Em 31 de Agosto de 1955, o corpo de Emmett Till, de apenas 14 anos, foi encontrado desfigurado em um rio, três dias após o seu sequestro. O crime foi cometido por familiares de Carolyn Bryant, a “vítima” do “desrespeito ameaçador” de Emmett, que ousou ser negro e assoviar para uma mulher branca. Esse é um marco da história estadunidense e da luta pelos direitos civis conhecido nos Estados Unidos e que chega ao conhecimento do grande público brasileiro através do filme “Till- A Busca Por Justiça”.
Ao contrário de filmes como Mudbound - Lágrimas sobre o Mississipi ou 12 Anos de Escravidão, este longa-metragem não cai na armadilha sensacionalista de retratar o sofrimento dos corpos negros através de cenas excruciantes de tortura. O “pain porn” passa longe aqui. Apesar de toda a atrocidade do caso, ouvimos os gritos de Emmett apenas uma vez e apenas por alguns segundos - a intenção é somente mostrar que sua dor foi testemunhada pelos vizinhos. Em nenhum momento vemos o tiro que atingiu sua cabeça ou nenhum dos golpes que tanto deformaram seu corpo. O estado desfigurado do cadáver é apresentado apenas por ser essencial à trama. E ainda assim, há muito respeito nos ângulos escolhidos.
Sem Emmet Till, não haveria história. Ele é o personagem central da trama. No entanto, o protagonismo e o olhar da narrativa pertencem à sua mãe Mamie Bradley (Danielle Deadwyler), para quem o garoto, (vivido por Jalyn Hall) é apenas o pequeno “Bobo”. A história que Chinonye Chukwu (Clemência, 2019) decidiu contar não é a de um crime de ódio que prescreveu sem punição, mas sim a de uma mãe que infringiu todas as convenções para lutar por justiça para seu único filho.
Créditos: © 2022 ORION PICTURES RELEASING LLC. Todos os diretos reservados.
Não só Emmet Till foi assassinado de forma covarde, como seu pai, após o divórcio de sua mãe. O homem foi mandado ao exército em terras estrangeiras e morto por ter sido acusado de ter ''estuprado uma mulher branca''. Notícia que só chegou totalmente completa a Mamie em 1955. Anteriormente, o Exército apenas havia a informado da execução com o status de ''desobediência''.
No início da dramatização, mesmo quem não conhece nada sobre a película ou seus personagens reais pode sentir a tensão de uma grande tragédia se aproximando. A cada esquina que Bobo vira, nos perguntamos se é ali que ele encontrará seu fim. Isto chega a soar forçado quando a preocupação de Mamie - comum a qualquer mãe - tenta ser encaixada em uma espécie de premonição do que iria acontecer.
O casting foi certeiro na escolha de seus protagonistas. Bobo é carismático, tem um sorriso encantador e um rostinho infantil que escancara o tamanho da barbárie do que lhe foi feito e o ator Jaylin Hall o interpreta com competência. Já Danielle Deadwyler é uma das principais esnobadas da atual temporada de premiações de Hollywood. Tanto seus surtos de sofrimento e crises de choro quanto sua postura contida e olhar decidido e desafiador são de uma performance impressionante. É impossível não empatizar com Mamie. Ainda assim, vale lembrar que a produção recebeu um total de 80 nomeações a prêmios. No Bafta, o Oscar britânico, Deadwyler foi indicada na categoria de ''Melhor Atriz''.
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Whoopi Goldberg vive Alma Carthan no filme estrelado por Danielle Deadwyler
A partir do momento em que a mulher reconhece o corpo do filho, a obra assume uma dinâmica de filme de tribunal. Mamie faz questão de um funeral público com caixão aberto para que nenhum cidadão estadunidense possa seguir com sua vida sem tomar conhecimento da natureza do que foi feito a Bobo. Com a ajuda da NAACP (em inglês: National Association for the Advancement of Colored People), a família consegue indiciar dois homens brancos do Mississipi pelo crime, algo histórico. No entanto, as conquistas históricas param por aí. Pelo menos em tela. O peso que constaria nas cenas de violência física foi substituído pelo choque e indignação de ver a dor de uma família ser alvo de deboche durante o julgamento do assassinato de um ente querido. Carolyn Bryant (Hally Bennett) se apresenta ao tribunal preparada para uma performance e entrega a atuação de sua vida no conhecido papel de Mulher Branca Indefesa, levando a audiência a ferver de raiva.
Para um filme que se destina a focar no ativismo de Mamie, Till poderia ter ido mais longe. Letras brancas em um fundo preto ao final da história nos dão a dimensão da importância que a mulher teve na história dos direitos civis e informam como ela dedicou sua vida inteira à causa. No entanto, vemos apenas uma provinha disto. A narrativa é poderosa por si só e tem como trunfo o olhar sensível de Chinonye Chukwu, mas ainda peca por seguir demais a fórmula de dramas baseados em fatos reais feitos com o intuito de despertar a culpa e a indignação da elite intelectual sem refino estético.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Till, 2022. Direção: Chinonye Chukwu. Roteiro: Michael Reilly, Keith Beauchamp e Chinonye Chukwu. Elenco: Danielle Deadwyler, Jalyn Hall, Jamie Renell, Whoopi Goldberg, Sean Patrick Thomas, John Douglas Thompson, Gem Collins, Diallo Thompson, Tyrik Johnson, Enoch King, Haley Bennett, Carol J. Mckenith. Gênero: Drama, Biografia, Historia. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Abel Korzeniowski. Fotografia: Bobby Bukowski. Edição: Ron Patane. Design de Produção: Curt Beech. Figurino: Marci Rodgers. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 02h10min.
O longa usa 27 anos de pesquisa sobre o caso feitas por Keith Beauchamp. Foram graças a esses esforços que o caso foi reaberto em 2004.
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