Após pelo menos dez anos afastado da cidade, José Eduardo Belmonte retorna à Brasília (onde se formou no curso de cinema e iniciou sua carreira) para a produção de O Pastor e o Guerrilheiro, que retrata a improvável cumplicidade entre um evangélico (Zaqueu - Cesar Mello) e um guerrilheiro comunista (João - Johnny Massaro) em uma prisão durante a ditadura militar, em 1973. Porém, ao contrário do que indica o título, o protagonismo não está no religioso, tampouco no membro da luta armada. A narrativa do filme se desenrola sob o olhar de Juliana (Julia Dalavia), jovem estudante acadêmica que - no ano de 1999 - se depara com as memórias escritas de João e promove uma busca por seu passado, tão intimamente ligado ao dela.
É que Juliana é filha do Coronel responsável pelas torturas do guerrilheiro. No entanto, cresceu sem conhecer o pai ausente e tornou-se uma adulta que abomina sua conduta e ideologia. Após a morte do militar, este deixa toda sua herança para a filha rejeitada e Juliana tem que lidar com o peso do sangue que corre em suas veias, assim como a culpa por ter direito legal a um dinheiro conquistado às custas do sangue alheio.
Através da leitura de um livro que teve poucas tiragens, a jovem acompanha a trajetória desse desconhecido a quem logo se conecta, chegando a assumir papéis que caberiam à família dele. Juliana fantasia o amor não-vivido de João e passa a falar dele como um velho conhecido. O filme acompanha essa jornada trazendo à tela a história do guerrilheiro em sua época de militância paralelamente à da protagonista e a de Zaqueu, já no ano de 1999, e agora com dois filhos adultos.
Créditos: Divulgação. Distribuidora A2 Filmes
O longa foi selecionado para inúmeros festivais nacionais e internacionais e saiu vencedor do prêmio de "Melhor Filme" no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro concedido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.
O tema central da obra é o passado e como lidamos com a memória. Enquanto Juliana escava o passado de João em uma tentativa de fazer as pazes com seu antepassado torturador, Zaqueu tenta esquecer os tempos terríveis em que passou emprisionado, escondendo esse fato de seus filhos. O roteiro também traz questionamentos potentes na forma de personagens secundários. Como um amigo militante de Juliana (Túlio Starling), que se apressa em dizer que ela não pode ficar com o dinheiro de um torturador, mas não se questiona de onde vem o dinheiro de sua família abastada. Ou como um ex-soldado que procura a igreja de Zaqueu para pedir perdão pelas ordens cumpridas durante a ditadura.
Outra trama de extrema relevância que se apresenta timidamente é o embate entre Zaqueu e seu filho na escolha entre um pastoreio pautado na humildade e renúncia de bens materiais e aquele que usa o dinheiro como arma para propagar a fé. Dado o ano em que se passa, este é um caso anedótico que demonstra a tomada de poder do neopentecostalismo no Brasil, trazendo a ideia de prosperidade como forma de elevação espiritual. Enquanto isso, a esquerda universitária ainda debatia a instalação de cotas raciais e medidas básicas para diminuir a desigualdade social.
Se O Pastor e o Guerrilheiro tem um defeito é o de ser muito básico, por vezes beirando o didatismo. Mas avaliando o Brasil atual… não se sabe se dá para considerar isto um problema quando se trata de um tema tão fundamental para a construção da nossa jovem e desmemoriada democracia. Que Belmonte volte a fazer projetos na capital do país, pois este é um de seus melhores trabalhos em anos.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: O Pastor e o Guerrilheiro, 2022. Direção: José Eduardo Belmonte. Roteiro: Nilson Rodrigues, José Rezende Jr., Josefina Trotta. Elenco: Johnny Massaro, Julia Dalavia, César Mello, Cássia Kis, Sérgio Mamberti, Túlio Starling, Ana Hartmann, William Costa, Antônio Grassi, Buda Lira, Gabriela Corrêa, Ricardo Gelli. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Barbara Alvarez. Direção de Arte: Ana Paula Cardoso. Distribuição: A2 Filmes. Duração: 115 minutos.
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