Pacifiction, de Albert Serra | Assista nos Cinemas


O novo longa do cineasta catalão Albert Serra pode ser considerado um tour de force. Tanto por parte do próprio diretor, que realiza sublimes proezas técnicas e narrativas com o sucessor do polêmico Liberté, quanto por parte do público, que dificilmente terá Pacifiction como uma unanimidade. Isto porque o thriller político de Serra é cozido em temperatura tão baixa que por vezes é fácil passarem despercebidos elementos narrativos que constroem o quadro principal da trama.

Numa ilha da Polinésia Francesa, o comissário De Roller (Benoît Magimel), autodenominado representante de Estado, administra as facetas de diplomata e bom vivant. Simpático, intermedia tensões entre a França e a população local. Entre apresentações de danças folclóricas e reuniões acerca da segregação sofrida pelos povos originários, rumores da retomada de testes nucleares na região pela França trazem uma camada de paranoia à vida aparentemente idílica do paraíso polinésio.

Filmado durante a pandemia de COVID-19, Pacifiction é um exercício de contemplação. A construção da imersão se dá através de longos planos estáticos que permitem o público analisar à vontade os quadros onde se passa a história. Como consequência, belíssimos registros da paisagem polinésia e um olhar íntimo para o cotidiano dos personagens retratados pelas lentes atentas do diretor de fotografia Artur Tort. A trama se desenrola quase que imperceptivelmente em imagens de aspecto leitoso e cores sublimes que causam uma sensação de lembrança nostálgica. A sensação de conforto destoa diretamente da inquietação que é lentamente construída em segundo plano, uma angústia sutil que cresce por trás das cortinas diplomáticas. Abusando da praticidade e maleabilidade proporcionada por filmar em digital, Serra e sua equipe chegaram a usar simultaneamente até 3 câmeras para tirar o máximo de proveito da atuação (e eventual improvisação) de seu elenco. O resultado foram cerca de 500 horas de filmagens captadas embebidas num estilo naturalista e espontâneo que dá a obra um senso de realidade, ao mesmo tempo que as escolhas técnicas conferem às cenas uma aura de sonho distante. São estas contradições que elevam o nível de Pacifiction e possibilitam a imersão por parte do público, dando margem a reflexões sociais acerca de temas como colonização, intimidação bélica e exotização turística.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Pacifiction, 2022. Direção: Albert Serra. Roteiro: Baptiste Pinteaux e Albert Serra. Elenco: Benoît Magimel, Pahoa Mahagafanau, Marc Susini, Matahi Pambrun, Alexandre Melo, Sergi López, Montse Triola, Michael Vautor, Cécile Guilbert, Lluís Serrat, Mike Landscape, Cyrus Arai. Gênero: . Nacionalidade:   Trilha Sonora Original: Marc Verdaguer e Joe Robinson. Fotografia: Artur Tort.  Edição: Ariadna Ribas, Albert Serra e Artur Tort. Figurino: Praxedes de Vilallonga. Distribuidora: Fênix Filmes. Duração: 02h45min.

Os personagens que habitam este universo conferem um grande charme a este anti-épico. O comissário De Roller de Benoît Magimel, um estrangeiro adorável sempre de paletó branco e óculos escuros, como se estivesse num remake francês de Miami Vice, encanta. Sua capacidade de conquistar a confiança da população local é admirável, o que apenas aumenta a sensação de desconfiança em relação a seus reais interesses por trás de tamanha boa-vontade. Seu aparente interesse amoroso, Shannah (Pahoa Mahagafanau), inicia o filme apenas como recepcionista do hotel onde se passa parte da trama. Mas logo se torna uma espécie de confidente de De Roller, sempre encantadora, sempre enigmática. A relação ambígua da dupla potencializa o grau de mistério familiar construída por Serra, enquanto os demais personagens enriquecem o universo paradisíaco.

Contudo, os mesmos aspectos de excelência que banham o longa de Serra em elogios também podem ser um revés. A exigência de tanto comprometimento para se embarcar na tensão da narrativa pode tornar a película um tanto quanto proibitiva para públicos menos atentos ou que simplesmente não estejam em plena sintonia com o ritmo por vezes dolorosamente lento da obra. Ainda que seja bem-sucedido em estabelecer a atmosfera de suspense velado e apresentar uma trama coesa, com personagens verossímeis e críveis, a longa duração combinada com a cadência aborrecida de sua construção fazem este thriller político soar por boa parte de suas quase 3 horas qualquer coisa menos um thriller político. Este pacto de sugestão permanente, a crescente ansiedade, é uma escolha arriscada do diretor. A catártica cena final do longa certamente tem potencial de surpreender plateias, eletrizando as pessoas que conseguiram embarcar na valsa comedida de Serra e acordando com um susto as outras que pegaram no sono.

A edição final de ''Pacifiction'' conta com 02h45 minutos, mas o diretor realizou cerca de 500 horas de filmagem que incluem preparação e as cenas roteirizadas.

Se destacando por suas qualidades e a relevância dos temas que trata, Pacifiction é uma experiência grandiosa e ousada esperando ser descoberta, uma reflexão sobre os conflitos diplomáticos não-declarados que reverberam pelo tempo e convidam a História a se repetir.

O longa recebeu cerca de 13 prêmios em diversos festivais, entre eles, o Oscar Francês (César Awards) nas categorias de ''Melhor Ator'' e ''Melhor Fotografia''. Além de 34 nomeações em outros diversos festivais. No Festival de Cannes foi indicado ao prêmio principal, a Palma de Ouro, e também ao ''Queer Palm''.

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Escrito por Petterson Costa

    Comentários Blogger
    Comentários Facebook

1 comments:

Pseudokane3 disse...

Lindo ler tudo isso. Mesmo que tu tenhas alegado ter gostado do filme menos que eu - que o achei excelente - teu relato é fabuloso, só melhora as qualidades da obra. Parabéns!

Postar um comentário

Pode falar. Nós retribuímos os comentários e respondemos qualquer dúvida. :)