“Há coisas que não podem ser explicadas pela ciência. Elas simplesmente existem”!
A abertura de “O Chamado 4: Samara Ressurge” (2022, de Hisashi Kimura) delimita o ritmo do filme, ofertando-nos uma enxurrada de informações e uma indistinção entre as propulsões do terror sobrenatural e da comédia de absurdos, com montagem acelerada e sustos tão rasteiros quanto eventuais. Indiretamente relacionado à cinessérie nipônica que se iniciou com “Ringu – O Chamado” (1998, de Hideo Nakata), mas efetivamente associado a uma franquia subseqüente, inaugurada com “A Invocação” (2012, de Tsutomu Hanabusa) – ambas baseadas nos livros de Koji Suzuki –, este novo capítulo não possui continuidade em relação às tramas anteriores. Apenas apropria-se da personagem fantasmagórica Sadako, sendo que o título brasileiro revela-se oportunista na associação com motes advindos da regravação estadunidense da cinessérie supracitada. Expliquemos isso, através da própria análise da trama…
Ao sair de sua casa, a jovem Ayaka Ichijo (Fuka Koshiba) atualiza-se quanto às manchetes sensacionalistas dos telejornais, que instauram pânico ao mencionarem um surto de mortes misteriosas e súbitas. Segundo os jornalistas, essas mortes estariam relacionadas à audiência compulsiva a uma estranha fita VHS, amplamente anunciada na ‘Deep Web’, a despeito de seu conteúdo assustador. Ayaka posiciona-se de maneira cética em relação a eventos supostamente paranormais, de modo que, por ser bastante inteligente (possui QI 200, conforme insistem em repetir), é convidada a participar de um programa de TV, onde conhece um excêntrico mentor espiritual, de nome Kenshin (Hiroyuki Ikeuchi). Ambos posicionar-se-ão de lados opostos num debate: ela defende a racionalidade; ele conclama o misticismo.
Créditos: Divulgação
A produtora responsável pelo filme é a japonesa Kadokawa Pictures. A empresa lança animes, mangás, jogos e outros materiais culturais diversos no Japão.
Enquanto esse debate é acompanhado com estardalhaço pelos seguidores do Twitter, tanto de Ayaka quanto de Kenhsin, percebemos que um rapaz de nome Oji Maeda (Kazuma Kawamura) está filmando o que parece ser os derradeiros minutos de uma garota que assistiu à tal fita e que, por causa disso, está condenada a uma maldição letal, conforme descobrimos em produções antecedentes. De fato, a garota falece misteriosamente, e Oji pensa que será o próximo a morrer, pois também cometeu o infortúnio de assistir à gravação, que mostra Sadako saindo de um poço. É quando ele conhecerá Ayaka, e ambos tentarão dirimir a maldição em pauta.
De maneira tão pitoresca como ostensivamente paródica, Ayaka descobre que há alguns paralelismos entre a maldição de Sadako e o vírus da varíola (!) e, a partir daí, tenta neutralizar cientificamente os efeitos sobrenaturais da indução à morte. Se, por um lado, esse ponto de partida roteirístico é interessante no cotejo com a guerra de narrativas relacionada ao enfrentamento da Covid-19, por outro, deixa claro que a potência terrorífica da cinessérie está esgotada: do meio para o final, a tendência à comédia instaura-se ainda mais que os toques de horror, manifestos sobretudo através de trombalhões e de efeitos gráficos que beiram a comicidade (como os cabelos exageradamente crescidos das pessoas em que Sadako se transforma, provisoriamente). Algumas seqüências são hilárias, sendo muitas delas protagonizadas por Roido Kanden (Mario Kuroba), um rapaz que conversa com Ayaka utilizando um filtro virtual de gatinho.
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Caracterizado como uma espécie de assistente misterioso de Ayaka, Roido chama a atenção para o fenômeno asiático dos ‘hikikomoris’, que são pessoas que ficam confinadas em casa por muito tempo, após algum evento traumático. Roido, no caso, assume-se como germofóbico e, quando é obrigado a sair de seu quarto, após muito tempo, aparece mascarado e utilizando uma peruca exagerada. E sua ajuda é essencial para que Ayaka desvende o código genético da maldição – sim, isso acontece! –, além de descobrir uma fórmula essencial de sobrevivência para o espectador, visto que acontece algo brilhante nos créditos finais, direcionado a todos nós.
Em suas convenções específicas de gênero, o filme pode causar estranhamento em quem está acostumado aos filmes de terror hollywoodianos, mas, para quem aceita a falta de lógica do roteiro escrito por Yuya Takahashi, que apela justamente para a aplicação genérica da lógica científica, o filme revelará inteligentes pontos de observação, mais ou menos como a análise das mensagens sublimares do vídeo de Sadako, feita por Ayaka. Uma conclusão interessante da narrativa é que a melhor estratégia para superar as ameaças provocadas/desencadeadas pelo cinema de terror é o consumo progressivo desse tipo de filme, no sentido de que isso permite o reconhecimento gnoseológico dos males e uma possibilidade palpável de desvendamento das ameaças malévolas, tal qual reiteradamente debatido por Ayaka e Roido. O que, sub-repticiamente, tem a ver com a proliferação de charlatões místicos, metonimizados pelas aparições do Mestre Kenshin.
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Ah, quase esquecíamos de falar sobre uma subtrama envolvendo Chieko (Naomi Nishida) e Futaba (Yuki Yagi), respectivamente, a mãe e a irmã mais nova de Ayaka, pois, além de elas lidarem com o luto recente – envolvendo a morte do patriarca da família Ichijo –, Futaba insiste em conferir o vídeo amaldiçoado, mesmo sabendo que ele provoca seqüelas persecutórias. Algo fascinante nesse procedimento é que, como a audiência à fita implica a utilização de um videocassete, aparelho já obsoleto, isso emula uma ponderação bem-vinda sobre a renovação constante das tecnologias. Em âmbito formal, explica-se, assim, a estrutura narrativa do filme, que se assemelha à abertura e à navegação de um antigo CD-ROM. Trata-se, mais uma vez, de um anacronismo proposital, que proporciona acertos involuntários: “O Chamado 4: Samara Ressurge” é uma esculhambação consciente, à guisa de paródia, e, como tal, entretém e provoca válidas reflexões!
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Sadako DX, 2023. Direção: Hisashi Kimura. Roteiro: Yuya Takahashi baseado na obra de Kôji Suzuki. Elenco: Fuka Koshiba, Kazuma Kawamura, Mario Kuroba, Hiroyuki Ikeuchi, Yuki Yagi, Naomi Nishida, Hiroyuki Watanabe. Gênero: Terror. Nacionalidade: Japão. Trilha Sonora Original: Kôji Endô. Fotografia: Kasai Takahito. Produtora de Elenco: Kei Kawamura. Distribuidora: Paris Filmes. Duração: 01h40min.
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS
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