Oferenda ao Demônio, de Oliver Park | Somente nos Cinemas


“Não leve muito a sério: a morte costuma despertar o pior nalgumas pessoas”

Há idéias fascinantes na sinopse deste filme que, se fossem adequadamente aproveitadas, poderiam render ao menos três enredos distintos: num deles, conheceríamos as implicações envolvendo o demônio feminino Abyzou, conhecida como a “tomadora de crianças”, responsável por abortos e assassinatos de crianças, segundo as menções em relatos milenares; noutro deles, de caráter expansivo/derivativo, poder-se-ia investigar a riqueza da mitologia judaica das assombrações, preenchendo lacunas bíblicas com fenômenos sobrenaturais, como, por exemplo, as razões que estariam por detrás do pedido de Jeová para que Abrão sacrificasse o seu filho Isaac; por fim, há uma trama contemporânea sobre a avareza e a tentativa de redenção de um filho que briga com o pai, mas que é apaixonado pela esposa, com dificuldades para engravidar.

Na primeira cena de “Oferenda ao Demônio” (2022), percebemos que o jovem diretor Oliver Park parece muito mais interessado em inserir seqüências de ‘jump scare’ – ou seja, ruídos súbitos e altissonantes que assustam o espectador por causa da maneira como irrompem na tela – que em explorar a entidade mística apresentada nos letreiros de abertura: sabemos muito pouco sobre Abyzou, ao desfecho, não obstante o tom enciclopédico com que ela é mencionada em mais de um instante. É como se os traumas dos personagens fossem subestimados pelo roteirista Hank Hoffman, que, no afã por provocar sustos, desperdiça o potencial tramático destes sentimentos.

Avaliemos o que acontece: logo no começo, o idoso Yosille (Anton Trendafilov) digladia-se, no interior de sua biblioteca doméstica, com as aparições assombrosas de uma criança (Sofia Weldon), que parece possuída pela representação demoníaca titular. Lemos uma placa onde consta a mensagem “não a alimente”, enquanto o espírito que tomou o corpo da menininha requer “uma vida por outra vida”. Há muitos gritos, até que Yosille consegue pegar um punhal santificado e esfaqueia a si mesmo. O corpo será enviado à funerária do gentil Saul (Allan Corduner), quando somos apresentados aos verdadeiros protagonistas do filme.

                                                                                                                   Créditos: Divulgação 
O filme da Millenium Media é uma coprodução entre Estados Unidos, Reino Unido e Bulgária.

Na funerária em pauta, descobrimos que Saul enfrenta desentendimentos longevos com seu filho Arthur (Nick Blood), que volta para casa depois de muito tempo, disposto a reconciliar-se. Ele chega com a sua esposa Claire (Emily Wiseman), que consegue engravidar após um caro procedimento de inseminação artificial, mas o sócio de Saul, Heimish (Paul Kaye) desconfia das intenções de Arthur, o que, lamentavelmente, confirma-se: ele deseja utilizar a residência de seu pai como garantia para um empréstimo bancário, a fim de quitar algumas dívidas pendentes. É quando a maldição de Abyzou entra em cena: durante o processo de embalsamento do corpo de Yosille, Arthur deixa cair um pingente, no qual estava represado o demônio, que começa a perseguir o feto de Claire.

Apesar das intrigas familiares paralelas, o filme não decide o que enfocar, de maneira que as intervenções de estudiosos do esoterismo são insuficientemente exploradas, a despeito de uma frase que poderia desencadear muita repercussão: “os judeus passaram por muitos sofrimentos”. Essa parecia ser uma deixa para que o roteiro aproveitasse a oportunidade de refletir sobre as implicações do Holocausto no cotidiano da comunidade judaica estadunidense, o que tem a ver com o rechaço sofrido por Claire, por parte de alguns parentes de seu esposo, em razão de ela ser uma gói (não-judia). Mas, infelizmente, o diretor estraga tudo ao submeter-se à dependência dos efeitos sonoros estrondosos. O espanto torna-se superficial, meramente epidérmico: grita-se numa seqüência e, no instante posterior, é como se nada tivesse acontecido!

Em defesa do mínimo impacto horrorífico provocado pelo filme, convém enfatizar o enredamento cíclico que ocorre na meia-hora final, quando Arthur e Claire são aprisionados em pesadelos recorrentes, de modo que não diferenciamos o que realmente está acontecendo e o que é mera alucinação. Se, por um lado, isso confirma o vaticínio de um cabalista, que informa que o demônio Abyzou age através da perturbação dos sentidos, por outro, o comportamento afoito do cineasta estreante em longas-metragens Oliver Park faz com que tudo descambe para uma saraivada de clichês. Vale acrescentar que o diretor recebeu diversos prêmios pelo curta-metragem “Strange Events: Vicious” (2015), escrito por ele próprio.

                                                                                                                     Créditos: Divulgação
No filme de terror ''Possessão'' (2012), o demônio Abyzou também é o principal vilão

Ao término da sessão, entendemos pouco sobre as dimensões da “oferenda ao demônio” que o título anuncia e lamentamos que uma obra que tem uma funerária como cenário não tergiverse sobre as questões referentes ao luto. É como se a profissão do pai do protagonista fosse um pretexto fortuito para que o espectador assuste-se frente aos ruídos advindos do ‘rigor mortis’ e que as causas da contenda entre Saul e seu filho não puderam ser exploradas pelo desenvolvimento roteirístico. Nos créditos finais, o veterano compositor Christopher Young, especializado em filmes de terror, comprova a habilidade que não pôde demonstrar na uma hora e meia anterior: tanto quanto os demais elementos do filme, a música é menosprezada pela obsessão assimétrica da equipe responsável por sobressaltos do público, de modo que esta produção filmada na Bulgária é indicada sobretudo para quem deseja curar uma crise de soluços, ao invés de suscitar conversas entre amigos, na saída do cinema.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: The Offering, 2022. Direção: Oliver Park. Roteiro: Hank Hoffmn - con argumentos de Jonathan Yunger. Elenco: Nick Blood, Emily Wiseman, Paul Kaye, Allan Corduner, Daniel Ben Zenou, Sofia Weldon, Anton Trendafilov Meglena Karalambova. Gênero: Terror. Nacionalidade: Estados Unidos da América, Reino Unido e Bulgária.  Trilha Sonora Original: Christopher Young. Fotografia: Lorenzo Senatore. Edição: Michael J. Duthie e Simon Pearce. Design de Produção: Philip Murphy. Direção de Arte: Ivan Ranghelov. Figurino: Anna Gelinova. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 01h38min.

SOMENTE NOS CINEMAS!

Escrito por Wesley Pereira de Castro

    Comentários Blogger
    Comentários Facebook

0 comments:

Postar um comentário

Pode falar. Nós retribuímos os comentários e respondemos qualquer dúvida. :)