Em diversos momentos do documentário “Jair Rodrigues – Deixa que Digam” (2020), o cineasta Rubens Rewald permite que o músico Jair Oliveira, outrora conhecido como Jairzinho, reconstitua teatralmente o jeito peculiar de falar de seu pai, o ilustre Jair Rodrigues [1939-2014]. Se este recurso nem sempre é o mais efetivo, em termos de complemento lingüístico aos depoimentos sobre o biografado, em âmbito emocional, ele permite que nós percebamos o quanto os dois artistas se parecem, a fim de reiterar que todo o bom humor que ele demonstrava nos palcos era igualmente aplicado em seu convívio familiar. Não por acaso, os dois filhos de Jair Rodrigues tornaram-se músicos como ele…
Não obstante abordar de maneira célere alguns aspectos da carreira do cantor [queremos saber mais sobre a sua parceria magistral com Elis Regina (1945-1982), por exemplo] e de incorrer em algumas inevitabilidades formulaicas – afinal, esse tipo de documentário musical é um subgênero com muitas convenções pré-estabelecidas –, o filme destaca-se pelo carinho com que menciona o cantor e pelo aproveitamento de seu carisma sobressalente. Mas, sobretudo, é uma produção que investiga de maneira arguta as transmutações estilísticas do intérprete.
Inicialmente consagrado como sambista, o que fez com que algumas pessoas suspeitassem que ele era carioca, Jair Rodrigues de Oliveira nasceu na cidade de Igarapava, no interior de São Paulo. A sua criação como homem do campo permitiu-lhe habilidades insignes na execução de músicas sertanejas, de modo que ele surpreendeu o público brasileiro ao entoar o clássico “Disparada”, de Geraldo Vandré, que empatou com “A Banda”, de Chico Buarque de Hollanda, no Festival da TV Record, em 1966, numa disputa que empolgou todo o Brasil. E essa é apenas uma das várias facetas musicais registradas por este documentário!
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Jair Rodrigus - Deixa Que Digam, 2020. Direção: Rubens Rewald. Roteiro: Rubens Rewald e Rodolfo C Moreno. Entrevistados: Armando Pittigliani, Bruno Baronetti, Carlinhos Creck, Claudine Rodrigues, Cristiane Paoli Quito, Giba Favery, Hermeto Pascoal, Jair Oliveira, Jairo Rodrigues, Luciana Mello, Marcelo Maita, Mister Sam, Moisés Da Rocha, Paulinho Daflin, Pedro Mello, Rappin’ Hood, Raul Gil, Roberta Miranda, Salloma Salomão, Solano Ribeiro, Théo De Barros, Wilson Simoninha, Zuza Homem De Mello. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Sergio Roizenblit. Montagem: Alexandre Lima, Guta Pacheco e Willem Dias. Edição de Som: João Godoy. Mixagem: Toco Cerqueira. Finalização: Beto Bassi. Programação de Visual: Sato do Brasil. Animação: Átila Fragoso. Elenco: Jair Oliveira. Direção de Arte: Carla Caffé. Preparadora de Elenco: Cristiane Paoli Quito. Figurinista: Nina Maria. Cenotécnico: Hugo Lefort. Produção: Fernanda Lomba, Rodolfo C Moreno e Rubens Rewald. Realização: Confeitaria de Cinema. Distribuição: Elo Studios. Duração: 01h38min.
Ainda que não tenha se posicionado politicamente nem tenha conseguido protestar explicitamente em prol dos direitos dos homens negros, o pesquisador Salloma Salomão explica o quão eloqüente foi Jair Rodrigues, em termos de militância, a partir do que era exortado nas canções que ele escolhia para gravar. Pioneiro nas apresentações internacionais pela África, Jair oferecia um potente contraponto ao que o pesquisador caracteriza como “filtro estético do branqueamento no samba” – no caso, a Bossa Nova. A versatilidade do cantor é tanta que o ativista Rappin’ Hood o considera o primeiro ‘rapper’ brasileiro, por causa do que ele fez em “Deixe Isso Pra Lá”, gravado originalmente em 1964 e marcado por versos rápidos e por uma gesticulação icônica nas apresentações ao vivo.
Nos instantes iniciais, vários artistas aparecem cantarolando os versos que subtitulam o documentário, instaurando uma breve desconfiança acerca da abordagem temática deste filme, frontalmente elogiosa em relação ao biografado. Em defesa dessa abordagem, sabemos que o cantor não se envolveu em nenhum escândalo e, como único defeito digno de nota, era excessivamente namorador. “Mas, naquela época, quem não era?”, comenta a sua viúva, Claudine Mello, compreensivamente emocionada, em suas aparições. Jair Rodrigues é sempre mencionado de maneira simpática e extrovertida, mesmo quando ele é obrigado a enfrentar pesares intensos, como a tristeza que sentiu perante o falecimento de uma filha pequena e após a morte de sua mãe, sendo que, nesse segundo caso, ele não cancelou um concerto que estava agendado para a noite do funeral. “É o que ela queria”, pontua sua filha Luciana Mello, que também é cantora.
Créditos: Divulgação
Jair Rodrigues com o filho Jairzinho, já despecando ao estrelato como astro mirim, e também em momento de cantoria.
Entre um e outro depoimento, o diretor insere fotografias em preto-e-branco, com destaques monocromáticos em determinados pontos. Os maiores sucessos do intérprete aparecem em momentos-chave, de modo que o filme agradará tanto aos seus fãs quanto às novas gerações, que ficarão entusiasmadas ao conhecerem a euforia marcante do artista, corroborada pelos músicos que o acompanharam em suas intervenções ‘jazzísticas’ diante do público. O legado de Jair Rodrigues ainda é muito vigoroso, conforme se percebe através do fulgor emocional de suas interpretações, tal qual ocorre em “A Majestade, o Sabiá”, composta por Roberta Miranda. No palco e com um microfone em mãos, Jair Rodrigues era um artista absoluto!
Créditos: Divulgação
Jair Rodrigues, contou seu filho Jairzinho durante a coletiva de imprensa, tinha um apego muito grande com a família e, sem dúvidas, escolheria o filho e o neto para o interpretar em obras que falem de sua vida.
No rico material de arquivo que compõe a montagem deste filme, aparecem algumas imagens do longa-metragem “Super Nada” (2012), também dirigido por Rubens Rewald, no qual Jair Rodrigues comparece como ator. Mesmo sendo convencional em sua exposição de eventos e compartilhamento de causos familiares e profissionais, este filme entretém e fascina, graças à pujança e à desenvoltura do personagem cativante cuja trajetória é narrada através de pessoas que conviveram diretamente consigo, como o irmão Jairo Rodrigues, com quem formou uma dupla caipira na juventude, sem muita repercussão. Para quem se interessa por música, por História do Brasil e pela envergadura humanista de algumas celebridades, este filme é obrigatório, além de incitar-nos a querer saber ainda mais sobre este exemplar legitimamente brasileiro de homem feliz (segundo o apotegma maiakovskiano que aparece nos créditos finais), que não queria ir tão cedo para o Céu – onde já estava sua querida Elis Regina – mas foi fulminado por um infarto. Aproveitou muito bem a sua passagem pela Terra, o que é demonstrado pelas imagens efusivas aqui compartilhadas. “E deixe que pensem, que falem”… Contrariando a própria letra de sua canção mais famosa, ele fez muitíssimo em vida!
''Jair Rodrigues - Deixa Que Digam'' venceu na categoria de ''Melhor Filme'' pelo Voto do Público na Mostra XIII Brazilian Film Festival, de Chicago (EUA), em 2022. Em 2020, participou da ''Competição Brasileira de Longas e Médias-Metragens'' do Festival É Tudo Verdade, 25ª edição - 2020.
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS
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