Seleção É Tudo Verdade 2022 - "Competição Brasileira de Longas e Médias-Metragens".
José Joffily é um cineasta atento as frustrações humanas e sempre apresenta ao mundo histórias irremediavelmente angustiantes, mas necessárias. Ativo desde o seu primeiro curta nos anos 70, o diretor tem uma filmografia de gigante. Entre os quais, vale citar "A Maldição do Sanpaku, Quem Matou Pixote, 2 Perdidos numa Noite Suja e, um dos mais recentes, Soldado Estrangeiro" (leia texto aqui). Com temáticas sempre muito distintas e gêneros também, o diretor é uma das pérolas do nosso cinema. Em seu novo filme, Joffily joga luz na história de um brasileiro que ao fazer o seu trabalho de excelência virou uma pedra no sapato do grande e imperialista Tio Sam.
Em "Sinfonia de Um Homem Comum", conhecemos, a princípio, um senhor de blusa listrada que parece estar prestes a se apresentar em uma Orquestra. Ele entra em cena e avalia um piano e percebe que o instrumento não está com a afinação e som alinhados. Troca-se o piano e o homem fica satisfeito. Dali em diante, uma narração se inicia enquanto imagens das praias do Rio de Janeiro se revelam. José Mauricio Bustani, o senhor que assistimos ao início da película, é na verdade, além de um exímio pianista, Embaixador e Diplomata de Carreira. Figura emblemática para a História das Relações Internacionais, Bustani iniciou os estudos no Instituto Rio Branco nos anos 60 e ocupou cargos de grande responsabilidade representando o Brasil, como por exemplo, em posto na missão junto à ONU, ainda nos anos 70. Sua jornada no Ministério das Relações Exteriores foi o levando cada vez mais longe até que o servidor foi indicado pelo governo brasileiro, já na era FHC, para o cargo de diretor da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ, ou OPCW em inglês), em 1997. Ligada a ONU, a OPCW cuida especificamente da questão químico armamentista no mundo.
Na OPAQ, Bustani procurou entregar trabalho competente e seguir a risca a convenção de criação do Organismo. Logo, sua meta era não deixar para trás nenhum dos países ou os inferiorizar perante grandes potências. Membro é membro e teria que passar pelas inspeções necessárias. Ao passo que o trabalho do Diplomata continuou a todo vapor, acontece o fatídico 11 de setembro, em 2001, e os Estados Unidos iniciam uma caçada sem fim por culpados advindos do oriente médio. Aqueles que não eram mais seus aliados, como o Iraque, foram tidos como inimigos e "apoiadores de terroristas". Não demora e um jogo político começa a se dar, afinal, a busca por culpados adentrou o cenário como uma farsa, pois o principal motivo de intervir no Estado iraquiano, naquele momento, era para se encontrar petróleo e obter acesso aos poços do pais, porém para isto, aquela nação de mais de quarenta milhões de pessoas teria que ser destruída. Como mediador, Bustani caminhava pelo lado pacífico e respeitava também os relatórios dos inspetores que eram enviados aos países para encontrar as armas químicas. Assim, ao obter conhecimento de que o Iraque não as possuía, o diplomata tentou fazer com que o país se tornasse membro da organização. A medida acabou indo contra os ideais Estadunidenses que haviam prometido guerra aos seus por conta dos atentados sofridos. Não só isso, poderia afetar os planos econômicos que haviam sido traçados. É então a partir deste momento que a posição do brasileiro na organização é colocada em cheque.
Créditos: Divulgação
Durante o filme, Bustani revisita seus dias de diretor da OPCW e traz fotos que revelam muito do sentimento dele na época da crise no Organismo.
Com o uso de reportagens da época e entrevistas relevantes, o documentário salienta como os Euas correram de todas as formas que puderam para não deixar que Bustani provasse que o Iraque não possuía armas químicas. Por fim, pediram que o diretor se demitisse e ele não o fez. O que levou a um processo de demissão manipulado e equivocado. Uma ação baseada apenas em interesses próprios dos Euas. Um desrespeito total a pessoa e ao profissional que é Bustani. No filme, assistimos atores importantes da época declararem que "falaram o que falaram e fizeram o que fizeram", pois a ordem era incapacitar a administração do Diplomata. Hoje muitos deles tem opiniões claras da demissão do brasileiro.
Figuras como o próprio ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual Presidente Luiz Inácio Lula da Silva contam como cada um agiu perante a situação. O primeiro que diz "não ter conseguido fazer nada para ajudar o então diretor da OPAQ", quando na verdade, foi o mesmo governo que o cedeu ao cargo e se amedrontou perante os Euas. O segundo, entendendo que a administração anterior errou com o servidor, tentou recompensa-lo o colocando em chefias importantes de Missões Brasileiras no Estrangeiro. Bustani, na sequência de sua saída da OPAQ, foi enviado então ao Reino Unido para chefiar a Embaixada Brasileira e o presidente também fez questão de cutucar os ingleses em encontros oficiais, pois ficaram ao lado dos norte-americanos em tudo. Quando uma guerra poderia ter sido evitada e vidas poderiam ter sido salvas se tivessem ido contra os Euas e permitido Bustani evidenciar que o Iraque não possuía armas químicas.
O episódio que se deflagrou é uma frustração enorme para o Diplomata e marcou a história mundial como o momento que poderia mudar os rumos de inúmeras vidas Iraquianas. Em certas cenas, ele chega a se emocionar com a leitura de seu discurso de partida já que traz a memória toda a situação vivida. Mas o documentário revela que Bustani é muito mais grandioso do que imagina por ter tentado optar pelo diálogo. Seu talento para a música e seu jeito metódico de trabalho são enaltecidos. De comum ele não tem nada, mas é um homem raro perante a tantos que só buscam poder e destruição. Atualmente, está aposentado, mas se envolve ainda em questões importantes como o "grupo de Berlim" e também continuou sendo muito importante aos inspetores da OPAQ que o procuraram em outras situações parecidas em tempos recentes, como a Guerra da Síria. Outro cenário em que os Euas tiveram grande atuação equivocada.
Esta semana, paralelo ao lançamento do filme, o Embaixador, esteve no programa "GloboNews Internacional" (veja aqui) onde concedeu entrevista aos jornalistas Marcelo Lins e Guga Chacra a respeito das atuais relações entre Brasil e EUA que começam a se reconfigurar com o Presidente Lula na liderança. Ciente de um novo recomeço internacional para o país, Bustani foi assertivo e vê a reaproximação com positividade. Bustani também falou de como os últimos quatro anos no país foram sombrios. No documentário, há um trecho que exibe a vinda ao Brasil de John R. Bolton, Conselheiro de Segurança Nacional do governo Trump, para reforçar que aquele governo estava alinhado com Bolsonaro. Também é evidenciado que Bolton foi pessoalmente ameaçar Bustani, pois o homem também teve cargo de Embaixador dos Euas na ONU durante a era Bush e tinha total carta branca no governo.
Ao total hoje em dia, mais de cento e noventa e três países são signatários do documento que regra a OPCW. Mas não se sabe ao certo se existe uma direção sem cabresto norteamericano, após conduções brasileiras, argentinas, turcas e espanholas. Ao que o próprio filme exibe sobre a questão da guerra na Síria, entendemos que não.
Trailer
Ficha Técnica
- Titulo original e ano: Sinfonia de Um Homem Comum, 2022. Direção: José Joffily. Roteiro: David Meyer, Pedro Rossi, Jordana Berg e José Joffily. Entrevistas: José Maurício Bustani, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Alexander Shulgin, Bob Rigg, Camilla Bustani, Celso Amorim, Celso Lafer, Janine Bustani, John Holmes, Richard Boucher e Scott Ritter. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Pedro Rossi. Montagem: Jordana Berg. Desenho de som: Felippe Mussel. Mixagem: Bernardo Adeodato. Trilha: Pedro Leal. Produção: Coevos Filmes. Produção: Isabel Joffily. Coprodução: Globo Filmes, GloboNews, Canal Brasil. Distribuição: Bretz Filmes. Duração: 01h23min.
Avaliação: Quatro bombas de lucidez (4/5).
09 DE FEVEREIRO NOS CINEMAS
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