A Austrália não é exatamente conhecida por sua tradição no Cinema de Horror. Com exceção a coproduções com os Estados Unidos, como A Casa de Cera e O Homem Invisível, e a adaptação do videogame Silent Hill, os únicos sucessos genuinamente australianos no gênero que alcançaram alguma notoriedade ao redor do mundo foram Wolf Creek e O Babadook. Grandes filmes, mas nenhum potencial fenômeno que rivalizasse em pé de igualdade com franquias estadunidenses milionárias. Até que os gêmeos Danny e Michael Philippou resolverem mudar o jogo. Conhecidos por seu canal no YouTube (Therackaracka), no qual misturam Horror e Comédia, a dupla de irmãos ganhou diversos prêmios devido a suas criações para a Internet. Com sua crescente influência online e a experiência de quase uma década produzindo conteúdo em seu canal, migrar para a tela grande parecia uma evolução natural na carreira dos Philippou. E esta estreia não poderia ser mais estrondosa. Após uma proveitosa passagem por diversos festivais, Danny e Michael surpreendem o mundo com um dos filmes de Horror mais aguardados e promissores do ano.
O enredo de Fale Comigo pode soar simples, mas as camadas apresentadas em suas especificidades trazem um frescor criativo e original. No longa, um grupo de jovens descobre um meio de entrar em contato com o sobrenatural. A ferramenta necessária para tal é um objeto no mínimo singular: uma misteriosa mão decepada embalsamada, supostamente atribuída a uma vidente. Diante de uma vela acesa, uma pessoa voluntária dá um aperto de mão no membro decepado e diz duas palavras: “fale comigo”. Isso é o suficiente para um espírito errante surgir. Em seguida, outras palavras igualmente convidativas são proferidas: “eu te deixo entrar”. Prontamente, a alma manifestada é canalizada através da pessoa, possuindo-a para deleite das demais presentes. Dentro do intervalo máximo de 90 segundos (não mais do que isso), deve-se soltar o instrumento desconhecido e apagar a vela, fechando o portal espiritual com o oculto. Os rituais são filmados e compartilhados pela Internet, onde olhos curiosos assistem cada encontro do grupo através de telas. A protagonista da história, Mia (Sophie Wilde), visita um destes encontros acompanhada por sua melhor amiga, Jade (Alexandra Jensen), e o irmão dela, Riley (Joe Bird). Após se oferecer para uma demonstração e acidentalmente passar alguns segundos além do tempo estipulado pelas regras, Mia começa a ter visões sobrenaturais, inclusive vislumbres do espírito de sua mãe falecida dois anos antes.
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: Talk To Me, 2023. Direção: Danny & Michael Philippou. Roteiro: Danny Philippou e Bill Hinzman - caseado no conceito original de Daley Pearson. Elenco: Ari McCarthy, Hamish Phillips, Kit Erhart-Bruce, Sarah Brokensha, Jayden Davison, Sunny Johnson, Sophie Wilde, Marcus Johnson, Kidaan Zelleke, James Oliver, Joe Bird, Jett Gazley. Gênero: Terror, Horror. Nacionalidade: Australia e Reino Unido. Fotografia: Aaron McLisky. Trilha Sonora Original: Cornel Wilczek. Edição: Geoff Lamb. Design de Produção: Bethany Ryan. Direção de Arte: Gareth Wilkes. Figurino: Anna Cahill. Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 01h35min.
A forma como a mitologia da trama é desenvolvida através da perspectiva de jovens ainda sem muita noção da vida, cegos tanto por sua insegurança quanto por sua inconsequência, traz muita credibilidade à história. Isso é exatamente o que se esperaria de um grupo de adolescentes diante de um poder inexplorado e potencialmente perigoso, assim como divertido. Mia e suas amizades se colocam em posição de vulnerabilidade não apenas em relação aos fantasmas que invocam, mas também às lentes dos celulares que filmam as possessões, transformando os efeitos grotescos da violação espiritual em entretenimento nas redes sociais. O próprio caráter ritualístico dos encontros da turma traz uma camada a mais, funcionando como uma metáfora para o uso recreativo de drogas. Além da perda do controle corporal, que se torna uma marionete nesta roleta-russa sobrenatural, a possessão traz com ela uma espécie de adrenalina, um frisson incontrolável. Um “barato” que faz todos no grupo repetirem a cerimônia diversas vezes, ignorando os possíveis perigos do ato. A ingenuidade genuína dos personagens combinada aos diálogos que soam orgânicos e sinceros já garante incontáveis pontos positivos a Fale Comigo.
Os aspectos técnicos são outro ponto forte da estreia dos irmãos Philippou na tela do cinema. Os excelentes efeitos práticos expandem o leque de possibilidades narrativas na caixa de brinquedos dos diretores. Algo que o esquema de produção em massa de Hollywood tem diluído em boa parte dos filmes de estúdio é o senso físico de peso e textura em suas produções. Muito da percepção que fazem histórias ficcionais soarem reais na cabeça do público tem se perdido com o uso indiscriminado e por vezes injustificável de efeitos digitais no Cinema. Fale Comigo se beneficia de suas próprias limitações orçamentárias que combina direitinho com a criatividade de seus diretores. O resultado disso são cenas de violência gráfica brutais e surpreendentemente efetivas, agravadas pelo ótimo trabalho de som do filme. A atmosfera aterrorizante do filme vai muito além dos sustos baratos pasteurizados: a construção do suspense consegue segurar a atenção do público abusando da técnica competente de sua equipe para elevar o nível da história sendo contada. Para cineastas de 1ª viagem, os irmãos Philippou têm um admirável senso cinematográfico. Ainda que de forma discreta devido à modesta escala do filme, eles parecem entender muito bem como funciona o conceito de Audiovisual. Os dois, aliás, deixaram de estrear na direção de um filme do DCEU para debutar com esta produção.
Créditos: Diamond Films Brasil/Divulgação
O longa teve suporte financeiro da SAFC (South Australian Film Corporation) em parceria com a Screen Australia, Adelaide Film Festival, Gold Standard e KOJO Studios.
A cereja do bolo do longa é seu elenco. Os destaques são Sophie Wilde e Joe Bird. Wilde carrega o filme, sendo a personagem com mais camadas e melhor desenvolvida pelo roteiro, costurando as demais subtramas e trazendo muita verdade aos traumas de sua protagonista. Boa parte da atuação de Wilde se resume a expressar o desconforto emocional de Mia, enquanto a personagem tenta viver sua vida e se relacionar com suas amizades, além de lidar com sua relação delicada com o pai, Max (Marcus Johnson), enquanto fica presa ao passado pela perda da mãe. A visceral performance de Joe Bird, por sua vez, vale menção devido à fisicalidade que o ator traz ao filme. O personagem poderia ser apenas o irmão da amiga da protagonista, mas a atuação de Bird mostra camadas inesperadas entre a criança vulnerável que quer desesperadamente fazer parte de algo e a persona agressiva e descontrolada manifestada quando o Mal despertado pelo grupo se recusa violentamente a abandonar seu corpo. As cenas protagonizadas por ele são dignas dos piores pesadelos.
A estreia dos Philippou no Cinema opta por abrir mão de um final sangrento para construir uma conclusão simples e efetiva, mas devastadora. Fale Comigo é uma grande surpresa no gênero do Horror, evitando atalhos fáceis para construir uma obra atmosférica que reflete sobre a vulnerabilidade da juventude e os impactos emocionais do luto. Mas sem abrir mão da diversão.
17 de Agosto Nos Cinemas
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