sexta-feira, 28 de julho de 2023

Até Amanhã, de Ali Asgari | Assista na FILMICCA


“Tenho que perguntar ao meu marido antes: não tenho permissão para aceitar nada sem a permissão dele”!

No curta-metragem mais famoso (e premiado) do cineasta persa Ali Asgari, “Mais de Duas Horas” (2013), acompanhamos o dilema de um casal jovem que não consegue internação hospitalar para uma moça que sangrava. Seja em instituições públicas quanto particulares, as dificuldades esbarravam numa exigência elementar: a comprovação marital. Quando descobrimos que o sangramento em pauta advém de uma relação sexual espontânea – ou seja, fora do casamento –, compreendemos o porquê da perene expressão de terror nos rostos dos personagens: o que seria algo corriqueiro em diversos países é alçado à categoria criminal no Irã.

Estendendo essa mesma temática, em seu primeiro longa-metragem, “Até Amanhã” (2022), o diretor apresenta-nos a Fereshteh (Sadaf Asgari, sobrinha do diretor), uma mãe solteira que cuida de sua bebê de dois meses, enquanto lida com as exigências recorrentes de suas atividades empregatícias e universitárias. Numa tarde em que estava com vários compromissos pendentes, ela recebe uma ligação de seu pai, dizendo que um tio sofreu um acidente e que, como tal, ele e a mãe da protagonista a visitarão emergencialmente, de modo que tencionam passar a noite onde ela mora. A partir daí, Fereshteh buscará a ajuda de alguém que cuide de sua filha até a manhã do dia seguinte…

Contando com o auxílio de sua amiga Atefeh (Ghazal Shojaei), de temperamento esquentado, Fereshteh precisa encontrar também um lugar para esconder os pertences de sua bebê, a fim de que seus pais não descubram a existência da mesma. Essas tarefas simples, entretanto, desencadeiam uma via-crúcis extenuante, que obriga Fereshteh a contar uma série de mentiras, no afã por não ser denunciada por manter uma filha ilegítima.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Ta Fata, 2022. Direção: Ali Asgari. Roteiro: Ali Asgari e Alireza Khatami. Elenco:  Sadaf Asgari, Ghazal Shojaei, Amirreza Ranjbaran, Nahal Dashti, Milad Moyaei, Katayoon Saleki, Mohammad  Heidari,  Noyan Abdardideh, Babak Karimi, Gênero: Drama. Nacionalidade: Irã, França e Catar. Trilha Sonora Original: Ali Birang e Javad Nazari. Fotografia: Rouzbeh Raiga. Edição: Ehsan Vaseghi. Produtora: Silk  Road Productions. Duração: 01h26min.

A aparentemente trivialidade desta sinopse denuncia as condições mui oprimidas em que vivem as mulheres iranianas, ainda que o diretor aborde uma faceta mais urbana de seu país, nos moldes daquilo que vemos nos filmes de seu compatriota Asghar Farhadi. Da mesma maneira que este cineasta, Ali Asgari insere os conflitos morais no centro da narrativa: por mais que Fereshteh aja de maneira progressivamente equivocada, em seu desespero, colocando os seus amigos e até mesmo desconhecidos em perigo, quem a pode recriminar? Naquela conjuntura, as mulheres são consideradas culpadas, ainda que sejam as maiores vítimas de leis nacionais sobremaneira injustas. Num determinado diálogo, Atefeh sugere cinicamente que ela pegue um táxi em direção ao parlamento, a fim de exigir que essas leis sejam alteradas. Na prática, mulheres são aprisionadas por executaram determinadas funções profissionais, conforme ocorre com uma advogada que é detida repentinamente e tem seu escritório fechado. Por qual motivo? Nem se precisa dizer, tem a ver com o fato de ela ser mulher!

De maneira audaciosa, Fereshteh sai pelas ruas, depois de esconder os pertences infantis em lugares diferentes, em busca de alguém que possa cuidar de sua filha por algumas horas. Aflita, ela visita o pai da criança, Yaser (Amir Reza Ranjbaran), que insiste que ela deveria ter abortado. Atefeh tenta comovê-lo, pedindo que ele identifique similaridades físicas com a garotinha, mas ele evita até mesmo olhar para ela. É óbvio que, para ele, Fereshteh é a única culpada pelos tormentos que vivencia!

                                                                                                                    Créditos: Divulgação  
O filme passou por inúmeros festivais, como a Mostra SP e o Festival de Berlim, e recebeu nove indicações e nove prêmios. Na Mostra internacional de São Paulo, Ali Asgari foi lembrado na categoria de ''Novos Diretores'', já no Festival de Cinema de Berlim o filme apareceu indicado na categoria ''Panorama Audience''.

Cometendo múltiplas irregularidades, Fereshteh é chantageada sexualmente pelo administrador de um hospital (Babak Karimi), o que escancara a hipocrisia levada a cabo pelos homens de seu país, que se dizem seguidores dos preceitos muçulmanos, mas, na primeira oportunidade de praticar adultério, ignoram a interpretação das diretrizes religiosas – que, no Irã, são também legislativas – visto que a responsabilidade integral pelo cometimento de pecados sexuais (que, por extensão, são também crimes) recai sobre as mulheres. É um filme que desperta a nossa revolta, sobretudo quando percebemos que, se falasse a verdade, poderia ser pior para Fereshteh.

De curta duração (apenas oitenta e cinco minutos), “Até Amanhã” acompanha o périplo das duas amigas pela cidade, ao longo de algumas horas, enquanto Fereshteh recebe constantes lembretes telefônicos de que seus pais estão chegando. A tensão é onipresente e o filme chega mesmo a cansar o espectador, visto que, em linhas gerais, temos uma mesma situação repetida à exaustão, até que a protagonista tome a derradeira decisão, acerca do que fazer com a sua filha. É uma produção que, tudo indica, não converter-se-á num clássico iraniano, visto que as suas ambições técnico-discursivas estão subjugadas ao fervor denuncista. Porém, demonstra muito bem que, na contemporaneidade, ainda há muito a ser problematizado, no que tange à maneira como as mulheres são menosprezadas nalgumas sociedades. Vale pela reflexão que provoca, portanto!
Estreia exclusivamente no dia 28 de Julho na FILMICCA
Conheça a FILMICCA

A FILMICCA é um streaming nacional de cinema autoral, cult e independente, do clássico ao contemporâneo, e com lançamentos inéditos. Disponível para assinatura em todo o Brasil, a plataforma pode ser acessada na web e através dos apps para iOS, Android, Apple TV, Android TV e Amazon Fire TV.
 
Serviço:
Onde assistir: www.filmicca.com.br ou nos apps para Android, iOS, Apple TV, Android TV e Amazon Fire TV. Os apps possuem transmissão via Chromecast e AirPlay.


** Plano Anual - R$ 60,00/ ano (Promocional até 31/12/2023) | Plano mensal: R$ 19,90/ mês

*O valor original do Plano Anual é de R$ 199,90 por ano. Valor Promocional por tempo limitado.

Mansão Mal Assombrada, de Justin Simien | Assista nos Cinemas


Para aqueles que gostam de um “cozy mistery”, ou no bom português, ''um mistério aconchegante'' - Filmes com fantasmas, ou crimes, que são mais leves, ou tem um tom mais de comédia ao longo da história. Ou ainda para quem que gosta de fantasmas, mas não necessariamente gosta de assistir a filmes de terror, ''Mansão Mal Assombrada'', de Justin Simien, pode ser uma boa pedida.

A produção não é tão marcante e por ter sido lançada meio a tantos lançamentos fortes pode ser esquecida. No entanto, é uma aventura com gostinho de sessão da tarde que tem cacife para entreter durante todo o seu tempo de tela. Inspirada numa atração do parque da Disney, a The Haunted Mansion, o filme é um remake de longa de 2003 de mesmo nome protagonizado por Eddie Murphy.

O público no geral pode estar um pouco cansado de tentativas que recontam histórias já conhecidas, ou heroflicks e até mesmo de live-actions de aniimações, todavia, se tem filme para assistir, é esperado que ele chegue nas pessoas. Nessa nova produção, nos deparamos com Ben Matthias, interpretado por Lakeith Stansfield (Entre Facas e Segredos, Corra!, Judas e O Messias Negro), um cientista que está enfrentando a perda de sua esposa. Ele não acredita em fantasmas, mas trabalha como guia turístico de casas mal assombradas - trabalho que era de Alyssa, sua esposa, interpretada por Charity Jordan (Selma). O homem é envolvido em uma confusão, quando o padre Kent, papel de Owen Wilson (Case Comigo, Esquadrão Secreto, Marley & Eu), o procura para que ele e sua máquina fotográfica científica possam ajudar uma mãe e um filho em apuros.

A atriz Rosario Dawson (Rent, Josie and The Pussycats) interpreta Gabbie, mãe de Travis (Chase W. Dilton). Eles se mudam para uma velha mansão cheia de criaturas fantasmagóricas. Ao tentar sair do casarão e se mudar para outros lugares, são perseguidos e forçados a voltar. Então, quando o padre corre atrás de Ben, é uma de muitas tentativas de se livrarem das assombrações que moram na casa e poderem seguir seu caminho em outro canto.

Acontece que assim que você tem contato com os fantasmas da mansão, você não consegue mais se distanciar. Está preso a maldição da casa, assim como todos os fantasmas e humanos presentes. Mas Ben não acredita em ''coisas do além'', finge fazer seu trabalho, é pago por isso e vai embora. Quando é compelido a voltar, porque está sendo perseguido e assombrado, percebe que tem algo de estranho ali. Então a mãe, o filho, o padre e o viúvo atormentado vão atrás de pessoas que podem os ajudar a descobrir o que aconteceu na casa e como banir as presenças fantasmagóricas dali.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Mansão Mal Assombrada, 2023. Direção: Justin Simien. Roteiro: Katie Dippold. Elenco: LaKeith Stanfied, Rosario Dawson, Owen Wilson, Danny DeVito, Tiffany Haddish, Creek Wilson, Chase Dillon, Jared Leto, Winona Ryder, Jamie Lee Curtis, J. R. Aducci. Gênero: Comédia, Drama, Família, Aventura. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Kris Bowers. Fotografia: Jeffrey Waldron. Edição: Phillip J. Bartell. Figurino: Jeffrey Gurland. Design de Produção: Darren Gilford.  Direção de Arte: Tom Reta. Distribuição: Walt Disney Studios. Duração: 02rh02min.

O filme quer trazer aquela sensação de um grupo de estranhos que se forma e nasce ali uma família. E até acontece, muito por conta das atuações que levam com naturalidade a dinâmica dos personagens entre si. 

Nessa jornada para descobrir o que tem de errado na casa, o ilustre Danny DeVito (Matilda) é recrutado como o professor Bruce Davis, que dedicou sua vida a escrever sobre fantasmas e sempre quis visitar aquela mansão. Junto dele, o time vai atrás da vidente Harriet, interpretada pela comediante Tiffany Haddish (O Peso do Talento e Rainhas do Crime).

Eles descobrem aos poucos o que aconteceu com os fantasmas ali. Um deles foi consumido pela perda da esposa, e tentou a trazer de volta, até que numa das tentativas de se conectar com os mortos, um fantasma, se passando pela mulher do homem viúvo, o convenceu de que ele deveria ficar com ela na outra vida também. Um tópico pesado em um filme com classificação de 12 anos, mas isso não é muito aprofundado e a busca pelo fantasma vilão da história segue.

                                                                          Créditos: © 2023 Disney Enterprises, Inc. All Rights Reserved.
O cineasta Guillermo del Toro esteve atrelado ao projeto desde 2010, mas abandonou a iniciativa. Em 2021, Justin Simien iniciou as tratativas para dirigir o filme e revigorar o script.

O pior problema do filme é ter o Jared Leto interpretando o fantasma que gerou toda essa confusão. O fantasma que controla e atormenta todos os outros que vivem ali. Mas ele mal aparece, é usada apenas a voz do ator.

Jamie Lee Curtis também faz parte do time de atores que apenas dá uma pinta no filme, pois são  participações mais curtas, mas ainda assim significativas para a história. Winona Ryder é uma grata surpresa, mas tem pouquíssimo tempo em cena, assim como Dan Levy.

A produção não reinventa a roda, não traz nada novo para a conversa, mas o elenco faz um bom trabalho com aquilo que tem, e no final, o público se diverte. A produção visual também não deixa nada a desejar, com os efeitos visuais que estão bonitos de se ver. O roteiro de Katie Dippold, contudo, é fraco, mas nessa onda dos remakes, já existiram produções que entregaram resultados piores.

HOJE NOS CINEMAS

Missão de Sobrevivência, de Ric Roman Waugh | Assista nos Cinemas

 
O astro escocês Gerard Butler tem sotaque marcante e um público fiel. Durante sua carreira, que continua muito ativa, por sinal, o ator conseguiu transitar entre os mais diversos gêneros cinematográficos. Esteve em comedias românticas aclamadas como "P.S. Eu Te Amo" [Richard LaGavanese, 2007], em filmes independentes e dramáticos como "Querido Frankie" [Shona Auerbach, 2004) e até releituras de musicais como "O Fantasma Da Ópera" [Joel Schumacher, 2004]. O ator também deu voz a personagens animados na série de filmes da DreamWorks Animation "Como Treinar Seu Dragão" [2010-2019] e deixou claro que apesar de ser versátil é um baita candidato a estrelar todo e qualquer tipo de filme de ação para marmanjos com muita testosterona. O rei vigoroso que interpreta em "300" [Zack Snyder, 2006], aliás, foi quem o colocou numa posição muito prestigiada e desde então ele está sempre ligado a projetos com muito tiro, pancadaria e bomba.

"Missão de Sobrevivência", novo lançamento da Diamond Films no Brasil, traz Butler em sua terceira parceria com o diretor Ric Roman Waugh, com quem já trabalhou em "Destruição Final: O Último Refúgio" (2020) e "Invasão ao Serviço Secreto" (2019). A trama tem roteiro do estreante Michael LaFortune e apresenta um enredo que puxa o espectador para o longo e eterno debate sobre o controle norte-americano ao que acontece no oriente médio. Ainda que esta não entregue nenhuma novidade no assunto, assume as culpas que o imperialismo do Tio Sam pratica. 

Com Navid Negahban, Ali Fazal, Tom Rhys Harries, Mark Arnold, Nina Toussaint-White e Travis Fimmel (da série Vikings) no elenco.

Trailer


Ficha Técnica
Titulo original e ano: Kandahar, 2023. Direção: Ric Roman Waugh. Roteiro: Michael LaFortune. Elenco: Gerard Butler, Navid Negahban, Ali Fazal, Tom Rhys Harries, Mark Arnold, Nina Toussaint-White, Rebecca Calder,Vassilis Coucalani e Travis Fimmel. Gênero: Ação e Suspense. Nacionalidade: EUA e Arabia Saudita. Trilha Sonora Original: Dav id Bucley. Fotografia: MacGregor. Edição: Colby Parker Jr. Figurino: Kimberly Adams Galligan. Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 01h59min.
O longa se inicia com uma missão para retirar poder bélico de inimigos do Tio Sam no Afeganistão. Dois agentes da CIA, Tom Harris (Gerard Butler) e Oliver Alterman (Tom Rhys Harries), se infiltram em uma usina nuclear e explodem o local. Enquanto uma caça aos culpados é ativada, os dois se preparam para partir dali, mas o também infiltrado da agência no Oriente Médio, Roman Chalmers (Travis Fimmel) solicita que Tom faça uma última operação antes de retornar para casa. Sua filha e esposa o esperam e ele não sabe muito bem se quer voltar para a família, muito por conta do encontro com a mulher, que o aguarda para se divorciarem. Já sua filha. espera que ele chegue a tempo para sua formatura. No entanto, ao receber a missão de Roman - que já estava em inicio com a chegada do tradutor de Tom, Mohammad (Navid Negahban), o ''Mo'' - uma jornalista é interceptada por forças do exército Taliban que revela como o governo estadunidense e seus aliados tem tentado incapacitar todos aqueles que querem ter armas potentes. Os documentos são exibidos em jornais por todo o mundo e com eles os rostos de Tom e Oliver expostos. Com a cabeça a prêmio, Tom precisa parar a missão em andamento para tentar sobreviver. Seu tradutor por terras estrangeiras, e que havia aceitado o trabalho para poder encontrar a cunhada, acaba tendo que correr contra o tempo para não morrer e o ex-agente da inteligência Britânica emprestado aos Euas faz de um tudo para protegê-los.

                                                                                                             Créditos: Divulgação
Kandahar, título original do longa, foi totalmente rodado na Árabia Saudita

A narrativa é conduzida com ritmo acelerado.  O suspense se instaura para saber se os alvos serão ou não capturados. Perseguições ocorrem da cidade até o deserto e os personagens tentam entender um ao outro, apesar da loucura toda da situação. O texto se encarrega de deixar claro ao público que o imperialismo norte-americano sabe o que faz e não diz ''nem obrigado'' a quem o ajuda. Afinal, não sente culpa alguma por deixar os inimigos sem armas de defesa, sendo ou não armas nucleares. E ainda que o roteiro não entregue nada de novo, consegue prender a atenção do espectador.

Para quem tem acompanhando a carreira de Butler de perto, Missão de Sobrevivência é mais um daqueles trabalhos que ele aparece para bater o ponto e é isso mesmo. Travis Fimmel tem uma participação dúbia e convence pela entrega. O interprete de ''Mo'', Navid Negahban, aproveita o drama que lhe é concedido - abandono de sua terra e perda de entes queridos - para soar como o lado mais interessante de toda a corrida. No fim, o espectador tem a missão de não se deixar levar pelo ''humanismo'' que os personagens ganham para tentar justificar o que fazem a mando de um governo controlador.

Avaliação: Dois drones bombardeando inimigos e meio (2,5/5)

HOJE NOS CINEMAS

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Blue Jean, de Georgia Oakley | Assista nos Cinemas


O amor sáfico no cinema é subaproveitado, pouco volumoso e, quando retratado, rende-se a estereótipos como o da adolescente confusa vivendo a vida intensamente ou entra em estatísticas como a que diz que a maioria dos filmes LGBTQIAPN+ possuem um final trágico para seus protagonistas.

Só de não seguir por esse rumo, Blue Jean já é notável. Outro fato louvável é o de que a obra é escrita e dirigida por uma mulher, a estreante Georgia Oakley, e possui a produção inteiramente nas mãos do gênero feminino. Isso evita que o filme caia em armadilhas como a do male gaze - como em de Azul é a cor mais quente (Abdellatif Kechiche, 2013) - ou a de retratar o romance lésbico como se fosse uma amizade qualquer, como em Tomates Verdes Fritos (Jon Avnet, 1991). 

Outro benefício fruto da colaboração de Oakley com sua equipe é a retratação de uma feminilidade plural. Da protagonista (Rosy McEwen), ao elenco de apoio, vários corpos não-padrões recebem tempo de tela e vemos também algumas variações de performance da sexualidade lésbica. A narrativa retrata a professora de educação física Jean, que leciona em uma grande escola. Jean vem de uma separação de um casamento heterossexual e, apesar de muito consciente de sua sexualidade, ainda não sente-se segura para assumi-la para o mundo.

É importante ressaltar que a história se passa na Inglaterra da década de 1980, onde a política de Margareth Thatcher não pretende facilitar a vida dos homossexuais com suas propostas conservadoras. A década também foi marcada pela epidemia da AIDS, o que gerava ainda mais estigma para essa população. É perspicaz como o filme aponta isso sem precisar abordar o tema, apenas introduzindo um cartaz governamental que alerta para o perigo da doença.

                                                                                                                        Créditos: Divulgação 
Blue Jean passou por inúmeros festivais, inclusive, o Festival do Rio (2022). Na sua jornada de premiações já levou 24 indicações e em 12 delas foi premiada. No Festival de Cinema de Veneza, a película ganhou o voto popular.

Jean vê sua incognitude ameaçada quando uma nova aluna (Lucy Halliday) entra em sua turma e passa a frequentar o mesmo pub sáfico que ela. Naturalmente, surge um interesse de uma sobre a outra. Mas aos poucos percebemos que os closes nos olhares e bocas das duas - que pareciam indicar desejo - demonstram uma necessidade de se reconhecer em outra pessoa.

A adolescente Lois vê um futuro. Uma mulher adulta com um emprego estável que tem uma namorada e se diverte em um bar nichado. E Jean vê a adolescente que ela foi - deslocada, preterida - mas também a adolescente que ela poderia ter sido, uma muito mais segura de si e mais convicta de quem é.

O medo de ser exposta no emprego como quem realmente é faz Jean tomar atitudes desmedidas que dividem o espectador entre compreender o sofrimento emocional dessa mulher e julgar suas condutas covardes e injustas. Em determinada cena, a protagonista aceita sair com os colegas de trabalho preconceituosos pela primeira vez. Ela se esforça para se divertir com eles e tolera as investidas cheias de segundas intenções de um conhecido. Atrás dela, camuflada como uma decoração do bar, uma seta vermelha luminosa pisca impiedosamente para a direita, como se aquele lugar lhe indicasse o caminho que ela deve tomar nesse momento de guinada.
 
                                                                                                                                                   Créditos: Divulgação
Com produção do BFI Film Fund, BBC Film, Kleio Film em associação com a Great Point Media, Blue Jean chegou ao Brasil com distribuição da Synapse Distribuition.

Mas se o filme, tem belos momentos de simbologia, também há aqueles que são péssimos. Concentrados no terço final da trama, eles se amontoam e dão uma carga melodramática ao longa-metragem que até agora ia tão bem. É constrangedora ao nível de parecer que é uma paródia a cena em que Jean se liberta de um peso que vinha carregando e então sai correndo para o lado de fora com um sorriso no rosto e observa cavalos trotando em liberdade.

Por mais que haja esse declínio no final, ainda vale a pena conferir a construção dessa personagem tão rica e complexa quanto Jean, sem falar nas complexidades presentes também em Lois e Viv (Kerrie Hayes). Apesar de não ter um final trágico, a obra é bastante realista no sentido de que, na vida, umas coisas se consertam, outras desandam. Nada é bom o tempo todo. Então, preparem os lencinhos.

Trailer


Ficha Técnica 
Título original e ano: Blue Jean, 2023. Direção e roteiro: Georgia Oakley. Elenco: Rosy McEwen, Lucy Halliday, Kerrie Hayes, Lydia Page, Aoife Kennan. Gênero: Drama. Nacionalidade: Reino Unido. Fotografia: Victor Seguin. Edição: Izabella Cury. Direção de Arte: Soraya Gilanni. Trilha Sonora Original: Chris Roe. Supervisão de Som: James Mather Produtoras: Hélène Sifre e Marie-Elena Dyche. Produtores Executivos: Jim Reeve e Eva Yates Distribuição: Duração: 97 minutos. 

A produção estreia hoje, 27 de julho, nos cinemas de Brasília, Goiânia, Recife, Salvador e Porto Alegre.

Hoje nos Cinemas!

O Convento, de Christopher Smith | Assista nos Cinemas

 
“Confrontar o demônio diretamente é a maneira mais eficaz de enfraquecer o seu poder”… 

O cineasta britânico Christopher Smith é conhecido entre os amantes dos filmes de terror por causa de seus esforços na construção de uma filmografia autoral, especializada neste gênero. Sendo ele próprio o roteirista de suas produções, conseguiu chamar a atenção da crítica em seu curta-metragem de estréia, “The 10000th Day” (1997), bastante perturbador em sua proposta. Obteve sucesso relativo de público com as produções “Plataforma do Medo” (2004) e “Triângulo do Medo” (2009), porém, ainda parece tatear, no que tange à definição de seu próprio estilo. E, em muitos aspectos, este recente “O Convento” (2023) é uma regressão… 

Montado de maneira apressada, como se fosse o ‘making-of’ de algum episódio abortado de seriado de TV, este filme nos apresenta a uma protagonista desenxabida, de nome Grace, interpretada por Jena Malone. Caraterizada de maneira insistente como uma mulher cética, Grace trabalha como oftalmologista, e refuta terminantemente a possibilidade de que seus pacientes sejam curados através da fé. Quando algum deles menciona que um milagre pode acontecer, ela apressa-se em dizer que “o que proporciona alívio para as doenças são as injeções e as cirurgias”. Não há lugar para Deus em sua vida! 
Na narração de abertura, ela instiga-nos a imaginar o porquê disso: enquanto passeia pela rua, sua voz em ‘off’ comenta que, desde criança, seu irmão dizia que ela era protegida por um anjo da guarda, algo em que ela nunca acreditara, até então. Uma freira aparece repentinamente e aponta-lhe uma arma. Por quê? É o que descobriremos a seguir… 

Depois de ser notificada que seu irmão Miguel (Steffan Cennydd) morrera em condições misteriosas, Grace viaja para um convento isolado, num rincão escocês. É lá que Miguel convivia, escondendo-se entre freiras e padres que demonstram um comportamento fanático, no que tange às interpretações apocalíptico-paranóicas dos textos bíblicos. O investigador (Thoren Ferguson) que está buscando explicações para as mortes ocorridas neste convento reforça, para Grace, o caráter fanático da seita da qual Miguel participava. E, aparentemente, ele havia assassinado um padre, antes de se suicidar. Grace não acredita nessa(s) possibilidades(s): “ele jamais faria isso”! 
Créditos: Divulgação
O Convento tem produção da AGC Studios, Bigscope Films  Moonriver

Chegando ao convento destacado no título brasileiro – o original é “Consecration” (“Consagração”), mais adequado –, Grace desmaia ao ter visões recorrentes de pessoas pulando de um penhasco. Estranha as condições em que encontra o cadáver de seu irmão e passa a reagir com com hostilidade às tentativas de aproximação das habitantes do local, com destaque para a Madre Superiora, vivida por Janet Suzman. Quanto mais as freiras insistem em ajudá-la, mais Grace reage com afirmação raivosa, no sentido de que acha improvável que, nalgum momento, venha a acreditar em Deus. Através de diálogos caricatos, Grace professa reiteradamente o seu ateísmo, o que chama particularmente a atenção pela simbologia concernente ao seu nome, com evidente etimologia religiosa. É tudo muito exagerado no filme, mas não a tempo de nos envolvermos psicologicamente com aquelas pessoas, caricaturais em suas encarnações personalísticas. 

À medida que a trama avança, Grace passa a ser atormentada por memórias infantis, provenientes de, no mínimo, duas épocas distintas: numa delas, Grace aparece com uma máscara pagã, prestes a ser sacrificada num ritual do Século XII, no local onde, futuramente, será construído aquele convento; na outra, Grace é mostrada aprisionada em celas apertadas, junto ao seu irmão Miguel, em cômodos de sua residência, e acompanha o evento traumático em que seu pai (Ian Pirie) esfaqueia a esposa até a morte. Mais uma vez, as perguntas acumulam-se: por que isso está acontecendo? O que há de tão misterioso na origem de Grace, visto que sabemos que ela foi adotada? As menções a uma estranha relíquia, supostamente demoníaca, parece explicar as intervenções atemorizantes que instalam-se no convento. Mas o enredo não consegue alinhavar adequadamente as múltiplas pontas soltas que o diretor (em associação com a co-roteirista Laurie Cook, parceira habitual do realizador) dispara em ‘flashbacks’ estereotipados em seu pretenso clima de terror. Até mesmo uma improvável visita ao pai de Grace, na cadeia, acontece! 

Créditos: Divulgação:
A coprodução estreou nos Estados Unidos em Fevereiro deste ano e já rodou mais novo países. A Imagem Filmes é responsável pela distribuição do filme no Brasil.

Ao final, “O Convento” não soluciona as indagações que acumula ao longo de seus noventa e um minutos de duração. Danny Huston tem uma participação pouco relevante como o padre que tenta ajudar – ou encarcerar – Grace, quando ela começa a confrontar a sua falta de fé. Será que ela é efetivamente amaldiçoada ou abençoada? O entrecho leva-a a questionar isso o tempo inteiro, mas as situações, demarcadas por ameaças e sanguinolência, soam pouco verossímeis – mesmo em relação à diegese demoníaca do filme – e estéreis, no que diz respeito aos sustos que tentam incutir na platéia. Ao final, voltamos à mesma seqüência da abertura e parece que nada realmente aconteceu: é como se testemunhássemos um arremedo de pesadelo vivido pela protagonista, tão incoeso quanto a sua própria caracterização. Aguardemos esperançosamente os próximos projetos do diretor, visto que, aqui, ele é prejudicado pelo automatismo formulaico e inexpressivo.

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Consecration, 2023. Direção: Christopher Smith. Roteiro: Christopher Smith, Laurie Cook. ElencoJena Malone, Danny Huston, Janet Suzman, Ian Pirie, Steffan Cennydd, Victoria Donovan. Gênero: Terror, Suspense. Nacionalidade: Reino Unido, Estados Unidos. Direção de Fotografia: Rob Hart, Shaun Mone. Direção de Arte: Elizabeth El-Kadhi. Trilha Sonora Original: Nathan Halpern. Montagem: Arthur Davis. Produção: Laurie Cook, Casey Herbert, Xavier Marchand, Jason Newmark. Distribuidora: Imagem Filmes. Duração: 90 minutos. Classificação Indicativa: 16 anos

HOJE NOS CINEMAS

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Barbie, de Greta Gerwig | Assista nos Cinemas

 
Este texto pode conter spoilers

O cinema sempre foi um lugar de encontro e conhecimento. Com a reviravolta que o streaming fez na indústria, este espaço tão amado foi imensamente afetado. Durante a reabertura das salas no pós-pandemia, os cinéfilos mais calorosos realmente voltaram e deram as caras em produções que queriam muito assistir, mas este retorno não foi significativo e muitos filmes, com grandes ou até orçamentos mais humildes, não conseguiram passar suas mensagens pela experiência cinemática a qual foram pensados e se submeteram a serem exibidos em telas menores via plataformas como Netflix e entre outras. Em 2022, o longa ''Top Gun Maverick'' (leia texto aqui), pela insistência e total fé do ator Tom Cruise, conseguiu buscar o público em casa e deu um gás para realmente alcançar uma plateia que já não visitava os complexos de entretenimento. Pelo resto do ano, outras películas, como ''Avatar - O Caminho da Água'', ou filmes de super heróis, até tentaram se igualar ao longa do piloto rebelde da marinha norte-americana, mas foi a nostalgia oitentista quem ganhou toda e qualquer aposta.

Em meados de dezembro ano passado, os palpites para saber quem conseguiria ultrapassar Cruise nas bilheterias se acirraram quando o marketing de Barbie, o live-action da famosa boneca criada por Ruth Handler ao final dos anos 50, iniciou seus trabalhos nas redes. Um projeto que teve inicio lá em 2009 e teve seus direitos repassados de distribuidora a distribuidora (foi da Universal Pictures e chegou a ser da Sony Pictures) até pousar no colo da Warner Bros Pictures e esta finalmente conseguir concentrar sua produção e a finalizar. Greta Gerwig foi contratada como diretora e é responsável pelo roteiro ao lado do marido, o também diretor e produtor Noah Baumbach (Ruido Branco, História de Um Casamento e Frances Ha). Um elenco recheado de carinhas bombadas foi recrutado para os papéis, entre eles, Margot Robbie, Ryan Gosling, Issa Rae, America Ferrera, Will Ferrell, Scott Evans, Kate McKinnon, Simu Liu, Ncuti Gatwa e muitos outros. Margot Robbie, ao lado de David Heyman (Harry Potter) e Tom Ackerley são produtores do filme. Já Greta Gerwig e Noah Baumbach aparecem como produtores executivos. 

O primeiro teaser do filme, veio cheio de referências a ''2001 - Uma Odisséia no Espaço'', de Stanley Kubrick, e já delatava que Gerwig não estava para brincadeira e voltaria a falar do mundo feminino com força e criticas pesadas ao patriarcado como fez no seu último longa ''Adoráveis Mulheres'' (2019). Em Barbie, a diretora, roteirista e produtora trabalha dentro do sistema, mas não deixa de o fazer pensar suas próprias ações. A boneca em sua versão mais estereotipada, interpretada pela beldade australiana Margot Robbie (Eu, Tonya, 2017), acorda todo dia na ''Terra da Barbie'' como uma princesa. Vive na casa dos sonhos, mora ao lado das outras amigas Barbie, que são de diversas etnias, passeia em seu carro rosa claro por ai, vai a praia, tem um Ken especifico, papel do ator Ryan Gosling, afim dela e um guarda-roupa sofisticado que está pronto para ela a qualquer instante. Sua vida é uma constante festa cor de rosa regada a dancinhas e muita alegria. No entanto, certo dia, ela acorda com ''pés achatados'' e tudo dando errado. Percebe também que começou a ter pensamentos depressivos e não sabe o que fazer  até que visita a Barbie, vivida por Kate McKinnon, que mora mais afastada de todos e é tida como ''estranha'' por ser uma boneca com cabelos cortados, manchas no rosto e pernas que vão para todos os lados a qualquer momento - uma alusão primorosa as bonecas que não faziam mais parte do padrão após suas donas a quebrarem.

A visita da Barbie estereotipada a Barbie Estranha rende uma viagem ao mundo dos humanos para que a boneca que está enfrentando problemas no seu mundo perfeito ajude a sua dona a enfrentar os próprios dilemas e assim tudo volte a paz e o mundo cor de rosa faça sentido de novo. O que Barbie menos esperaria é que Ken fosse se jogar com ela na viagem para passar mais tempo juntos e tê-la somente para ele.
                                 
                                                                            Créditos: © 2023 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved. © D
Antes de Margot Robbie entrar para o elenco, Gal Gadot também foi considerada para o papel, mas estava com a agenda cheia. Já o ator Ryan Gosling disse em entrevistas que aceitou o papel após ver o boneco da filha jogado no chão e ligou para Gerwig dizendo que gostaria de ajudar a contar a história de Ken.

O roteiro entrega ao espectador muito mais do que ele pode esperar. Principalmente, se este for do sexo feminino. A trama se constrói para que a Barbie reveja seu papel na sociedade e seu mundo cai quando ela descobre que não é exatamente um modelo para as crianças, mas algo que ajudou a implementar uma ideia de ''padrão de mulher'' que é ultra difícil de se alcançar. Sua parceria com Ken, que por sinal não é amorosa, mas muito mais uma relação entre amigos, também enfrenta uma baita reviravolta quando este chega ao mundo real e entende que nele os homens tem o poder e mandam em tudo, diferente da ''Terra da Barbie''.

Há um teor cômico enorme em toda a jornada, mas um leve drama também é visto por ali, todavia, nada demais e sim pontual para ajudar na construção dos conflitos. A empresa que colocou a boneca no mercado, a Mattel, ganha inúmeras piadas de si mesma e tem sua logo e ''QG'' exibidos no filme, pois o enredo não esquece de evidenciar que os ''CEO's'' do mundo corporativo não são exatamente mulheres e sempre fizeram questão de que o mundo da Barbie não apresentasse nenhum defeito ''aparente''. Na película, o inenarrável Will Ferrell estrela esse papel. A criadora de Barbie também é vista em algumas cenas e entra em contato com a criatura.

Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Barbie, 2023. Direção: Greta Gerwig. Roteiro: Greta Gerwig e Noah Baumbach. Elenco: Margot Robbie, Ariana Greenblatt, America Ferrera, Ryan Gosling, Will Ferrell, Helen Mirren, Emma Mackey, Hari Nef, Simu Liu, Kingsley Ben-Adir, Nicola Coughlan, Dua Lipa, John Cena, Issa Rae, Kate McKinnon, Ncuti Gatwa, Scott Evans, Sharon Rooney, Rob Brydon, Rhea Perlman, Emerald Fennell, Alexandra Shipp, Nicola Coughlan, Kingsley Ben-Adir, Ritu Arya, Ana Cruz Kayne, Daniela Marin, Joelle Dyson. Gênero: Comédia, Aventura e Fantasia. Nacionalidade: Estados Unidos da América e Reino Unido. Trilha Sonora Original: Mark Ronson e Andrew Wyatt. Fotografia: Rodrigo Prieto. Edição: Nick Houy. Design de Produção: Sarah Greenwood. Direção de Arte: Andrew Max Cahn. Figurino: Jacqueline Durran. Decoração de Set: Katie Spencer e Ashley Swanson. Produtores Executivos: Greta Gerwig, Noah Baumbach, Josey McNamara. Produtores: Margot Robbie, David Heyman, Tom Ackerley. Distribuidora: Warner Bros Pictures Brasil. Duração: 01hr54min.

O longa não é exatamente um musical, mas tem inúmeras referências à eles, desde O Mágico de Oz (1939), Dançando na Chuva (1952), Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), O Segredo Íntimo de Lola (1969), Embalos de Sábado À Noite (1977) Grease (1978) e muitos outros. Greta, que é famosa por diálogos naturais e bem estruturados, pode ser sentida pelo baita discurso que assistimos a personagem Gloria, interpretada por America Ferreira, fazer em um momento esplendido onde a Barbie Estereotipada entende o papel da mulher na realidade. Temos na cena um dos melhores momentos em que o roteiro consegue apresentar o feminismo entrando em ação para lutar contra o patriarcado. Afinal, as mulheres na vida real e na vida cor de rosa se unem para alcançar um propósito. Mas a direção não usa isso para lacrar, faz a união das Barbies e mulheres humanas divertida e a batalha contra os 'Ken's e a tomada do poder se torna um barato. Outro momento particularmente maravilhoso as pautas feministas é o momento em que a Barbie estereotipada encontra uma senhora idosa e a elogia. A cena, que quase foi deletada do filme, traz um toque especial pois se apresenta como um espelho. Um futuro que toda mulher terá de passar e que não é fácil - seja pela aceitação própria da velhice ou das exigências do mundo de que elas não envelheçam. 
 
O papel do homem na trama sofre criticas em potenciais agudos e necessários a todo momento e a ''guerra entre os sexos'' ganha força por conta da rejeição que o Ken de Ryan Gosling sente ao não ter a atenção total da Barbie de Margot Robbie. Porém, não há um ódio gratuito e sim um olhar minucioso sobre o controle dos homens de poder sobre os corpos e destinos das mulheres.

  Créditos: © 2023 Warner Bros. Ent. All Rights Reserved.  ©                              D 
O mundo da Barbie estereotipada vira de cabeça a baixo quando ela descobre que sua dona está depressiva. Mas a trama tem uma reviravolta incrível para o arco dos personagens humanos.

Os filmes de animação da Barbie começaram a sair aos milhares desde o início dos anos 2000 e tem se ancorado em contos e inúmeras histórias já conhecidas, a exemplo, basta ver "Barbie Rapunzel", de 2002, ou "Barbie e os Três Mosqueteiros", de 2009. Porém, o sucesso das animações também deu espaço para tramas inéditas como "Barbie e o Segredo das Fadas", de 2011, ou ''Barbie & Suas Irmãs em Busca dos Cachorrinhos'', de 2016. Sempre mostrando Barbie como heroína ou motivadora das amigas, essas animações fizeram sucesso e diversas páginas pela internet dedicam tempo a postar memes hilários ou até redublagens bem chinfrinhas do universo. 
 
No longa, têm se Barbies de inúmeras profissões e na realidade nem todas as Barbies tiveram um lançamento específico baseado na vida real como a ''Barbie escritora'' ou a ''Barbie advogada'' e a ''Barbie presidente'', mas são lembradas por lançamentos específicos como a Barbie da escritora Maya Angelou, de 2021, ou a Barbie Afro-Americana para Presidente, lançada em 2004. Os papéis de ambas, sequencialmente, são de Alexandra Shipp e Issa Rae.
 
A trilha sonora da película, assinada pelo bombado Mark Ronson em parceria com Andrew Wyatt, traz dinamicidade ao filme, mas tudo com leveza e modernidade. A lista de músicas (escute aqui) abrange as super poderosas Spice Girls, Dua Lipa (que aparece no filme como a Barbie sereia ao lado de John Cena e ganhou clipe dirigido pela própria Greta Gerwig), Billie Eilish (que entoa uma das músicas temas do filme), Nicki Minaj, Charlie XCX, Lizzo, Haim, Ava Max e muito mais. O ator Ryan Gosling, que já se apresentou cantando e dançando quando criança no Clube do Mickey Mouse (1989) e também no longa de Damien Chazelle ''La La Land'' (2016), ou ainda no duo ''Dead Man's Bone'', arrasa chorando as mágoas em canções como ''I'm Just Just Ken'' e até faz os cinéfilos lembrarem de John Travolta em ''Grease''. 

Com Barbie, Greta Gerwig aprofunda conversas necessárias a sociedade com muita comédia e fantasia. O tom infantil não é de um todo ruim e não se perde. Por fim, quando é preciso, o espectador mais compenetrado entende que o papo ficou sério e a licença poética foi validada.

Imperdível e indicadíssima ao público feminino.

Avaliação: Cinco toneladas de rosa com critica ao patriarcado (5/5)

See Ya 

-B





HOJE NOS CINEMAS




Oppenheimer, de Christopher Nolan | Assista nos Cinemas

 
Endeusado por uns e odiado por outros, Christopher Nolan trás em Oppenheimer a sua primeira grande obra desde A Origem (2010) - também é a primeira que chega aos cinéfilos com distribuição da Universal Pictures. Para contar a história da criação da bomba atômica e do que aconteceu com a vida pública de seu criador nos anos posteriores, o diretor acompanha linearmente a vida do físico teórico Robert Oppenheimer (Cillian Murphy, Peaky Blinders) desde a sua emigração para estudar na Europa até sua saída do Projeto Manhattan.

Concomitantemente, o filme também aborda a perseguição política que o personagem sofre por se mostrar reticente ao uso de energia nuclear após o fim da 2ª Guerra Mundial. As cenas desta segunda trama são intercaladas com a história do cientista e mostram como ele teve que defender todas as suas atitudes já tomadas para tentar escapar de acusações de comunismo e tentar manter suas credenciais de cientista na Comissão de Energia Atômica dos EUA.

Esse processo político deixa claro que não são somente os artistas famosos que provam o gostinho do que é ser ordenhado, moído, mastigado e então cuspido pelo sistema/país que tanto se aproveitou do que se tinha para oferecer. O capitalismo e militarismo aos quais Oppenheimer serviu, mesmo que apenas por não ter outra alternativa, o descartaram no instante em que ele não era mais conveniente. Não que o personagem seja apenas uma vítima. O filme trabalha bem as obscuridades de seu caráter e os diferentes motivos que o levaram a fazer o que fez - embora de sua boca saia apenas uma única explicação.

                                                                                                        Créditos: © Universal Pictures. All Rights Reserved.
Com um elenco de peso, Oppenheimer é estrelado por Cillian Murphy. Este é o primeiro protagonista do ator em um trabalho com Christopher Nolan, com quem trabalha pela sexta vez. 

O que o marketing da obra alardeou sobre o impacto da cena da explosão fazer a audiência se sentir como quem de fato presencia uma explosão atômica parece um tanto exagerado. Pelo menos para quem não tem a oportunidade de assistir em Imax. Ainda assim, o trabalho de edição de som é primoroso - talvez como não víamos na tela grande desde Gravidade (Alfonso Cuarón, 2013). E a direção de fotografia de Hoyte Van Hoytema, aliada à decupagem do diretor deixam grandiosas as cores da bomba, a beleza das paisagens do deserto do Novo México e até cenas de pessoas de terno conversando sentadas.

Nolan continua Nolan. Os defeitos que seus críticos costumeiramente apontam estão presentes novamente neste filme, como a mania de explicar o óbvio para o espectador e a construção superficial de personagens femininas. No entanto, aqui, este que é um diretor tido como técnico demais, esteticamente conservador e sem alma poética mostra muitos traços de transgressão em relação ao que vem sendo feito na Hollywood dos últimos três anos.

Enquanto diretores autorais - por mais quadrados que sejam - seguem perdendo espaço para aqueles que apenas obedecem os grandes estúdios nessa fase atual e pasteurizada do cinema norte-americano, Nolan mostra que ainda consegue fazer um blockbuster com cenas de sexo e nudez (que, aliás, são as primeiras de sua carreira e vêm sendo condenadas pela geração tiktok), longa duração, estética própria, diferentes razões de aspecto, cenas em preto e branco, muito diálogo e a profundidade de um drama que não se rende a alívios cômicos.

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Oppenheimer, 2023. Direção: Christopher  Nolan. Roteiro: Christopher Nolan - baseado no livro de Kai ird e Martin Sherwin. Elenco: Cillian Murphy, Robert Downey Jr. Emily Blunt, Matt Damon, Alden Ehrenreich, Kenneth Branagh, James D'Arcy, JAson Clarke, Florence Pugh, Dane Dehaan, Casey Affleck, Rami Malek, Michael Angarano, Gary Oldman, Josh Hartnett, Ale Wolff, Scott Grimes, Macon Blair, John Gowans e Tony Goldwins. Gênero: Guerra, Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América e Reino Unido. Trilha Sonora Original: Ludwig Göransson. Fotografia: Hoyte Van Hoytema.  Edição: Jennifer Lame.  Figurino: Ellen Mirojnick. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração
HOJE NOS CINEMAS