicações a prêmios. ''Competição de Estréia em Direção'', no ''Camerimage 2021'', e ''Melhor Primeiro Trabalho'', no Platino Awards for Iberoamerican Cinema 2021''.

Não se trata de um filme ruim, pelo contrário: além de possuir um ritmo eficiente, o elenco é muito bem selecionado e o ponto de partida é assaz interessante. Porém, os confusos ‘flashbacks’ impedem o entrosamento com os personagens e, menos ainda, com as causas que eles defendem. Quiçá porque o ponto de vista onipresente é o de uma pessoa que é tratada como “filhinha de papai” por alguns de seus colegas, mesmo que ela seja uma das lutadoras mais aguerridas. Boas intenções, nesse caso, não são suficientes, de modo que as contradições ideológicas atravessam os comportamentos de Tamara/Cecília em mais de uma oportunidade, culminando na ótima cena em que ela visita a sua irmã Sílvia (Julieta Zylberberg), que cuida da filha a quem ela dirige-se como tia. Quando o nome do Chile é pronunciado, por sua vez, todos erguem os punhos cerrados e gritam “viva”!

Num cotejo com as típicas produções brasileiras, a película funciona como um válido incentivo ao aproveitamento dos temas históricos, no afã para que a violência política de épocas traumáticas não seja repetida. Por mais tímido que “Morte a Pinochet” seja em relação ao que é prometido em seu título imperativo, ele proporciona uma dose significativa de reflexão ao espectador, malgrado o seu interesse evidente ser o entretenimento técnico. Levando-se em consideração todos esses aspectos, o recomendamos!

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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