quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança, de Marcos Bernstein | Assista nos Cinemas

 
“É sobre isso que eu queria falar: viver, depois que uma pessoa que amamos vira apenas um número”!

Conhecido sobretudo como roteirista – inclusive, do já clássico “Central do Brasil” (1998, de Walter Salles) -, o carioca Marcos Bernstein possui alguns interessantes títulos em seu currículo como diretor, todos eles demarcados pela ternura, a exemplo de “O Outro Lado da Rua” (2004), a regravação de “Meu Pé de Laranja Lima” (2012) e a comédia romântica “O Amor Dá Voltas” (2019). Como tal, causa estranhamento a sua associação directiva a um projeto tão violento e repleto de cacoetes televisivos policialescos. Se pudéssemos realizar uma comparação imediata quanto aos seus caracteres tramáticos, o projeto audiovisual que guarda mais semelhanças com este filme seria a telessérie “A Justiceira”, exibida na TV Globo em 1997, sob direção de Daniel Filho.

Diferentemente daquele projeto, em que o roteiro enfatizava a composição dramática da personagem titular – enquanto as situações que ela enfrentava eram meros ‘macguffins’–,“Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança” (2023) não tem tempo de delinear psicologicamente a protagonista Carla, vivida de maneira afoita por Cláudia Abreu: na primeira seqüência, conhecemo-la desesperada, num instante de desespero, em direção a um hospital, depois que sua filha foi baleada num assalto urbano. A pretendida empatia em relação a ela não é construída a partir de elementos pessoais, mas do simples fato de que a personagem é uma mãe que se sente injustiçada, o que é despejado enquanto insuficiente motivação ideológica, não sendo gratuita a cena em que a psicóloga Natália (interpretada por Júlia Lemmertz) tacha essa mulher de fascista!

A partir daí, instauram-se as contradições inaceitáveis do roteiro, que parte de um argumento do próprio diretor: no letreiro inicial, surge um dado estatístico, indicando que as mortes causadas pela posse de armas de fogo aumentaram bastante nos últimos anos, o que parecia anunciar uma tônica antibolsonarista no enredo. Porém, à medida que a trama avança, o filme opta por referendar os atos estouvados de Carla, no sentido de que a perspectiva ficcional a converte numa espécie de anti-heroína, que, surpreendentemente, consegue aprisionar um traficante de drogas, um policial corrupto, um investigador federal e até mesmo o assassino idoso do pai de outra pessoa, num crime ocorrido há muitos anos!

Tal qual comentado anteriormente, conhecemos os detalhes familiares e profissionais de Carla através de ‘flashbacks’: em seu afã por instituir a ação frenética, a montagem do filme – a cargo de três editores diferentes! – demonstra-se francamente precipitada, repetindo lembranças e estraçalhando seqüências, que são picotadas de maneira exagerada, ostentando a inabilidade do diretor ao lidar com esse tipo de material. O que fica mais delicado justamente por conta da ambivalência (a/i)moral do enredo, que atinge o ápice no clímax “terapêutico” do subtítulo.

                                                                                                   Créditos: Paris Filmes/Divulgação
Longa conta com produção da Passaro Films, Hungry Man e Neanthertal MB e distribuição da Paris Filmes

Sinopticamente, o filme é oportunista em sua apresentação factual: depois que a advogada Carla testemunha um assalto e sua filha é baleada, ela torna-se uma “justiceira”, indo em busca do assaltante, mas insistindo em identificar também o responsável pela arma que ele utilizou, o que a leva a desvendar esquemas correlacionados de corrupção. Sem conseguir lidar com a dor repentina de perder uma filha, Carla conhece Natália numa terapia de grupo, onde descobre que os pais da psicóloga foram assassinados de maneira violenta, na infância da mesma, o que será determinante para um reencontro entre as duas profissionais, no desfecho pouco credível do filme.

Em âmbito rítmico/lingüístico, o filme tenta impingir o mesmo frenesi associado aos seriados policiais de TV. Porém, as elipses narrativas são estilisticamente confusas: vide os já mencionados ‘flashbacks’, introduzidos à guisa de chantagem emocional, ou a facilidade com que Carla encontra o paradeiro do bandido Beicinho (Kikito Junqueira). Além disso, a crise relacional entre esta última e o seu esposo (César Mello), que é médico, é abordada de maneira descuidada, o mesmo ocorrendo com a dúbia relação entre Carla e seu colega advocatício – e mal intencionado – Miranda (Alexandre Borges). Idem para o lapso de um ano que ocorre depois que a mulher dá um tiro em si mesma, o que engendra um mote espalhafatoso sobre esquecimento, visto que a possibilidade de uma cirurgia neurológica poderia provocar a perda total de memória, eliminando de Carla a responsabilidade ética por suas atitudes criminais.

Em avaliação geral,“Tempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança” é um filme que promete bastante – desde o seu título pretensioso, que insinua a possibilidade de trilogia –, mas que chafurda no automatismo de suas fórmulas acionais, importadas de modelos estrangeiros. As firulas do roteiro tornam-se ainda mais prejudiciais quando a inverossimilhança instaura-se definitivamente, do meio para o final, de modo que o acerto de contas definitivo vai negativamente de encontro ao letreiro de abertura: ao invés de refutar o impacto nocivo da proliferação de armas na sociedade, corrobora a sede de vingança de uma mãe desolada, que torna-se inimputável ao externar a sua fúria. Um contrassenso em todos os sentidos, portanto: trata-se de um filme perigosíssimo, que inverte a “moral da história” que Hollywood denunciou em filmes eficientes como “Olho por Olho” (1996, de John Schlesinger) e “Valente” (2007, de Neil Jordan)!

Trailer




Ficha Técnica

Título original e anoTempos de Barbárie – Ato I: Terapia da Vingança, 2023. Direção: Marcos Bernstein. Roteiro: Marcos Bernstein, Victor Atherino e Paulo Dimantas. Elenco: Cláudia Abreu, Júlia Lemmertz, Alexandre Borges, César Melo, Kikito Junqueira, Pierre Santos, Adriano Garib, Claudia Di Moura, Roberto Frota e Giovanna Lima. Gênero: Suspense. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Gustavo Hadba. Direção de Arte: Tiago Marques. Montagem: Tainá Diniz, Danilo Lemos e Marcelo Moraes. Trilha Sonora Original: Lucas Marcier, Fabiano Krieger e Rogério da Costa Jr. Som direto: Jorge Saldanha. Edição de Som: Beto Ferraz. Produção de Elenco: Marcela Altberg. Figurino: Valeria Stefani. Caracterização: Auri Mota. Produção: Katia Machado, Alex Mehedff, Gualter Pupo, Luis Vidal e Marcos Bernstein. Empresas Produtoras: Hungry Man, Pássaro Films e NeanderthalMB. Coprodução: Globo Filmes. Produtor associado: Fernando Meireles. Produção Executiva: Carolina Aledi, UPEX e Mário Diamante.  Distribuição: Paris Filmes. Duração:

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