Apoiada pela atriz Frances McDormand, como produtora executiva, Sarah Polley (Entre o Amor e a Paixão, 2011) traz às telas a adaptação do romance Entre Mulheres (Women Talking) de Mirian Toews. Apesar de baseado em um livro, o longa assemelha-se bastante àqueles transpostos de peças teatrais. Isso por se passar basicamente em uma mesma locação, em um curto período de tempo diegético e resumir-se praticamente a poucas personagens discutindo.
A narrativa situa-se em uma comunidade amish norte-americana em que, por anos, as mulheres vêm sendo sedadas com medicamentos para gado e violentadas durante a noite. As habitantes da vila foram levadas a acreditar que os episódios eram manifestações de satã ou mesmo fruto da criatividade feminina, até que um dia a adolescente Autje (Kate Hallet), pega um homem em flagrante. O sujeito entrega o nome de outros habitantes da comunidade adeptos da prática e, após os estupradores serem violentamente atacados por algumas das vítimas, os demais homens da vila decidem levar os acusados para a delegacia da cidade mais próxima - veja bem - para a segurança deles.
Este contexto, baseado em fatos, é o ponto de partida para que Polley imagine um desfecho diferente para a história. Ao invés de apenas retratar a situação em forma de denúncia, a diretora e roteirista decide usar a dita criatividade feminina para inspirar mulheres (e com sorte, homens), fazer uma espécie de reparação ficcional.
O enredo apresentado no livro por Miriam Toews advém de história real ocorrida na Bolívia (leia o artigo da BBC em inglês aqui), mas o filme não apresenta palco especifico e os personagens são falantes do idioma inglês e não espanhol.
A comunidade masculina inteira sai para acompanhar os criminosos e pagar suas fianças e deixa as mulheres com um dilema: elas têm até eles voltarem para perdoar seus agressores. Caso contrário, terão que deixar a vila e, de quebra, abrir mão de sua entrada no reino do céu. As cidadãs têm pouco mais de 24 horas para decidir entre sua segurança e sua fé. Uma chantagem emocional pensada para deixar as vítimas sem saída.
O que os homens não esperavam é que anos de dor e enganação moveriam essas mulheres a se organizar politicamente neste pouco tempo. Uma votação entre todas as habitantes exibe três escolhas: não fazer nada; ficar e lutar ou ir embora. Após um resultado acirrado, oito mulheres são escolhidas para debater as opções e escolher o melhor para todo o grupo. Para acompanhar essa reunião, elas convidam August - o professor da pequena sociedade - para tomar nota.
A pergunta que paira é: por que August foi deixado para trás pelos outros homens? Além de filho de uma mulher exilada por ser questionadora, o personagem perfoma uma masculinidade dissidente. Fora o fato de não fazer parte do grupo de abusadores, August é o único cidadão estudado do local e o único com quem as mulheres podem (e conseguem) gritar, mandar, pedir favores, confiar. Como pontuado por Mariche (Jessie Buckey) em determinado momento, ele está ali apenas para ouvir e não deve dar opiniões.
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Clare Foy e Rooney Mara contracenam pela primeira vez. Ambas as atrizes viveram ''Lisbeth Salander'' na adaptação Hollywoodiana da personagem sueca.
Outra figura interessante da narrativa é Melvin (Ausgut Winter), um rapaz trans que assumiu sua identidade masculina após ser abusado como as demais mulheres da vila. Sua trajetória é descrita em um trecho narrado por Autje, que diz: “depois, nós descobrimos que Nettie não se tornou um homem por causa do que aconteceu. Nettie nunca havia se sentido uma mulher. E agora, fingir havia se tornado impossível”. O mais notável em sua presença na narrativa é que Melvin, uma vez reconhecido como homem, poderia almejar um espaço semelhante ao que os demais homens da comunidade ocupavam. Seria, inclusive, o mais seguro para ele. No entanto, a masculinidade que ele escolhe exercer é a de “irmão mais velho” das crianças: aquele que cuida delas quando não estão com as mães ou na escola, aquele que brinca, acolhe e escuta.
O ponto de interesse do filme não é descobrir qual decisão as mulheres irão tomar, mas assistir a esse debate, ver como as diferentes personagens pensam, como funcionam suas mentalidades moldadas por uma sociedade ainda mais patriarcal que a nossa, notar as raivas, angústias e esperanças gestadas por anos, descobrir como elas conseguem se indignar e tomar uma atitude sem que precisem se desfazer de sua fé. Nós espectadores somos como August, apenas ouvintes.
Trailer
Ficha Técnica
Título Original: Women Talking, 2021. Direção e Roteiro: Sarah Polley - adaptação do livro homônimo de Miriam Toews. Elenco: Rooney Mara, Jessie Buckley, Kate Hallet, Claire Foy, Judith Ivey, Ben Wishaw, August Winter, Frances McDormand. Gênero: Drama. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Hildur Guðnadóttir Fotografia: Luc Montpellier. Design de Produção: Peter Cosco. Edição: Rosylin Kaloo e Christopher Donaldson. Figurino: Quita Alfred. Distribuidora: Universal Pictures Brasil. Duração: 105 minutos.
Entre Mulheres aparece indicado a duas categorias no Oscar 2023, ''Melhor Roteiro Adaptado'' e ''Melhor Filme''. A última vez que a produtora Orion Films recebeu indicações da academia foi há mais trinta anos atrás com ''Silêncio dos Inocentes''. E vale ressaltar que no ''Screen Actor Guild'', o sindicato norte-americano de atores, o elenco formado por Frances McDormand, Rooney Mara, Jessie Buckley, Kate Hallet, Claire Foy, Judith Ivey, Ben Wishaw, August Winter, Frances McDormand foi indicado a ''Performance de Destaque de um Elenco em Longa-Metragem'', mas acabou perdendo para o time de ''Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo''.
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